Certo dia, em 1948, um ainda desconhecido Lupicínio Rodrigues foi a um cinema de Porto Alegre e constatou, maravilhado, que sua música “Se acaso você chegasse” fazia parte da trilha sonora do filme “Lady, let’s dance” — “Dançarina loura”, no Brasil. Três anos antes, em 1945, o longa do diretor Frank Woodruff, em torno de uma dançarina que vai trabalhar em um resort na Califórnia, havia sido indicado em duas categorias do Oscar: melhor trilha sonora e melhor canção original por “Silver shadows and golden dreams”, de Lew Pollack e Charles Newman. “Se acaso você chegasse”, que ganhou uma versão instrumental de um minuto e meio no filme, não foi creditada ao compositor gaúcho, que também não foi mencionado na indicação de melhor trilha sonora.
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Agora, quase 80 anos depois do lançamento de “Lady, let’s dance”, a família de Lupicínio Rodrigues enviou para a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pelo Oscar, uma carta com um pedido de reconhecimento da obra do músico e sua inclusão naquela indicação, em 1945.
A ideia da carta surgiu a partir do documentário “Lupicínio Rodrigues: confissões de um sofredor”, de Alfredo Manevy, feito para o canal Curta!, que foi exibido em alguns festivais e tem previsão de lançamento para o segundo semestre. O diretor diz que, além de se debruçar na vida e na obra do gaúcho, o filme trata de “invisibilidade”:
— Como um cara tão chave na música brasileira caiu no esquecimento? Há toda uma discussão sobre a figura dele desaparecendo. Este é um dos focos da narrativa do filme, e o episódio do Oscar acabou sendo muito forte.
“É motivo de incompreensão para nós que a contribuição do compositor Lupicínio Rodrigues segue, em pleno ano de 2023, passados mais de setenta e sete anos, sem o devido reconhecimento desta prestigiosa organização de Hollywood”, diz um trecho do documento, enviado esta semana. Ainda não houve, por parte da Academia, qualquer manifestação.
Ao GLOBO, por telefone, Lupicínio Rodrigues Filho deixa claro que a ideia nunca foi obter qualquer ressarcimento ou compensação financeira com a carta.
— A obra saiu daqui do Rio Grande do Sul, composta pelo pai, e chegou aos EUA. Não sabemos como isso aconteceu, mas não resta a menor dúvida de que devemos buscar reconhecimento. Para nós, é motivo de grande orgulho — diz o filho do autor de numerosos clássicos, como “Loucura”, “Castigo” e “Meu barraco”, além do hino do Grêmio.