Filmes
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Por — Rio de Janeiro

Até pouco tempo atrás, o cinema brasileiro encontrava na internet um território hostil. Fora da bolha cinéfila, muitas pessoas pareciam insistir em uma visão preconceituosa sobre os filmes nacionais, com críticas superficiais sobre a qualidade das produções feitas no país. Apenas algumas unanimidades — “O auto da compadecida”, “Central do Brasil”, “Cidade de Deus” — eram citados como exemplos positivos. Mas a situação parece estar mudando de figura graças a um movimento que acontece nas redes sociais, especialmente no TikTok: os edits — apelido para “edições”.

Trata-se do compilado de imagens de uma produção audiovisual nacional, em cortes de poucos segundos, com transições rápidas e muitas vezes acompanhado de uma trilha sonora bem pop ou falas dos próprios filmes.

O conteúdo tem sido vastamente explorado nas redes sociais e gerado uma descoberta do cinema brasileiro por um novo público, especialmente a Geração Z, nascida entre 1997 e 2010. No TikTok, as hashtags #cinemabrasileiro e #cinemanacional contemplam mais de 20 mil publicações e milhões de visualizações.

— Muitas vezes aparecem na minha "for you" (área de vídeos recomendados do TikTok) edits com cenas de filmes que me deixam com vontade de ver. Teve um com cenas de vários filmes brasileiros e que mostrava "Que horas ela volta?". Eu assisti e achei bem interessante — conta Helena Alves Pereira, estudante de 17 anos. — O mesmo vídeo mostrava cenas de “Tropa de elite” e também peguei para ver com minha mãe e meu irmão. Nunca tinha visto e achei muito legal.

Além de conquistar novos interessados na cinematografia nacional, os edits vêm chamando atenção de pessoas envolvidas no meio. Recentemente, a atriz Fernanda Torres compartilhou uma montagem de cenas suas em “Eu sei que vou te amar” (1986), de Arnaldo Jabor, realizada originalmente pelo perfil @scfimoon no TikTok, no Instagram e no X (antigo Twitter).

— (Um edit de) “A marvada Carne” (1985) circulou outro dia, acho que fica como curiosidade na linha infinita. É uma sobrevida, mas não sei se chegam a assistir aos filmes — conta Fernanda ao analisar a situação.

Se a atriz, filha de Fernanda Montenegro, tem suas dúvidas do impacto dos cortes na procura pelas obras originais, o mesmo não se aplica ao diretor Daniel Rezende, que se impressionou quando um edit de “Bingo: O rei das manhãs”, postado nos últimos dias de dezembro, teve mais de 15 milhões de visualizações apenas no X.

— Não tenho TikTok e uso muito pouco o Twitter, mas depois que esse edit de "Bingo" viralizou eu fui bombardeado de mensagens. E fiquei impressionado com a repercussão não só no Twitter, mas principalmente no Letterboxd (rede social para cinéfilos em que a pessoa registra os filmes que assistiu), que acaba sendo um melhor termômetro. A quantidade de comentários que tinha na rede, do lançamento do filme até hoje, dobrou nas últimas semanas — destaca o diretor.

Daniel lembra que “Bingo” estreou nos cinemas em 2017, quando foi visto por 261 mil pessoas, e que ficou por cinco anos num limbo até chegar no streaming, hoje disponível na HBO Max.

— É um fenômeno interessante. Porque as pessoas me parecem cada vez menos focadas, dando preferência a vídeos cada vez menores no TikTok. Mas como toda cultura tem uma contracultura, esses vídeos de poucos segundos conseguem levar as pessoas a assistirem a um filme. Provavelmente, mais pessoas assistiram a “Bingo” nas últimas duas semanas do que em toda carreira no cinema e no streaming — reforça o cineasta indicado ao Oscar de melhor montagem por “Cidade de Deus”.

Provavelmente, mais pessoas assistiram a 'Bingo' nas últimas duas semanas do que em toda carreira no cinema e no streaming
— Daniel Rezende, diretor

O que tem valido para filmes, também vale para novelas, séries e minisséries. Segundo dados do Globoplay, o consumo diário de “Hilda furacão”, disponível na plataforma desde 2021, cresceu 150% em dezembro passado, quando vídeos da minissérie começaram a viralizar nas redes. Outras produções que viram seus números de procura crescerem em 2023, em comparação com o ano anterior, foram “A grande família” (uma variação de 115%) e “Tapas & beijos” (34%), duas queridinhas da internet, cujas cenas muito frequentemente aparecem em cortes no TikTok e no X.

