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Por Carlos Helí de Almeida; Especial Para O GLOBO — Tiradentes (MG)

Muito antes do Ney Matogrosso de sólida e bem-sucedida carreira solo e do Ney Matogrosso do curto fenômeno conhecido como Secos & Molhados, houve o Ney adolescente que sonhava se profissionalizar no teatro. Durante um breve período daquele início na vida artística, a música e o palco estiveram lado a lado na agenda do cantor, uma atividade alimentando e inspirando a outra. Mas, inevitavelmente, a primeira acabou prevalecendo sobre o segundo.

— No início dos anos 1970, quando fui para São Paulo ensaiar com os Secos & Molhados, aproveitei para fazer uma peça. Depois, fiz duas infantis e participei de “A viagem”, adaptação de “Os lusíadas”, no Teatro Ruth Escobar. Achava que cantar seria útil ao meu lado ator. Mas fazer teatro demanda muito tempo e não havia como continuar com aquela carreira dupla — conta Ney, hoje com 80 anos, momentos depois da estreia de “Alegria é a prova dos nove”, na programação da Mostra Tiradentes, que termina hoje.

Fascínio adolescente

Exibido na seção Olhares Livres da mostra mineira, o novo filme dirigido por Helena Ignez é a mais recente das esporádicas visitas de Ney ao terreno da atuação. Essas visitas, algumas bem mais breves do que outras, começaram lá atrás, ainda nos anos 1980, com o convite da cineasta Ana Carolina para interpretar um dos irmãos incestuosos de “Sonho de valsa” (1987). Era um debute tardio no cinema, mas que serviu perfeitamente para canalizar a energia do Ney ator, obliterado pela rotina de shows e estúdios de gravação.

— Foi a Ana que me procurou. Disse que tinha visto em mim um olhar que interessava ao personagem que ela havia criado. Fiquei querendo saber que olhar era esse, né? E ela dizia que eu tinha um olhar que fixa, um olhar mau. Eu disse: “Poxa, Ana, eu tenho um olhar mau e quer que eu vá fazer um filme para mostrar isso?” — ri Ney com a lembrança. — Nunca havia pensado em cinema até aquele instante. Mas aí eu entendi o seguinte: que o cinema me permitia exercitar esse lado de ator sem me tomar tanto tempo, como o teatro e a música.

Mas o fascínio pela tela grande, pela sala escura e por seus personagens sempre o perseguiu, desde as inúmeras chanchadas, “uma fase muito importante para o cinema brasileiro”, como confirma Ney, que os pais o levaram para assistir, ainda na infância.

A vida nômade de filho de militar não o impediu de cultivar hábitos de um jovem cinéfilo, do tipo que matava aulas para conferir a mais nova atração do cinema francês ou do italiano. As referências do Ney adolescente passavam ao largo de Hollywood.

— Quando morei em Padre Miguel, pegava o trem todo dia para ir à escola em Campo Grande, onde tinha um cinema que o porteiro deixava os adolescentes entrarem de graça para ver filme francês — diz o cantor. — Lembro muito bem da Françoise Arnoul em “Os amantes do Tejo” (de Henri Verneuil, 1955), que tinha Amália Rodrigues cantando “O barco negro”. Desde cedo, preferi o cinema europeu. Ficava esperando um filme do Pasolini ou do Visconti como esperava por um disco novo do Caetano. Não sei como Ana Carolina chegou a mim, mas foi ela quem destapou tudo isso.

“Sonho de valsa” destravou aquela memória dramática, mas Ney nunca se abriu para qualquer tipo de filme. Basta checar a sua econômica e bissexta filmografia para perceber que ele sempre teve uma inclinação para os projetos de risco, nunca sucessos de público e bilheteria. Esteve disponível apenas para as ofertas que lhe pareciam atraentes, ou pelo arrojo do conceito ou do personagem. E fugiu como diabo da cruz de ideias que procuravam colocá-lo numa caixinha.

— Certa vez, me ofereceram um papel em um filme sobre um pai de família que se vestia de mulher. Recusei. Se for para me colocar uma etiqueta, criar um slogan para mim, não me interessa — argumenta o cantor. — Fiz o curta “Depois de tudo” (2008), do Rafael Saar, por exemplo, sobre um homem casado que visitava regularmente o amante. Era uma história de duas pessoas normais que se encontravam de tempos em tempos para dormirem juntas, sem estereótipos. Gostei daquilo. Fui para o set sem saber qual dos dois personagens faria. Na hora, o Rafael decidiu que eu interpretaria o casado.

Contenção

Ney não sabe se levou a experiência do teatro para o cinema. Mas suas performances nos shows já tentaram se impor aí, logo no início:

— Na primeira cena que fiz no filme da Ana, bastou ela dizer “Vamos rodar, querido”, e eu ergui um pouco os ombros sem perceber. Ela perguntou: “O que está acontecendo? Você ficou estranho. Parece que vai voar.” Foi ali que entendi que tinha posicionado os ombros como fazia no palco dos shows. Eu havia assistido a muitos filmes, mas ainda não sabia como fazer. Em cinema, tudo é mais contido, quanto menos, melhor. Ela foi me ensinando essas coisas.

Em “Alegria é a prova dos nove”, Ney retorna ao papel de Lírio Terron, um defensor dos direitos humanos, amigo e amante de longa data de Jarda Ícone, sexóloga e roqueira octogenária, vivida pela própria Helena Ignez. Os dois personagens foram apresentados no curta “Poder dos afetos” (2013), reapareceram em “Ralé” (2015), ambos dirigidos e roteirizados por Helena, e agora exploram lembranças de uma marcante viagem que fizeram décadas atrás ao Marrocos Saariano.

Esta é a quarta colaboração de Ney com a atriz, diretora e musa do cinema marginal dos anos 1960.

— Acho que a Helena tem mais a ver com a minha cabeça. Foi com ela que fiz o filme pelo qual tenho mais carinho até agora, o “Luz nas trevas — A volta do Bandido da Luz Vermelha” (2010), porque ali foi um trabalho profundo mesmo, que durou meses. O roteiro não era da Helena, mas do (Rogério) Sganzerla, último companheiro dela, que ele havia deixado pronto antes de morrer. O “Alegria” talvez seja o filme em que estou mais natural, mais próximo de mim. Nos outros, eu tinha a preocupação de atuar — compara Ney.

O cantor, no entanto, gostaria de continuar sendo provocado, testar coisas novas:

— Queria, por exemplo, fazer um assassino, um serial killer. É um tipo de personagem que acho fascinante.

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