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Petra Costa: 'Convidei políticos à autocrítica. Poucos fizeram'

Em Los Angeles, diretora de ‘Democracia em vertigem’ responde críticas ao documentário e fala da expectativa para a noite do Oscar
Seguindo uma tendência, Petra Costa, diretora do documentário “Democracia em vertigem”, mistura partes de sua vida privada com sua visão da história recente Foto: Diego Bresani / Divulgação
Seguindo uma tendência, Petra Costa, diretora do documentário “Democracia em vertigem”, mistura partes de sua vida privada com sua visão da história recente Foto: Diego Bresani / Divulgação

RIO — As últimas semanas de Petra Costa foram intensas e de sentimentos contrastantes. Em plena maratona de eventos para promover “Democracia em vertigem”, seu documentário que concorre ao Oscar da categoria , a diretora mineira de 36 anos viu também o peso das críticas ao filme aumentar.

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Maior exemplo disso foi o ataque que sofreu do perfil oficial da Secretaria de Comunicação da Presidência no Twitter , que a chamou de “militante anti-Brasil” na segunda-feira, em ação que ela considerou “anticonstitucional”.

Nesta entrevista, concedida por telefone do hotel onde está hospedada em Beverly Hills, a diretora conta como está a expectativa para a cerimônia e rebate críticas. Diz que, apesar de narrar o impeachment de Dilma Rousseff a partir de uma experiência íntima engajada, apontou também no filme erros dos governos do PT. Considera desrespeitosa a afirmação de que romantizou a militância dos pais contra a ditadura. E adianta: seu próximo projeto novamente estará “entre o pessoal e o político”.

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Você está nervosa?

Dia sim, dia não fico nervosa. Hoje estou mais tranquila, mas a sensação é de estar em uma montanha russa em queda livre.

Está otimista?

Sinto que já ganhei, essa nomeação é uma grande vitória. Se concorrer com o único filme latino-americano é motivo de tristeza, também é de alegria por representar a América Latina.

Pode falar da campanha ao Oscar? Como Spike Lee e Wim Wenders viraram embaixadores do filme?

O Caetano [Veloso] e a Paula [Lavigne] mandaram o filme para o Wim Wenders e Spike Lee. Teve o boca a boca. Beau Willimon, escritor de “House of cards”, disse a série foi superada pela realidade, e que “Democracia” era uma prova disso.

Há quem diga que você já venceu ao levar sua narrativa do impeachment ao exterior...

Para mim, a indicação é uma vitória não por uma ou outra narrativa, mas por trazer uma reflexão sobre a ascensão global da direita. O que tive a sorte de documentar, a manipulação da Constituição, o uso das redes sociais, entre outros, foi o que aconteceu nos EUA, Inglaterra, Ucrânia. O filme toca as pessoas por isso.

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Como encarou o tuíte da Secom, que chamou você de “militante anti-Brasil”?

Achei assustador que eles tenham tomado uma atitude anticonstitucional, que fere o artigo 37, a liberdade de expressão. Anti-Brasil... Quinta-feira Bolsonaro tentou passar uma lei para legalizar garimpos em terra indígena, está clara a aceleração do desmatamento na Amazônia e o corte de verbas em agências como a Funai.

Muitas pessoas, de direita ou não, acham que seu filme conta uma versão parcial, até pessoal, do impeachment. Que acha?

É totalmente pessoal a narrativa. Começo com a frase “eu a democracia brasileira temos quase a mesma idade”. Meu interesse era explorar a relação de um indivíduo com a democracia e o luto democrático que sentia por causa da minha trajetória e da trajetória dos meus pais.

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Disseram também que você romantizou o papel de seus pais na militância. Que eles não eram clandestinos, que seu paradeiro era sabido...

Essa crítica é totalmente infundada e desrespeitosa. Acho até que esbarra no machismo. Falo cinco minutos sobre meus pais, tinha que dar conta de 60 anos de história política do Brasil. Se estivesse fazendo uma série, contemplaria toda a vida deles, pois tenho orgulho de cada passo deles. Não dava para entrar no detalhe de que meus avós os viam uma vez por ano. Estou escrevendo algo mais longo que vai dar conta disso.

As críticas afetam? Como lidou com o que Pedro Bial falou?

Primeiro foi um baque. Mas a quantidade de abraços que tenho recebido fez superar. Fiquei feliz de ver a irmandade com que fui acolhida nos últimos dias, recebi muito apoio também.

Muitos criticaram a manipulação de uma foto histórica no filme. Você tirou armas que apareciam ao lado dos corpos de dirigentes do Partido Comunista. Não seria o caso de informar que, segundo depoimentos, as armas foram plantadas?

Já respondi a esta pergunta. [Ao GLOBO, em 13/01, ela falou: “Testemunhas à Comissão da Verdade revelaram que essas armas foram plantadas para a foto. (...) Eu tentei ser fiel a essa verdade histórica.]

A corrupção na Petrobras durante governos do PT contribuiu muito para o contexto político que levou ao impeachment. Por que o filme não destaca este tema?

Falo sobre a corrupção do PT no filme. Cito o mensalão, a corrupção na Petrobras e como esses esquemas transcendem governos. A cena do Palácio do Planalto, em que falo sobre a questão estrutural, tem o Gilberto Carvalho fazendo uma autocrítica. Convidei todos os personagens a fazerem autocrítica no filme, infelizmente, poucos fizeram. Acho que não é costume de nenhum político brasileiro fazer autocrítica.

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Alguns apontam contradição entre sua postura política e uma participação no Oscar. O que acha do prêmio?

Acho que o prêmio está se transformando rapidamente. A Academia está fazendo um grande esforço para ter mais mulheres, latinos. Todos diziam que este ano teria apenas um documentário de fora dos EUA. Temos quatro. É a prova de que está mais inclusivo.

Se ganhar, o que fará após a cerimônia? E se perder?

O que me disseram é que quem ganha vai para festa da revista “Vanity Fair”. Se perder, ainda estamos nos programando.

Quem será sua companhia na cerimônia?

Vou com a equipe do filme. Na plateia do teatro ficam os produtores e eu. Lá em cima, os montadores e roteiristas.

Quais seus novos projetos?

Vou continuar nessa investigação entre o o pessoal e o político, falar de como o pessoal encontra o político.