Filmes
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Por — Rio de Janeiro

Entre 1970 e 2020, nada menos do que 252 longas-metragens brasileiros superaram a marca de um milhão de espectadores nas salas de cinema, segundo dados da Ancine, por meio do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual. Trocando em miúdos, significa que, ao longo de cinco décadas, em média cinco produções por ano alcançaram público relevante. Entre março de 2020 e outubro de 2023, no entanto, este enredo mudou: o número de filmes nacionais a atingir esta marca de espectadores é zero. O infantil “Turma da Mônica: lições” (2021) e a comédia “Tô ryca 2” (2022) são os maiores sucessos do período mais recente, com público pouco superior a 500 mil, número muito distante dos 11,6 milhões de pessoas que assistiram a “Minha mãe é uma peça 3” entre o final de 2019 e o início de 2020.

Da pandemia ao final da cota de tela, passando pela ascensão do streaming, muitos fatores podem contribuir para este cenário. Fato é que o cinema nacional está em momento de transição, com muitos obstáculos a superar, dizem profissionais e estudiosos do setor. Estes mesmos especialistas também indicam caminhos para um final mais auspicioso, como a renovação da cota de tela, a consolidação das leis de incentivo, o barateamento no valor dos ingressos e a regulação de streaming, entre outras ações.

— A terra foi ceifada, salgada e todas as suas possibilidades, cortadas. Estamos passando por um período de morte no cinema brasileiro, fomos levados para a guilhotina. Tivemos a pandemia, mas também a revolução digital, o crescimento do streaming e governos que não investiam em cultura — diz Daniel Filho, diretor de sete longas que levaram mais de um milhão de espectadores às salas, como “Se eu fosse você” (2006) e “Se eu fosse você 2” (2009), com público somado de 9,4 milhões.

Como fundador e ex-diretor artístico da Globo Filmes, que completou 25 anos, Daniel Filho acompanhou de perto a chamada retomada do cinema brasileiro, entre 1995 e 2002, sendo responsável ainda pela produção de obras populares e cultuadas como “O auto da compadecida” (2000) e “Cidade de Deus” (2002). A retomada foi necessária após a extinção da Embrafilme, produtora e distribuidora estatal, como uma das primeiras ações do governo de Fernando Collor de Mello, em março de 1990. O resultado foi catastrófico para o cinema, que caiu de uma média de produção de mais de cem filmes por ano nos anos 1980 para cerca de quatro ou cinco longas por ano entre 1991 e 1994. A situação começou a melhorar alavancada por ações como a aprovação da Lei Rouanet, de 1991, a fundação da RioFilme, em 1992, e a instituição da Lei do Audiovisual, em 1993. Anos depois, em um cenário mais estável, veio a Medida Provisória 2228-1, de 2001, que estabeleceu a criação da Ancine e do Conselho Superior do Cinema e determinou a vigência da cota de tela por 20 anos.

Diretor e produtor Daniel Filho — Foto: Mariana Vianna / Acervo Lereby
Diretor e produtor Daniel Filho — Foto: Mariana Vianna / Acervo Lereby

— A situação atual é bem pior do que a do governo Collor. Nós não estávamos tão assassinados como agora, porque não existia o digital e o streaming, a recuperação foi mais possível — diz Daniel Filho, que ainda acredita em uma segunda retomada. — Não é fácil. Ainda temos um caminho bem impedido pela frente, mas existe uma saída que passa não só pela cota de tela, mas pela regulamentação do streaming e melhoria das leis de incentivo à cultura.

A retomada pós-Collor tem como marco o lançamento, em 1995, de dois filmes: “Carlota Joaquina, princesa do Brazil”, de Carla Camurati, e “Terra estrangeira”, de Walter Salles e Daniela Thomas.

— O cinema brasileiro teve que sobreviver a uma pandemia e à irresponsabilidade com que um governo negacionista tratou dessa questão, e ao estrangulamento da cultura nesse mesmo período — diz Salles, que no momento trabalha em seu novo projeto, “Ainda estou aqui”. — Em contrapartida, filmes como o excelente “Retratos fantasmas”, de Kleber Mendonça Filho, e a força e pulsação dos longas que estão estreando este ano no Festival do Rio provam como o cinema brasileiro sabe se reinventar. Foi o que aconteceu após o desastre do desgoverno de Collor. Conhecemos esse cenário, infelizmente, mas soubemos como revertê-lo no passado.

O diretor de “Central do Brasil” (1998) reforça que países que “trataram com eficiência a pandemia”, como França, Alemanha, Austrália, Nova Zelândia e Coreia do Sul, já voltaram ao patamar de público de 2019, o que não é o caso do Brasil. Em 2022, 95 milhões de brasileiros foram aos cinemas, contra 172 milhões em 2019, segundo a Ancine.

