Filmes
PUBLICIDADE

Por Lucas Salgado, O Globo — Rio de Janeiro

Não foi desta vez que o cinema nacional viu a reivindicação em torno da chamada cota de tela ser atendida. Ontem, o setor ficou fora da movimentação sobre o tema que aconteceu em Brasília e contemplou somente a TV paga.

Corre no Senado Federal o Projeto de Lei nº 3696/2023, do senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), que previa a renovação da cota de tela no cinema e na TV por assinatura até 2043. A proposta, que já havia passado pela Comissão de Assuntos Econômicos, foi aprovada ontem na Comissão de Educação e Cultura, com relatório do senador Humberto Costa (PT-PE). O projeto, no entanto, passou por uma alteração significativa. Após proposta de emenda do senador Eduardo Gomes (PL-TO), as salas de cinema foram retiradas do projeto, que agora segue para a Comissão de Comunicação e Direito Digital antes de ser encaminhado para a Câmara dos Deputados.

— Chegamos à conclusão de que precisamos de um entendimento setorizado, um olhar exclusivo sobre a questão do cinema. Então, resolvemos retirar esse segmento do projeto que tramita para tratar em um texto à parte, com tempo e condições para essa discussão. No caso da cota de tela da TV paga, havia consenso sobre o tema e uma urgência, tendo em conta que há uma data a vencer (12 de setembro). Então, foi uma construção coletiva agir dessa forma — diz Humberto Costa.

A alteração no projeto é alvo de lamento no setor cinematográfico. Em eventos presenciais e nas redes sociais, em que a hashtag #BrasilnasTelas foi promovida por atores e realizadores, a cota de tela no cinema vem sendo um tema onipresente no meio. Em passagem pelo Festival de Gramado no início de agosto para a abertura do evento, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, afirmou que esperava que o projeto de Randolfe fosse colocado para votação em breve. O senador reforça sua posição.

— A cota de tela é um instrumento indispensável para a valorização do audiovisual nacional. E não é um instrumento exclusivo do Brasil. Várias nações do mundo mobilizam ferramentas e instrumentos para a proteção do setor audiovisual — afirma ele.

Sem validade desde setembro de 2021, a cota de tela cinematográfica obriga as empresas exibidoras a incluírem em suas programações filmes nacionais por um determinado número de dias, além do limite de ocupação máxima de salas de um complexo por apenas uma obra. Agora, após a modificação de ontem, o tema precisará ser alvo de outro projeto de lei.

Apenas 1,4% do mercado

De acordo com dados atualizados do Sistema de Controle de Bilheteria, publicados pela Ancine, a fatia de mercado do cinema nacional em 2023 está em 1,4%, contra uma média de 13% entre 2012 e 2019. Isso significa que 98,6% do público que frequenta cinema do país está assistindo a produções estrangeiras. Até agosto, todos os filmes nacionais lançados comercialmente no país acumularam um público somado de 1,02 milhão. O que dá menos de 10% da bilheteria de “Barbie”. O público do cinema nacional caiu mais de 90% em comparação com 2019.

De janeiro até este mês, 96 longas brasileiros foram lançados comercialmente nos cinemas, segundo dados do site Filme B. Destes, apenas três superaram a casa dos cem mil espectadores: “Os aventureiros — A origem” (425 mil), “Desapega!” (153 mil) e “Ninguém é de ninguém” (140 mil). Números muito distantes do longa estrangeiro de maior bilheteria, “Barbie”, com 10,9 milhões de ingressos vendidos.

Luccas Neto em 'Os aventureiros - A origem' — Foto: Warner Bros./Divulgação
Luccas Neto em 'Os aventureiros - A origem' — Foto: Warner Bros./Divulgação

No último ano pré-pandemia, 2019, ainda na vigência da cota de tela, o cinema nacional contou com oito longas que ultrapassaram a marca de um milhão de espectadores, com destaque para “Minha mãe é uma peça 3” (11,8 milhões), “Nada a perder — parte 2” (6 milhões) e “Minha vida em marte” (5,3 milhões).

Sem a cota de tela, o cinema nacional também desapareceu do horário nobre das salas. Hoje, segundo dados da Ancine, os filmes nacionais têm sido exibidos em horários alternativos, muitas vezes em sessões antes das 16h.

— Acredito na cota de tela não só como conceito. Como realizador brasileiro, já fui beneficiado. Em 2012, quando “O som ao redor” fazia uma carreira internacional, recebi uma ligação de um programador brasileiro querendo saber sobre o filme porque estava precisando preencher a cota — lembra Kleber Mendonça Filho, diretor em cartaz nos cinemas com “Retratos fantasmas”.

