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Petra Costa responde ao governo, que a chamou de 'anti-Brasil' no Twitter: 'Inconstitucional'

Diretora de 'Democracia em vertigem' participou do jantar do Oscar para os concorrentes a melhor documentário
O americano Shane Boris, a produtora britância Joanna Natasegara, a diretora Petra Costa o produtor Tiago Pavan, indicados ao Oscar de documentário Foto: VALERIE MACON / AFP
O americano Shane Boris, a produtora britância Joanna Natasegara, a diretora Petra Costa o produtor Tiago Pavan, indicados ao Oscar de documentário Foto: VALERIE MACON / AFP

LOS ANGELES — A diretora Petra Costa, que concorre ao Oscar de melhor documentário, comparou a práticas do regime nazista as críticas feitas pelo governo brasileiro ao seu filme, “Democracia em vertigem” . Ela participou de um evento com os outros indicados da categoria na sede da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em Los Angeles, na noite de terça-feira.

Na segunda-feira, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência (Secom) publicou no Twitter mensagens em que chama a cineasta de "militante anti-Brasil" e classifica de “fake news” a entrevista que ela deu a uma emissora americana.

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— É inconstitucional fazer isso para falar contra uma cidadã e contra um filme —  disse Costa ao GLOBO. — Foi muito revelador descobrir que o termo ‘fake news’, ou imprensa mentirosa, foi primeiro usado na Alemanha para atacar jornalistas que se posicionavam contra o governo. Depois que o secretário de Cultura citou Goebbels ( ministro nazista ), tudo ficou ainda mais revelador.

Os indicados a melhor documentário do Oscar 2020: Petra Costa está de calça verde Foto: MARIO ANZUONI / REUTERS
Os indicados a melhor documentário do Oscar 2020: Petra Costa está de calça verde Foto: MARIO ANZUONI / REUTERS

O evento aconteceu no cinema da sede da Academia, em Beverly Hills, no mesmo espaço onde é transmitida a cerimônia de anúncio dos indicados do Oscar. Todo ano, uma semana antes da entrega do prêmio, a Academia organiza o Oscar Week, quando o público é convidado a conhecer de perto os indicados. Os ingressos custavam US$ 5 (R$ 21) e estavam esgotados.

“Democracia em vertigem” dividiu opiniões no Brasil ao mostrar a visão pessoal da diretora sobre o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. O filme foi criticado por manipular uma foto, retirando armas da cena do assassinato de dois militantes na ditadura. A diretora argumentou que fez a mudança porque as armas teriam sido plantadas no local.

Ao apresentar o filme no evento, Costa contou, em inglês, que Bolsonaro era conhecido como “Trump dos trópicos” e causou um leve burburinho na plateia. Alguém do público gritou de longe: “I am so sorry!” ("sinto muito mesmo!").

A diretora também falou publicamente sobre críticas que recebeu do governo.

— Ontem ( segunda ) acordei preocupada porque éramos ‘trending topics’ do Twitter. E não por uma boa razão — começou. — O presidente decidiu nos atacar e dizer que nosso filme é uma farsa e que eu estava espalhando "fake news" porque disse que seu governo era responsável pelo desflorestamento da Amazônia e pelo genocídio de brasileiros negros.

Costa explicou rapidamente o processo de impeachment de Dilma Rousseff, narrado em detalhes e de maneira pessoal no documentário que dividiu opiniões no Brasil. E comentou sobre o presidente americano Donald Trump, prestes a ser absolvido de um processo de impeachment.

— Sinto muito por vocês terem vivido um processo de impeachment semelhante, mas meio que ao contrário — disse.

Os concorrentes do Brasil

“Democracia em Vertigem” tem uma concorrência difícil pela frente. Entre seus rivais pela estatueta dourada estão dois documentários que seguem de perto as tragédias da guerra civil da Síria, que entra em seu nono ano em 2020.

Curiosamente, tanto “For Sama” como “The cave” têm mulheres como protagonistas e exploram as dificuldades dos hospitais no país, frequentemente bombardeados pelas forças do regime ditatorial de Bashar al-Assad e forças aliadas russas.

— Estou aqui nos EUA hoje para ser a voz dos sírios, das mulheres e das crianças sírias que não têm voz e estão sendo massacrados faz nove anos — disse a médica pediatra Amani Ballour, estrela de “The cave”.

Outro concorrente forte da categoria é “Honeyland”, primeiro trabalho na história do Oscar a ser indicado ao mesmo tempo nas categorias melhor documentário e filme internacional. A história segue a vida de uma apicultora que usa técnicas ancestrais para cuidar de suas abelhas numa região abandonada do interior da Macedônia.

O favorito dos críticos é “Indústria americana”, disponível na Netflix. É o primeiro trabalho realizado pela produtora de Michelle e Barack Obama. A dupla de diretores, Steven Bognar e Julia Reichert, filma a chegada de uma fábrica de vidros automotivos a uma cidadezinha dos EUA. O dono é chinês e parte dos operários também. E eles precisam aprender a trabalhar com os 2 mil operários americanos, num verdadeiro choque de culturas.

— O maior desafio do filme e o ponto mais crucial foi a língua. Ninguém falava mandarim na nossa equipe e havia 300 operários chineses na fábrica — contou o produtor Jeff Reichert, explicando que eventualmente foram contratados tradutores que eram também jovens cineastas chineses. — Um novo mundo explodiu na nossa frente e começamos a fazer um filme muito diferente.