Valor alto

Produtora de sucessos como a trilogia “De pernas pro ar” (2010, 2012 e 2019), Mariza Leão lembra que a crise no cinema não atinge apenas o filme nacional, mas também blockbusters, que, com algumas exceções, não voltaram aos números de faturamento da pré-pandemia. Para ela, o Brasil é um dos países — considerando os principais mercados do mundo — que vêm encontrando maior dificuldade em trazer o público de volta.

— Com relação ao filme brasileiro, estamos agora exibindo projetos que foram concebidos há quatro ou cinco anos. Ou seja, filmes pensados para um momento com um público diferente do que vai ao cinema após a pandemia e o estouro do streaming — defende Leão, que diz que o desafio está em pensar como atingir esse novo público. — Na última semana, tivemos uma promoção de ingressos em todo o país e a frequência nas salas cresceu. O valor de ingressos no Brasil é muito alto. Um casal que vai ao cinema e compra uma pipoca gasta mais de R$ 100 no programa. O que é uma loucura se compararmos com o salário mínimo no país.

Protagonista de “Meu nome é Gal”, cinebiografia de Gal Costa que chega aos cinemas amanhã, Sophie Charlotte também defende a necessidade de se repensar os valores dos ingressos.

Sophie Charlotte interpreta Gal Costa em "Meu nome é Gal" — Foto: Divulgação/Stella Carvalho
Sophie Charlotte interpreta Gal Costa em "Meu nome é Gal" — Foto: Divulgação/Stella Carvalho

— Precisamos de mais sessões populares e uma forma de levar o nosso cinema para a sociedade. É muito difícil convidar o povo para assistir a um filme, num lugar dentro de um shopping, que faz parte de um programa muito caro — diz a atriz. — O cinema é uma experiência que quanto mais coletiva melhor. É muito poderoso passar duas horas rindo e se emocionando ao lado de pessoas que você nunca viu. Precisamos que as pessoas voltem ao cinema para que elas se relembrem da potência dessa experiência.

Mariza Leão reforça a importância da renovação da cota de tela, mas também chama a responsabilidade para produtores e distribuidores, que precisam criar formas melhores de divulgar seus produtos.

O chamado market share do cinema nacional atingiu patamares nunca vistos antes em 2023, estando em apenas 1,4%, contra uma média pré-pandemia de 13% e momentos de alta que chegaram a 20%, como em 2003, ano com sete longas brasileiros com mais de um milhão de ingressos vendidos, com destaques como “Carandiru”, “Lisbela e o prisioneiro” e “Os normais”.

Apostas para 2024

Analista do mercado audiovisual e fundador do site Filme B, Paulo Sérgio Almeida concorda que o cenário é de dificuldade, mas olha com otimismo para o futuro, acreditando em uma nova safra de filmes populares. Na semana passada, ele pôde acompanhar apresentações de produtoras e distribuidoras na Expocine, evento da indústria cinematográfica realizado anualmente em São Paulo.

— O que melhor vi no evento foram os trailers e apresentações dos filmes brasileiros. Acho que o cinema nacional vai ser alavancado por dois filmes: “Evidências do amor”, com Fábio Porchat e Sandy (inspirado na canção “Evidências”), e “O auto da compadecida 2”. Acredito que estes dois filmes podem alcançar até três milhões de espectadores cada — afirma o especialista.

Almeida acredita que o chamado tripé do audiovisual, que inclui produção, distribuição e exibição, precisa se unir diante do filme nacional:

— Temos visto uma grande resistência por parte dos exibidores contra a cota de tela ou qualquer mecanismo que determine os limites de um filme em cartaz.

Ailton Graça em “Mussum, o filmis” — Foto: Divulgação
Ailton Graça em “Mussum, o filmis” — Foto: Divulgação

“Turma da Mônica Jovem: reflexos do medo”, “Nosso lar 2”, “Príncipe Lu e a lenda do dragão” (com Luccas Neto) e “Deus ainda é brasileiro” são outras apostas para as bilheterias no ano que vem. Antes disso, ainda em 2023, há os lançamentos de “Mussum, o filmis”, “O sequestro do voo 375” e “Minha irmã e eu”, com bom potencial de público, além do próprio “Meu nome é Gal”. Apesar das dificuldades, Sophie aposta no cinema nacional:

— Nosso cinema é tão plural. Estou louca para ver “Nosso sonho”, “Pérola” e “Mussum”. Temos muitos filmes que chegam com um gás para chamar as pessoas para as salas. Tomara que todo mundo se anime para retomarmos o público do cinema nacional.

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