Enquanto produtores, atores, diretores e distribuidores de obras nacionais clamam pelo retorno da cota de tela, o circuito exibidor se preocupa. Na última semana, a Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas (Feneec), a Associação dos Exibidores Brasileiros de Cinema de Pequeno e Médio Porte (Aexib), o Sindicato das Empresas Exibidoras Cinematográficas no Estado de São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins e Distrito Federal (SindCine) e a Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex (Abraplex) se uniram em uma nota oficial protestando contra o novo ordenamento e afirmando que a aprovação pode resultar no fechamento de salas.

— O exibidor não olha se o filme é nacional ou estrangeiro. A ideia de que o exibidor boicota o filme nacional não tem nexo. Nunca faltou sala para os grandes blockbusters nacionais — argumenta Marcos Barros, presidente da Abraplex. — A cota de tela, para ser um verdadeiro estímulo ao cinema nacional, deve estar acompanhada de uma política mais ampla e que envolva mecanismos de fomento e incentivo às produções realizadas por empresas brasileiras e não só a obrigatoriedade de exibição. Não podemos obrigar o público a comprar ingressos para o que ele não quer ver.

Sobre a ponderação de exibidores, o senador Randolfe Rodrigues prefere citar Nelson Rodrigues e lamenta o que chama de “síndrome de vira-latas”.

— Eu entendo o interesse dos exibidores, mas eles precisam entender que eles lucram muito mais com o cinema brasileiro valorizado. Não todos, mas acredito que alguns sofram de uma síndrome de vira-latas. Eles acreditam que só “Barbie”, “Oppenheimer” ou “Rambo 10” são bons o bastante para passar nos cinemas — alfineta. — Temos que reconhecer o valor e o poder do cinema nacional.

Realizadores brasileiros defendem o potencial de bilheteria de filmes nacionais. No ano passado, “Medida Provisória”, de Lázaro Ramos, perdeu metade de suas salas em sua terceira semana em cartaz, mesmo com uma ótima média de ocupação, para dar lugar a “Doutor Estranho no multiverso da loucura”, que estreou em 70% das salas do país. Situação parecida passou Ingrid Guimarães com “De pernas pro ar 3”, que, mesmo lotando os cinemas em 2019 e acumulando um público de 1,8 milhão, foi quase que por completo retirado do circuito em sua terceira semana para dar lugar a “Vingadores: ultimato”, que estreou em 2.702 salas, o que era equivalente a 92% dos cinemas do país. À época, a medida provisória da cota de tela ainda estava sob validade, mas a ferramenta exigia uma regulamentação anual por decreto presidencial, que não era feita desde o governo Temer.

— Eu vivi a falta da cota de telas quando enfrentei “Os vingadores”. “De pernas pro ar 3” tinha tudo para fazer alguns milhões de espectadores, mas foi arrancado das salas. É claro que eu entendo o fenômeno que é um filme como “Vingadores” e que os exibidores precisam ganhar dinheiro, mas, num complexo com sete salas, não podemos ter todas exibindo o mesmo filme, as pessoas precisam de alternativa — diz Ingrid. — Ali, eu percebi que se não tivermos uma lei que proteja o nosso cinema, como existe na França, na Coreia do Sul e em todo o mundo, seremos sempre engolidos pelo cinema americano.

Ingrid Guimarães em cena de "De pernas pro ar 3" — Foto: Divulgação
Ingrid Guimarães em cena de "De pernas pro ar 3" — Foto: Divulgação

Olho no mapa

A Coreia do Sul é citada como exemplo por boa parte do segmento audiovisual. O país decidiu investir fortemente na cultura local nos anos 1990, após “Jurassic Park” (1993), de Steven Spielberg, passar três meses em cartaz ocupando quase todas as salas do país. O longa foi um sucesso de público na Coreia, que viu seu cinema ocupar uma fatia de mercado de apenas 2,1%. Após isso, o que se viu foram políticas de incentivo maciço ao audiovisual sul-coreano, além de cotas de tela generosas. Em determinado momento, a política de cotas determinava que as salas de cinema deveriam exibir filmes coreanos por 146 dias por ano. Hoje, o número caiu para 73 dias, mas a indústria está tão aquecida que a realidade é que o filme coreano ocupa um período maior do que o determinado. Nos últimos anos, a fatia do mercado do cinema local na Coreia do Sul chegou a 57%, e hoje o audiovisual do país é referência no mundo, chegando a conquistar o Oscar de melhor filme há três anos, com “Parasita” (2019).

