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Por Lucas Salgado — Rio de Janeiro

Amos Gitai, de 72 anos, vem contando a história de Israel por toda a sua carreira, desde os primeiros curtas no final dos anos 1970. Agora, com “Uma noite em Haifa”, volta à sua cidade natal para criar um cenário de convivência livre e pacífica entre israelenses, palestinos, árabes. O filme faz parte da programação do Festival Filmelier no Cinema, que começa nesta quarta-feira no Rio do Janeiro, em São Paulo e em mais 19 cidades do país.

— Quis mostrar esse santuário, esse porto seguro para israelense e palestinos, em que um homem palestino pode beijar uma mulher israelense ou vice-versa, um lugar que aceita gays, travestis, uma espécie de microcosmos em que todos são aceitos — destaca Gitai em conversa via Zoom. — É um pouco o que vivemos em Haifa. É uma cidade diferente em Israel, que não é tão dramática quanto Jerusalém e seus conflitos religiosos, nem tem a vida noturna tão ativa quanto Tel Aviv.

Arquiteto de formação, Amos Gitai se dedica a retratar conflitos de sua região: começou a ganhar destaque com documentários como “A casa” (1980), sobre uma residência em Jerusalém que foi abandonada pelo dono palestino durante a guerra árabe-israelense de 1948 e ao longo dos anos foi habitada por moradores dos dois grupos adversários. Em “O dia do perdão” (2000), resgatou a guerra do Yom Kippur (1973), com a história de dois soldados israelenses que tentam evacuar feridos. E, em “Kedma” (2002), voltou ao confronto de 1948 para rever a chegada de judeus à Palestina, em meio a confronto com tropas britânicas, dias antes da criação do Estado de Israel.

A nova empreitada, “Uma noite em Haifa”, sofreu os efeitos da pandemia. Após a estreia no Festival de Veneza de 2020, o filme participou de eventos por todo o mundo, mas acabou tendo a estreia adiada em razão do coronavírus. O longa chegou a ter exibição por aqui em outubro passado (mesmo mês em que finalmente entrou em cartaz em Israel), no Festival do Rio 2022.

Tsahi Halevi e Maria Zreik em "Uma noite em Haifa", de Amos Gitai — Foto: Divulgação
Tsahi Halevi e Maria Zreik em "Uma noite em Haifa", de Amos Gitai — Foto: Divulgação

Antes de filmá-lo, o cineasta conheceu o Brasil. Gitai lembra ter ficado encantado pela diversidade e pela mistura dos povos quando visitou São Paulo e conta que quis reproduzir um pouco disso em “Uma noite em Haifa”, deixando um pouco de lado a realidade em geral de seu país.

— Não faço um cinema asséptico em que todo mundo é igual. Vivemos em uma realidade em que as pessoas constroem muros e não querem cumprimentar o outro. Quis retratar o completo oposto — conta.

Contra Michael Moore

Gitai defende que é função do artista pensar criticamente e falar sobre política, mas que o realizador deve sempre tomar cuidado para não ser reducionista e didático demais. Ao longo de sua carreira, o diretor chegou a enfrentar tentativas de boicote e censura (“A casa” teve sua exibição proibida e foi banido da TV israelense).

— Gosto de um cinema que te faz refletir, temos que falar sobre política — diz Gitai, que reprova quando o diretor é doutrinário demais. — Não gosto dos filmes de Michael Moore, por exemplo. Concordo com ele politicamente, mas não concordo cinematograficamente, acho muito didático. Ele quer alimentar as pessoas colocando a colher em suas bocas. Quando fazem isso comigo, começo a duvidar de suas ideias.

Preocupado com o atual momento de Israel e crítico do governo de Benjamin Netanyahu, Gitai se diz impactado pela dimensão dos protestos que têm tomado as ruas de seu país. No último sábado, pela 15ª semana seguida, manifestantes foram às ruas de Tel Aviv em defesa da democracia e contra a intenção do governo de reforma judicial. A proposta de Netanyahu prevê que decisões do Parlamento, que hoje é ultraconservador, possam se sobrepor às da Suprema Corte. Outros protestos também foram registrados em Jerusalém, Haifa e Modiin.

— Tenho me impressionado com os protestos nas ruas, todos pacíficos. São 500 mil pessoas nas manifestações, com uma população de nove milhões. São quase 5% do país nas ruas. Mas não sei dizer como vai acabar, pois Netanyahu e seus amigos da extrema direita e da seita ultraortodoxa ainda estão no poder — opina Gitai.

“Quis mostrar esse porto seguro para israelense e palestinos, em que um homem palestino pode beijar uma mulher israelense ou vice-versa, um lugar que aceita gays, travestis”, diz Gitai — Foto: Divulgação/Laura Stevens
“Quis mostrar esse porto seguro para israelense e palestinos, em que um homem palestino pode beijar uma mulher israelense ou vice-versa, um lugar que aceita gays, travestis”, diz Gitai — Foto: Divulgação/Laura Stevens

Parceria com Waltinho

Amos Gitai vê muitas semelhanças entre Brasil e Israel.

— Acompanho a situação política no Brasil porque sou um grande admirador do país. Como Israel, o Brasil é um pouco esquizofrênico, você tem pessoas muito sofisticadas, inteligentes e criativas, e também outras brutais e vulgares no mesmo espaço — diz o cineasta, que tenta entender a força com que políticos de extrema direita crescem. — São figuras que usam da ignorância, das fakes news e de uma comunicação manipulativa e carismática, e, no atual estado da sociedade e da mídia, funciona, infelizmente. Não sei que tipo de planeta iremos deixar para as próximas gerações.

Gitai é um grande admirador do cinema brasileiro e mantém fortes vínculos com cineastas do país.

— Me sinto em casa quando visito o Brasil. Sou um grande admirador de Glauber (Rocha), Nelson (Pereira dos Santos) e toda geração do Cinema Novo — diz.

Amigo de Walter Salles, o israelense, que já foi premiado em festivais como os de Cannes e Veneza, conta ter um projeto em andamento em colaboração com o diretor de “Central do Brasil” (1998), baseado em cartas de sua mãe que foram publicadas no livro “Efratia Gitai — Em tempos como estes” (Ubu Editora, 2019).

Salles lembra como nasceu a ideia do projeto:

— Quando vi a peça que Amos dirigiu baseada nas cartas que sua mãe enviou ao longo de sua vida, tive a impressão de que esse relato de uma mulher tão emblemática do século XX, feminista, libertária e independente, se confundia com o desejo utópico de um país. E disse a Amos que esse relato de formação merecia ser contado no cinema ou numa série curta — conta Walter Salles.

Meses após o contato, Gitai ligou para o brasileiro sugerindo que escrevesse o primeiro tratamento do roteiro, já que a história era muito próxima dele para conseguir se distanciar. Salles conta que, no início da pandemia, escreveu a estrutura inicial para uma produção de quatro episódios. Na sequência, coube à roteirista Marie-Jose Sanselme, colaboradora frequente de Gitai, e à atriz Irène Jacob desenvolver essa estrutura inicial.

— Amos é um grande realizador, que faz um cinema humanista e combativo, e fico feliz por ter podido colaborar com este projeto naquele momento — diz Salles.

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