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J.A. Bayona ainda lembra do impacto midiático da queda de um avião nos Andes, em 1972, do qual sobreviveram apenas 16 dos seus 45 ocupantes. Contada em livros como “Nascidos de novo, uma epopeia nos Andes” (1973), de Clay Blari Jr., e “Vivos: a história dos sobreviventes dos Andes” (1974), de Piers Paul Read, a tragédia com um grupo de atletas uruguaios se tornou rapidamente best-seller antes de ser transposta para o cinema em diferentes adaptações, uma delas, de duas décadas depois, no filme “Vivos” (1993), de Frank Marshall, estrelado por um então jovem Ethan Hawke. Aqueles que milagrosamente escaparam à colisão na cordilheira coberta de neve esperaram 72 dias por socorro, e tiveram que comer partes dos corpos dos companheiros mortos.

— Quando “Vivos” chegou aos cinemas, todo mundo conhecia o livro de Read de cor. Era muito popular na Espanha, todas as famílias tinham uma cópia, era quase como uma Bíblia. Lembro de vê-lo na casa dos meus pais quando eu era criança — recordou o diretor catalão de 48 anos em entrevista durante o Festival de Veneza, encerrado com “A sociedade da neve”, sua versão para o episódio que chocou o mundo há 50 anos. — Naquela época, era muito fácil de ver na TV entrevistas com os sobreviventes. Era uma história que todos conheciam, especialmente no contexto dos países de língua espanhola, daí a imensa popularidade na Espanha.

O novo filme do diretor de “Jurassic World — Reino ameaçado” (2018), que está previsto para chegar aos cinemas brasileiros na quinta-feira e ao streaming, na Netflix, em 8 de janeiro, é inspirado no romance de mesmo nome lançado em 2008 e escrito pelo jornalista Pablo Vierci, que conviveu com alguns dos sobreviventes dos Andes e suas famílias. Bayona se preparava para rodar “O impossível” (2012), inspirado na experiência de uma família que enfrentou a tsunami que atingiu a Tailândia em 2004, quando foi apresentado ao livro de Vierci. O diretor encontrou na obra do uruguaio elementos que o ajudaram a entender o trauma que estava prestes a rodar e também inspiração para o novo projeto.

— Havia algo em comum entre a tragédia na Ásia e a dos Andes, a experiência física e emocional de uma tragédia de grande magnitude. Eu me interessei pelo livro de Vierci porque estava para contar uma história de sobrevivência, e me dei conta de que aquela história que pensava conhecer muito bem, a dos atletas uruguaios, na verdade eu não conhecia direito. Havia um alcance emocional em “A sociedade da neve” que eu não havia encontrado no livro de 1974, nem nos filmes que ele inspirou.

A seguir, o diretor fala sobre a convivência com os sobreviventes, destaca a experiência impactante com os familiares dos mortos e diz que ouve questionamentos sobre inteligência artificial desde “Jurassic World”, mas que não teme a IA — e, sim, o que as pessoas podem fazer com ela.

'A sociedade da neve':  J.A. Bayona, na foto com o ator Enzo Vogrincic, destaca que as famílias dos mortos “entenderam o que os sobreviventes tiveram que fazer naquelas circunstâncias” — Foto: Divulgação
'A sociedade da neve': J.A. Bayona, na foto com o ator Enzo Vogrincic, destaca que as famílias dos mortos “entenderam o que os sobreviventes tiveram que fazer naquelas circunstâncias” — Foto: Divulgação

Mais sobre a história

“Eu conhecia os fatos relacionados à tragédia, os feitos dos sobreviventes, por causa da popularidade do livro de Read e dos filmes inspirados a partir dele. Mas não tinha consciência da transcendência do episódio. Creio que, por ter sido escrito quase 40 anos depois do ocorrido, e por alguém muito próximo aos sobreviventes, a versão de Vierci é mais uma reflexão sobre o significado do que aquelas pessoas vivenciaram na época do que uma mera descrição do ocorrido.”

