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Por Luana Carvalho — Rio de Janeiro

Mas por que as pessoas se interessariam em passar duas horas assistindo à minha vida? Foi a pergunta que fiz quando soube do recorte de “Andança – As Memórias e os Encontros de Beth Carvalho”. Nascer de uma mulher com esse tamanho é ser jogada no mar e só depois aprender a nadar, com todo mundo vendo, inclusive a água entrando pelo nariz. A intimidade na tela é uma surra. Ver a história da minha família no cinema, aquelas filmagens feitas por nós, foi emergir em efusão, jorrando dos olhos toda a água salgada que engoli até aqui.

A ideia do Pedro, de um filme no qual quem conta sua história é a própria artista é o que faz de “Andança” uma pérola fina de Ederaldo Gentil. Ter o ponto de vista de Beth sobre a própria vida, este é o ouro. Parte da singularidade da carreira dela, está justamente na consciência da importância desses registros. Ela sabia que estava fazendo uma revolução. Que um país sem memória, quando avança, acaba retrocedendo cultural e politicamente. É doído ter memória quando se vive sob um sistema miserável e preconceituoso. Ela queria eternizar, câmera na mão, a parte bonita da memória desse país, que é também gigante. E que os responsáveis por essa beleza, muitas vezes subestimados, estivessem em cena protagonizando randomicamente a história do samba.

Da varanda nos dias seguintes, eu via todos lá. Aquela mulher branca entre os pretos, resistindo sóbria (Elizabeth não bebia), tocando, ouvindo, cantando, aprendendo, registrando tudo. Ela olhava para cima esfuziante: Desce, filha, tem gente chegando de novo! Difícil não chorar escrevendo isso, mas Beth Carvalho nunca teve nem nunca terá fim. Cada cena de “Andança” me leva para cena seguinte que não está ali. As que só eu sei. Porque depois de uma roda, eu ia na cozinha e tava lá o Luiz Carlos da Vila abrindo uma lata de sardinha na madrugada. Depois daquele estúdio, eu vejo Almir Guineto todas as manhãs tentar minha mãe acordada no hospital. Depois daquele desfile, eu dormia no Terreirão, no colo da Tia Surica. Depois da praia de Maricá, eu fugia com 7 anos até a casa do Darcy Ribeiro, pra espiá-lo a escrever o próximo livro, ou me dizer, sobre a morte do filho de Nei Lopes catando tatuí naquela mesma praia, pra eu ficar tranquila que o mar não quer nada de mal comigo.

Depois do filme, eu vou para o auge da minha saudade. Do orgulho de ser filha de uma mulher que entendia sua cultura, seu país, sua ancestralidade, sua responsabilidade cívica. Que saiu de Ipanema pra dedicar sua vida à arte do povo, amando o povo, indo na casa do povo, levando o povo pra casa.

Escrevo esse texto da Casa de Jorge Amado. Penso na Casa do Samba Beth Carvalho que está sendo feita pelo mesmo Gringo Cardia na tal praia de Maricá. Olho pra todos esses objetos, penso no meu legado, e concluo que a resposta para minha pergunta do início é que assistir a “Andança” é passar duas horas assistindo à vida do Brasil. E ser parte desse filme é finalmente ter aprendido a nadar.

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