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'O Esquadrão Suicida':'Quem foi cancelado e continua cancelado, a maioria mereceu', diz James Gunn

Diretor fala sobre o seu 'cancelamento' (e arrependimento) após a descoberta de piadas de mau gosto feitas no Twitter, diz que o Coringa não tem espaço no 'Esquadrão Suicida' e comenta liberdade que teve para recriar franquia do zero
James Gunn diretor de 'O Esquadrão Suicida' Foto: ALANA PATERSON / NYT
James Gunn diretor de 'O Esquadrão Suicida' Foto: ALANA PATERSON / NYT

Um dia, em julho de 2018, James Gunn descobriu que era tendência no Twitter e não por um bom motivo. Ocineasta por trás do sucesso “Guardiões da Galáxia”, da Marvel, havia tuitado muitas piadas grosseiras sobre o Holocausto, os ataques de 11 de setembro, AIDS, pedofilia e estupro. O s posts acabaram ressurgindo e gerando ondas de críticas . Gunn perdeu o cargo de diretor no terceiro “Guardiões” e acreditava que sua carreira havia chegado ao fim. Mas logo ele se desculpou publicamente e suas estrelas de “Guardiões ”, incluindo Chris Pratt e Zoe Saldana, se uniram em sua defesa em uma carta aberta. Em março de 2019, Gunn foi recontratado pela Marvel. ( Crítica de 'O Esquadrão Suicida' : 'Ousado como nenhum outro filme de super-herói foi' )

O cineasta passou os meses após sua demissão refletindo sobre si mesmo enquanto trabalhava em uma oportunidade inesperada: dirigir "O Esquadrão Suicida", filme da Warner Bros baseado nos personagens da DC Comics. Ele escreveu e dirigiu o filme, que estreia nesta quinta-feira, narrando a história de uma equipe de criminosos, entre eles o Sanguinário (Idris Elba) e a Arlequina (Margot Robbie), selecionados pela implacável Amanda Waller (Viola Davis) para completar uma missão aparentemente impossível.

“O Esquadrão Suicida” é uma sequência do filme de mesmo nome, de 2016, escrito e dirigido por David Ayer, que, apesar de ter sido um sucesso comercial, não foi bem recebido pela crítica. A abordagem de Gunn preserva a violência enquanto traz personagens absurdos como o Homem das Bolinhas (David Dastmalchian), o híbrido peixe-humano Tubarão-Rei (dublado por Sylvester Stallone) e uma estrela-do-mar alienígena malévola chamada Starro. Como Gunn explica: “há uma espécie de realismo mágico neste filme. Sim, é estranho ver um tubarão caminhando. Mas não é tão estranho quanto seria em nosso universo”.

O cineasta concedeu uma entrevista por vídeo no final de junho. Ele está em Vancouver, no Canadá, trabalhando em "Pacificador", um spinoff para TV de "O Esquadrão Suicida”, estrelando o personagem de mesmo nome, interpretado por John Cena.

Aos 54 anos, ele deixou seu cabelo espetado ficar branco e, para acompanhar, cultivou uma barba bem cuidada, o que lhe dá mais uma aparência de cientista maluco. Mas permanece castigado por seu breve exílio da Marvel. Na entrevista, Gunn discute sua demissão e recontratação pela Marvel, a realização de “O Esquadrão Suicida” para a DC e sua perspectiva sobre as duas franquias de super-heróis. Confira trechos da conversa.

Como você soube que havia sido demitido da Marvel?

Foi transmitido a mim por Kevin Feige (o presidente da Marvel Studios). Liguei para Kevin na manhã em que estava acontecendo e disse: "isso é importante?". E ele disse: "eu não sei". Esse foi um momento. Eu fiquei: "você não sabe?". Eu estava surpreso. Mais tarde, ele me ligou - ele próprio estava em choque - e me disse o que as autoridades/the powers that be haviam decidido. Foi inacreditável. E, por um dia, parecia que tudo estava arruinado. Tudo havia se acabado. Eu teria que vender minha casa. Eu nunca mais seria capaz de trabalhar. Isso é o que parecia.

Essa experiência o deixou mais cuidadoso com o que diz, seja nas redes sociais ou em geral?

Sim e não. Eu tenho mais consideração pelos sentimentos das pessoas hoje. Eu tinha falado muito sobre isso antes daqueles tuítes (ressurgirem). São coisas horríveis, esse era o meu senso de humor na época. Mas, antes disso tudo acontecer, eu percebi que me fechava para coisas que considerava sentimentais porque não queria parecer vulnerável. Essa atitude de “eu posso fazer piada sobre qualquer coisa, veja como eu sou ótimo” simplesmente não me representa. E eu aprendi isso muito antes de ser criticado pelos tweets.

O termo não era tão comum na época, mas você acha que foi vítima do que as pessoas agora chamam de " cultura do cancelamento "?

