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Por Carlos Helí de Almeida; Especial Para O GLOBO

A indignação de Lucrécia Martel em relação ao preconceito racial na Argentina agora ganha destaque e carga política em “Chocobar”, documentário em longa-metragem, em fase de finalização, no qual a cineasta investiga o assassinato do líder indígena Javier Chocobar por um proprietário de terra na província de Tucumán, em 2009.

Chocobar era um ativista dos direitos humanos e cacique da etnia Diaguita do assentamento Chuschagasta, e lutava contra a remoção da comunidade indígena da terra de seus antepassados. Seus assassinos, Darío Amín, grande proprietário de terras na região, que vivia em constante disputa com a família de Chocobar desde 2000, e seus dois comparsas, Eduardo Valdivieso e Humberto Gómez, foram condenados em 2018, mas ainda aguardam a confirmação da sentença pela Justiça. Atentados contra indígenas gerados por disputa de terras são comuns no país, mas o assassinato do líder Diaguita ganhou outro significado por ter sido registrado em vídeo pelos próprios criminosos. As imagens chegaram a circular no YouTube à época do crime.

— Quando vi aquele vídeo, só conseguia pensar na injustiça e na impunidade por trás da prática de tal crime, muito comum na Argentina, mas incapaz de inspirar qualquer tipo de comoção nacional — disse a realizadora ao GLOBO na 54ª edição do Visions du Réel, festival europeu de documentários em que recebeu um troféu honorário pelo conjunto da carreira.

A cineasta argentina Lucrecia Martel — Foto: Divulgação
A cineasta argentina Lucrecia Martel — Foto: Divulgação

Há algo de particular, de diferente, sobre as comunidades daquela região, em relação a outras?

Quando se fala em indígenas, a primeira imagem que vem a nossas cabeças é dos povos brasileiros na Amazônia, seminus. Não se pensa nas comunidades indígenas que vivem na periferia rural das cidades. Isso também me pareceu atraente no caso Chocobar: não havia nada de exótico naquela comunidade. Não indígenas que vivem em aldeias, mas em grupos de casas, que abrigam diferentes famílias, de diferentes gerações, que moram juntas, distribuídos em territórios de serra. Um lugar muito rural, longe de um centro urbano, onde encontrei, certa vez, durante minhas pesquisas, 400 fotos antigas em uma única casa. Foram feitas por gente que passava por lá, fazia fotos das pessoas, do lugar. Quando me dei conta da existência desse material, passei a escanear tudo o que encontrava. Levou algum tempo.

Está familiarizada com a luta indígena no Brasil?

Sim, porque já trabalhei com o documentarista e antropólogo brasileiro Ernesto de Carvalho, do (projeto) Vídeo nas Aldeias. Posso dizer que conheço um pouco da situação indígena no Brasil, embora superficialmente.

Consegue identificar paralelos entre os dois países nesse aspecto?

O ponto que parece idêntico aos dois países no problema é a construção do conceito de nação. Há muitas diferenças culturais e históricas entre Brasil e Argentina, mas em ambos a população indígena é vista da mesma forma desde seus tempos de colônia. Não existe um corte entre o período colonial e o período republicano na América Latina. Na Argentina, a condição das comunidades indígenas é ainda pior, porque as terras indígenas, por menor que fossem, ainda eram reconhecidas na época da colônia. Com a independência, o poder político passou da Coroa Espanhola para a burguesia local. Nesse processo, as terras indígenas passaram para o controle do Estado, viraram terras fiscais, abrindo caminho para esse tipo de desapropriação baseado no racismo.

Os criminosos do caso Chocobar foram condenados em primeira instância. Amín morreu de Covid, e seus dois cúmplices, ex-policiais, aguardam a confirmação da sentença. Casos assim repercutem, causam comoção entre os argentinos?

Olha, estou atenta a esse tema há uns 20 anos, talvez. E ele sempre foi muito usado politicamente. Uma coisa muito grave da militância partidária argentina é que os indígenas nunca tiveram independência, isso sempre foi manipulado por uma força política ou outra, porque vivem em um estado de indigência, vulnerabilidade, sobrevivem de promessas. Mesmo durante a primeira gestão do governo dos Kirchner (primeiro Néstor, e depois por sua viúva Christina), autodefinido como “mais popular” da história do país, no qual criou-se uma lei para fazer o diagnóstico da situação dos territórios e comunidades indígenas, pelo menos 15 militantes indígenas foram executados, segundo cálculos oficiais. Ou seja, pouco mudou.

Desde quando está debruçada sobre o caso de Chocobar?

Há pelo menos 11 anos, com maior ou menor intensidade, porque é um caso ainda em andamento. Cheguei próximo dele com o curta-metragem “Léguas” (2015), parte de um projeto de longa-metragem criado pelo Gael García Bernal sobre evasão escolar na América Latina. O filme era uma ficcionalização de um episódio que me contaram e que havia acontecido na mesma comunidade de Chocobar. A pessoa que matou o ativista era benfeitor da escola local, um dos parentes do assassino era afiliado à instituição. Quando o crime ocorreu, as crianças abandonaram a escola, e só tempos depois voltaram, em prejuízo da sua formação.

“Léguas” foi uma forma de aproximação com o assentamento de Chuschagasta e o caso?

Mais do que uma forma de contato com a comunidade, foi também um jeito de oferecer uma nova abordagem sobre o episódio e compartilhá-la com eles. Porque, nas zonas rurais da Argentina, o contato com as narrativas audiovisuais se dá quase que unicamente pela TV, e principalmente pelo noticiário. A cobertura jornalística sobre esse tipo de crime, no entanto, costuma ser superficial. O repórter vai lá, faz perguntas, vai embora e não há uma continuidade. A comunidade esperava isso. O curta era um exemplo de que havia outro processo de observação possível, que a imagem e o som também podiam contribuir para isso.

Já pensava, à época do curta, em fazer um documentário sobre o episódio?

Não estava tão claro ainda. Sabia que queria continuar investigando. Mas não sabia que seria uma ficção ou documentário. O processo mesmo de investigação é que se revelou fascinante. Ler, procurar documentos, fazer uma investigação histórica. O que foi interessante é que centramos numa pequena porção do território. Porque, em geral, na Argentina, a abordagem de temas indígenas se dá por um povo, uma comunidade ou uma etnia particular, e muitas vezes com conclusões e pensamentos bastante generalizados sobre a História argentina.

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