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Por William Helal Filho — Rio de Janeiro


A adolescente Sofia Langenbach diante de dezenas de pés de maconha em Paty do Alferes — Foto: Divulgação/Apepi
A adolescente Sofia Langenbach diante de dezenas de pés de maconha em Paty do Alferes — Foto: Divulgação/Apepi

A adolescente Sofia Langenbach faz uso de maconha desde criança. Ela tinha 7 anos quando, em 2016, seus pais plantaram três pés de cannabis sativa na varanda do apartamento onde a família morava, em Botafogo, na Zona Sul do Rio. O cultivo dessa espécie vegetal é proibido por lei no Brasil, mas a advogada Margarete Brito e o designer Marcos Lins Langenbach, pais da menina, começaram a “hortinha” assim mesmo, já que Sofia é portadora de uma síndrome congênita rara e depende do óleo extraído da maconha para não sofrer crises de convulsões severas.

Pouco depois, a família obteve a primeira liminar da Justiça no país a autorizar o cultivo para fins medicinais, garantindo a segurança do tratamento. As mudas rendiam mais óleo do que Sofia precisava, e seus pais doavam o excedente a outras famílias de pacientes com diferentes quadros clínicos. Quanto mais doavam, mais gente pedia. Com o aumento da produção, a varanda ficou pequena. Eles se mudaram para uma casa na Urca, mas o quintal lá também não deu conta. Até que, em 2020, Marcos e Margarete compraram uma fazenda para plantar maconha em Paty do Alferes, no interior do Estado do Rio.

Essa é a história, bastante resumida, da Associação de Apoio à Pesquisa e a Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi), que reúne médicos, pesquisadores, advogados e hoje atende a cerca de seis mil famílias cadastradas em todo o Brasil. Mês passado, a entidade distribuiu mais de três mil frascos com óleo de cannabis para pacientes que têm prescrição para consumir uma gama de produtos à base de maconha. A trajetória da entidade é contada no documentário “O outro mundo de Sofia”, dirigido por Rapha Erichsen, com produção da Kromaki em parceria com o canal GNT, que ficará disponível no Globoplay a partir desta terça-feira.

Margarete Brito e sua filha Sofia Langenbach, com pés de maconha — Foto: Divulgação/Apepi
Margarete Brito e sua filha Sofia Langenbach, com pés de maconha — Foto: Divulgação/Apepi

— O filme ajuda a furar a bolha e mostrar nosso trabalho até para quem não concorda com o que fazemos. Precisamos informar para transformar. A maconha enfrenta preconceito na sociedade, mesmo quando estamos falando do uso medicinal da planta — avalia Margarete, que não vê distinção entre a causa da maconha medicinal e a luta para legalizar o consumo em geral. — A planta é a mesma. Acho importante regulamentar o cultivo e o consumo de todas as formas. É preciso evitar o abuso, assim como o abuso de álcool ou açúcar. Mas a lei tem que mudar. O que está errado é a lei.

Com depoimentos de pesquisadores como o neurocientista Sidarta Ribeiro, o documentário mostra uma realidade já bem diferente de 2014, quando foi lançado o longa “Ilegal: A vida não espera”, que contou o drama de Sofia e outras crianças cujas famílias batalhavam para obter medicamentos feitos com maconha que só existiam no exterior, eram muito caros e não podiam nem ser importados. De lá pra cá, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) formatou regras para se adquirir esses remédios, associações conquistaram o direito ao plantio por meio de liminares e o consumo de produtos à base de cannabis fez surgir um mercado nacional.

Cruzada nacional

Quando O GLOBO esteve pela primeira vez com Margarete e Sofia, em 2016, elas ainda não tinham a liminar que garantia o plantio. Mas, à exemplo de mulheres como a estilista Zuzu Angel, que enfrentou a ditadura militar após o assassinato de seu filho, e tantas outras "mães coragem", a advogada transformou a luta de uma família em uma cruzada de grandeza nacional, reunindo hordas de pessoas atrás de medicamentos. Sem essa “marcha da maconha”, jamais seria possível realizar algo como a fazenda de cannabis em Paty do Alferes, que hoje emprega 60 pessoas de carteira assinada.

Plantação de maconha da Apepi em Paty do Alferes — Foto: Divulgação/Matias Maxx
Plantação de maconha da Apepi em Paty do Alferes — Foto: Divulgação/Matias Maxx

Mas a insegurança jurídica é um tremendo obstáculo. Diferentes associações conseguiram liminares na para iniciar seus cultivos. A Apepi havia conquistado uma decisão de mérito, ou seja, efetiva, para produzir e distribuir o óleo. Mas a medida foi derrubada em segunda instância no fim do ano passado e, desde então, o grupo opera na base da desobediência civil, como diz Margarete. “O outro mundo de Sofia” mostra o momento em que policiais, investigando uma denúncia, invadiram a fazenda em seis carros, com o objetivo de apreender pés de maconha e levar para a delegacia quem fosse responsável.

— Nosso advogado entrou com uma ação rapidamente, e a Justiça suspendeu o mandado de busca a apreensão. Ao mesmo tempo, os policiais viram nosso laboratório e todo o trabalho e perceberam que o cultivo não era para o tráfico — conta a fundadora da Apepi. — Estamos trabalhando para reverter a determinação que derrubou a decisão de mérito em nosso favor, mas, por enquanto, continuamos sem o respaldo da Justiça. Isso não me preocupa. É um caminho sem volta. Nos últimos anos, a sociedade evoluiu nessa questão. O que falta é uma legislação para acompanhar essa realidade.

Num trecho do documentário, Margarete aparece participando de audiências públicas no Congresso Nacional, debatendo com políticos contrários a uma legislação mais flexível para a maconha. A ala conservadora do Parlamento até aceita a importação de medicamentos à base da planta e também a fabricação de sintéticos que reproduzem os efeitos de substâncias como o CBD e o THC, presentes na cannabis. Mas muitos deputados federais e senadores se recusam a discutir a autorização do cultivo no Brasil. Eles alegam que isso facilitaria o desvio da produção para o chamado “uso recreativo”.

— Estamos reivindicando a regularização de cultivo e distribuição. As universidades querem realizar pesquisas com a planta e o óleo, mas não avançam por causa da proibição. Assim, fica um impasse. Alguns dizem que não se pode autorizar cultivo por falta de pesquisa no Brasil comprovando a eficácia desses remédios. Mas, se continuar proibido, não tem como a pesquisa avançar — reflete a advogada. — Queremos conversar com quem é contra. Se essa pessoa entender o que estamos fazendo, começa a mudança. Às vezes, cansa ter que discutir tanto, mas é necessário. E, se tivesse medo, nada disso teria acontecido.

Fazenda de cannabis em Paty do Alferes atende a seis mil famílias cadastradas em todo o Brasil — Foto: Divulgação
Fazenda de cannabis em Paty do Alferes atende a seis mil famílias cadastradas em todo o Brasil — Foto: Divulgação
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