De acordo com pesquisa encomendada pelo TikTok, em 2023, 40% dos usuários descobriram um novo filme ou série que não conheciam antes através da rede e 58% disseram já ter pesquisado sobre um filme ou série depois de ter visto um conteúdo no TikTok. Números parecidos surgiram em outra pesquisa sobre consumo de filmes, encomendada pelo Telecine, que aponta que 54% das pessoas entre 18 e 24 anos leva em consideração os edits nas redes sociais na escolha de um filme.

O editor e animador Lu, de 19 anos, é o responsável pelo perfil @scfimoon, que acumula 75 mil seguidores nas redes sociais e que compartilhou o vídeo de “Bingo” originalmente. Ele conta que começou a editar vídeos de filmes em 2018. No início, ele dava preferência para obras internacionais. Com o tempo, foi descobrindo filmes nacionais e decidiu compartilhar com os seguidores suas descobertas. O jovem destaca que recebe diariamente muitos comentários de pessoas dizendo que procuraram os filmes por causa de seus edits.

— O que eu espero de atingir essas pessoas é virar uma chavinha na mente e mostrar que o nosso cinema é incrível, e tem muita, muita coisa boa — diz Lu.

Sucesso no X, onde tem 111 mil seguidores, o perfil “cinema brasileiro out of context” (cinema brasileiro fora de contexto, na tradução literal) obteve destaque compartilhando cenas de filmes nacionais dos anos 1970 e 1980, especialmente Boca do Lixo e pornochanchadas. O responsável pela página, de 24 anos, e que prefere não ser identificado, conta que iniciou o perfil para dar vazão ao material que havia pesquisado para seu TCC, sobre a Boca do Lixo, e pela vontade de apresentar os filmes do período para um público fora da bolha cinéfila.

— O cinema brasileiro era meio arcaico em termos de comunicação. As páginas de cinema tinham muitas listas de melhores filmes, mas não tinham esse ar mais moderno e veloz que encontramos no TikTok e no Twitter — fala o jovem.

Principal exibidor do cinema nacional, o Canal Brasil, ao notar o melhor desempenho de edits nas redes, passou a investir em conteúdos do tipo para promover sua programação, variando entre cortes e cenas completas para chamar o público.

— Desde 2021, quando o formato de vídeo vertical começou a ter mais alcance, adaptamos os trechos dos filmes e linguagem para as postagens e percebemos nossos perfis crescendo em consumo e audiência. Notamos que cada vez mais o público jovem vem se interessando pelo cinema brasileiro — conta Erick Ligneul, coordenador de conteúdo digital do Canal Brasil. — A linguagem mais pop é uma boa porta de entrada pra essa nova geração começar a explorar mais nossas produções.

De uma forma ou de outra, o cinema brasileiro parece mais popular (e pop) do que nunca com a Geração Z, o que causa repercussão também fora das telinhas de canais por assinatura e plataformas de streaming. Hernani Heffner, gerente da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio, vem se impressionando com a renovação do público que frequenta a sala de cinema do MAM.

— Temos uma geração que já nasceu no século XXI, não viveu o século XX, então aliado a uma cultura da nostalgia e um mercado do passado, vemos um fenômeno que é querer mostrar que outras coisas existem. E quando esse passado é algo surpreendente, que não circula normalmente, acaba despertando ainda mais a atenção e gerando ainda mais impacto, o que pode se transformar em um fenômeno cultural — destaca Hernani. — Quando reabrimos a Cinemateca após a pandemia, eu esperava uma nostalgia das gerações mais velhas, mas foi uma grande surpresa encontrar ali jovens de 15 a 25 anos, e que continuam até hoje. O que estamos vendo com as novas gerações é que existe a voracidade pela informação, que vemos no TikTok, mas também o interesse pela experiência, como vemos na Cinemateca e na procura por filmes brasileiros.

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