A cota de tela surgiu pela primeira vez na legislação brasileira em 1932, pelo Decreto nº 21.240. Ao longo dos anos, a ferramenta passou por vários tipos de regulamentações, até que em 2001, pela Medida Provisória nº 2.228-1, a matéria é descrita como parte da política nacional de cinema e ganhou validade de 20 anos. Essa MP tratava exclusivamente da cota de tela para o circuito cinematográfico. A regulação da cota na TV por assinatura surge na Lei da TV Paga (Lei nº 12.485/2011), cuja validade se encerra no próximo dia 12 de setembro.

— Entendemos que as cotas são quantitativos mínimos. Precisamos seguir trabalhando para ampliar a participação brasileira nesses mercados, e aliar a utilização desse dispositivo com outras ações complementares de formação e ampliação de públicos como o fomento à distribuição, à promoção e à valorização do nosso audiovisual e ao próprio fortalecimento de circuitos e janelas de exibição, inclusive aquelas que articulam cinema e educação — diz Joelma Gonzaga, secretária do Audiovisual do Ministério da Cultura.

Produtora executiva focada em políticas públicas no audiovisual, Marina Rodrigues lamenta faltar “um pouco mais de empenho” por parte do MinC e da Ancine no diálogo junto ao Congresso, que ainda é prejudicado pela falta da composição do Conselho Superior de Cinema.

— Sem cota de tela garantida, faremos projetos com a Lei Paulo Gustavo sem nenhuma garantia de visibilidade. Isso atingirá diretamente nossa economia — aponta a produtora, que lembra que a cota de tela é um mecanismo protecionista existente há mais de cem anos pelo mundo — Ao garantir o espaço por direito dos filmes brasileiros, nós estamos deixando dinheiro no Brasil e não mandando para o exterior. Isso vai além do faturamento das salas de cinema, é sobre a possibilidade de maiores investimentos e também a possibilidade de geração de mais empregos e renda com a atividade.

Mais recente Próxima Festival de Veneza chega aos 80 anos com estrelas no tapete vermelho, apesar da greve em Hollywood
Mais do Globo

Vítimas foram sequestradas enquanto passavam temporada no país a trabalho

Vinculado à Al Qaeda, grupo jihadista do Níger difunde vídeo de 2 'reféns russos'

Nesta semana, Khalid Sheikh Muhammad concordou em assumir culpa por ataque, que deixou quase 3 mil mortos, para evitar condenação à pena morte

EUA anulam acordo judicial com acusado de ser autor intelectual dos ataques de 11 de Setembro de 2001 e voltam a considerar pena de morte

A pedido de Mano Menezes, tricolor inicia negociação por jogador de 22 anos de idade

Fluminense envia proposta pelo atacante Emiliano Gómez, do Boston River, vice-artilheiro do Campeonato Uruguaio

Meia foi eliminado da Olimpíada nesta sexta e é aguardado no Rio até domingo

Botafogo espera Almada de volta aos treinos na segunda e quer o argentino no jogo de volta contra o Bahia

Governo federal recorreu contra decisão que havia garantido compensação para quem ocupou funções de chefia

Tribunal suspende pagamento de 'penduricalho' com impacto bilionário para servidores do TCU

Até o momento as atletas têm maior participação nos resultados brasileiros em comparação aos Jogos de Tóqui-2020

Mulheres são responsáveis por cinco das sete medalhas do Brasil após uma semana de Jogos Olímpicos

Após show de stand-up em que comentou que era criticada por sua aparência, Punkie Johnson confirma que não estará na 50ª temporada do programa

Comediante que imita Kamala Harris 
deixa programa ‘Saturday Night Live’

Advogados do prefeito de São Paulo apontam 'artimanha' com objetivo eleitoral que atinge a honra do emedebista e chegaram a pedir exclusão de vídeos, mas depois recuaram

Nunes pede inquérito contra mulher que o acusa de envolvimento com esquema em creches

Brasileira será a sexta ginasta a participar da final do salto em Paris, enquanto a americana será a quarta

Olimpíadas 2024: Rebeca Andrade vai saltar depois de Simone Biles na final deste sábado em Paris

Fortuna do fundador da Amazon encolheu US$ 15,2 bilhões com o recuo de 8,8% dos papéis

Mais ricos do mundo perdem US$ 134 bilhões com queda das ações de tecnologia, liderados por Bezos