Familiares das vítimas

“Este filme conta a história de todos que estavam naquele avião, não somente dos que conseguiram voltar para casa, mas também dos que ficaram para trás. Quando o público vivencia essa experiência de forma tão sensorial e tão visceral quanto à mostrada no filme, é capaz de entender que o papel de todos eles foi fundamental. Na semana anterior à estreia do filme em Veneza, fizemos uma sessão para as famílias dos sobreviventes e dos mortos na tragédia. Foi muito impactante ver como, 50 anos depois do fato, eles entenderam o comportamento dos sobreviventes. Graças ao filme, refizeram aquela jornada junto com os personagens, e entenderam o quão importante e difícil foi aquela experiência e, de alguma forma, entenderam o que os sobreviventes tiveram que fazer naquelas circunstâncias.”

Os vivos e os mortos

“O livro de Vierci é contado em capítulos, cada um fala de um sobrevivente. Em todos eles os mortos também são muito presentes. Os sobreviventes falam com os mortos em seus depoimentos. Pensei que o denominador comum dos 16 sobreviventes era o personagem de número 17, que não estava na história. Creio que de alguma forma isso contribui para um equilíbrio, uma sensação de paz. Roberto Canessa (interpretado por Matías Recalt no filme), por exemplo, diz no livro algo como ‘aceite em paz que vivamos a vida dos que se foram em seu lugar’. Ao contarmos essa história a partir desse ponto de vista lhe damos um significado muito diferente, que contribui para esse equilíbrio, porque o papel dos que voltaram foi tão importante quanto daqueles que morreram.”

Set a 3.500m de altura

“Creio que meu maior desafio foi contar uma história com tantos personagens, mas sem um protagonista. Não queria um protagonista, alguém que se destacasse na trama. Numa (Enzo Vogrincic) é o narrador, mas não o protagonista. Meu objetivo era um só: construir um relato geral e combiná-lo com o relato particular, e a narrativa épica com a íntima. Para mim, dificuldade logística de produção é matemática, é técnica. Fizemos o filme em condições duras, em uma estação de esqui na Espanha a três mil e quinhentos metros de altura, com o tempo mudando sempre. Mas a gente vai se adaptando. O mais difícil para mim era encontrar o tom da história.”

Filmar no local da queda

“Fomos lá três vezes. A primeira viagem serviu para entendermos a história porque, quando estamos realmente lá, nos damos conta da dimensão épica do drama que aquelas pessoas viveram. Depois voltamos para filmar algumas externas com os atores. Mas foram poucas, porque aquela região é de difícil acesso e muito perigosa. No verão, ela é muito visitada, é quase um santuário. Mas filmamos no inverno e, para isso, nós tivemos que ir acompanhados por uma equipe de especialistas.”

Imagens reais, não CGI

“Não usamos o recurso da tela verde, sobre o qual são aplicadas imagens geradas por computador (CGI, na sigla em inglês). Na verdade, não precisamos dele, porque os fundos das cenas eram sempre branco, fácil de substituir. Como a maior parte do filme foi rodada na estação de esqui espanhola durante o inverno, os fundos de cena foram substituídos, sim, mas pelas imagens reais que fizemos em locações nos Andes, e não por imagens em CGI.”

Perto dos sobreviventes

“O bom de uma história como ‘A sociedade da neve’ ou ‘O impossível’, que também partiu de personagens reais, é ter acesso às pessoas que viveram em primeira mão os acontecimentos. Eles fizeram parte da equipe em ambas as produções. Alguns dos sobreviventes dos Andes nos visitavam constantemente. Quando tínhamos dúvidas, os consultávamos. Temos mais de cem horas de entrevistas gravadas com eles, antes de escrever o roteiro. Depois, os atores conviveram com eles algum tempo. Alguns até chegaram a viver nas casas deles. Eles sempre estiveram acessíveis durante as filmagens.”

Inteligência Artificial

“Não temo a IA, mas, sim, o que podemos fazer com ela. Não me preocupo exatamente com a tecnologia, mas com o uso que damos a ela.”

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