Eu entendo a preocupação das pessoas com esse termo, mas é um problema muito maior do que isso. Porque a cultura do cancelamento também envolve gente como Harvey Weinstein, que deveria ser cancelado mesmo. Quem foi  cancelado e continua cancelado, a maioria mereceu. Os paparazzi não são apenas as pessoas nas ruas, são aqueles que vasculham o Twitter em busca de pecados passados. Tudo isso é uma porcaria. É doloroso. Mas em parte tem a ver com responsabilidade. E isso é bom. É apenas uma questão de encontrar esse equilíbrio.

Quando você vê outra pessoa sendo punida por coisas que postou na Internet, você se solidariza?

Mesmo quando a pessoa fez algo terrível, ainda sinto simpatia por ela. Porque sou uma pessoa compassiva e isso faz parte da minha fé. Às vezes, as coisas são tiradas do contexto. E, às vezes, alguém fez algo quando estava na faculdade e 20 anos depois, viveu uma vida ótima, é demais. E aí você lê, “ah, o que ele fez foi horrível”.

Quando você começou a perceber que sua situação não era tão terrível? O apoio público dos atores de “Guardiões” fez a diferença?

Cena do fklme 'Guardiões da Galáxia' Foto: Divulgação
Cena do fklme 'Guardiões da Galáxia' Foto: Divulgação

Você não entende a imensidão disso até estar no meio de tudo. Para um cara que acredita ter feito a maioria das coisas sozinho, sem muito apoio de ninguém, abrindo meu caminho dos filmes B para onde estou hoje, não esperava esse apoio. Como alguém com dificuldade em absorver o afeto ou o amor dos outros, ter todos ao meu redor — minha namorada, meus pais, minha família, meu empresário, meus agentes, todos os atores com quem trabalhei — tê-los ao meu lado e me apoiando, isso abriu meus olhos. Eu me senti muito realizado e amado de uma maneira que nunca havia sentido em toda a minha vida. E quando a Warner Bros. vem até mim na segunda-feira após o acontecimento e diz “nós queremos você, James Gunn”, pensei, “uau, é bom ouvir isso”.

Então, enquanto você estava no meio desse escândalo, a Warner Bros. veio e perguntou se você estaria interessado no Superman, o personagem principal da DC?

Eles fizeram essa proposta. Toby Emmerich (presidente do Warner Bros. Pictures Group) treina com meu empresário e todas as manhãs dizia: “James Gunn, Superman. James Gunn, Superman”.

Como você foi parar em “O Esquadrão Suicida”?

Eu disse que não podia me comprometer com nada naquele momento. Foi traumático. Tive que lidar comigo mesmo, que dar um passo para trás. Então, peguei os projetos em que poderia trabalhar e, durante um mês, todos os dias, trabalhei em um projeto diferente. Eu queria ter certeza que fosse escrever uma ótima história, que funcionasse e eu quisesse dirigir. “Esquadrão Suicida” foi o que ganhou vida imediatamente.

Você era fã de quadrinhos?

Eu adorava a ideia do (autor) John Ostrander, de pegar esses vilões série Z e jogá-los em situações onde eles eram totalmente descartáveis e não sairiam vivos. Eu amava “Os Doze Condenados” quando era criança. É o mesmo conceito, misturado com uma história em quadrinhos da DC.

Quanto suas escolhas foram definidas pelo que você viu no filme “Esquadrão Suicida” anterior?

De forma alguma. Eu queria criar o que considero o Esquadrão Suicida, e me debruçar sobre o que havia feito David tornaria o filme uma sombra. Minha ideia era fazer algo completamente novo. Quando a Warner Bros. disse que queria que eu fizesse isso, assisti ao primeiro filme pela primeira vez, liguei para eles e perguntei o que precisava manter. Eles disseram “Nada. Olha, adoraríamos se Margot estivesse no filme, mas ela não precisa estar. Você pode criar todos os novos personagens ou pode manter todos os mesmos personagens”.

O filme anterior teve algumas grandes estrelas que não voltaram. Você pensou em trazer de volta Jared Leto como Coringa e Will Smith como Pistoleiro?

O Coringa , não. Eu não sei por que o Coringa estaria no Esquadrão Suicida. Ele não seria útil nesse tipo de situação de guerra. Sobre Will... eu realmente queria trabalhar com Idris. É um filme com muitos protagonistas. Saímos um pouco da Margot, e Daniela (Melchior, a Ratcatcher 2) é o coração da trama em vários momentos. Mas se há um protagonista, é Idris. E eu queria alguém que tivesse aquela impressão rude, do tipo “imperdoável”. Esse cara que foi reduzido de um supervilão que enfrentou o Super-Homem e agora está raspando chiclete do chão. Ele não quer fazer parte disso, mas aceitou que essa é a sua vida. E acredito que esse personagem é Idris Elba.

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Este será o terceiro filme, depois de “Esquadrão Suicida” e “Aves de Rapina”, a tentar encontrar um lugar para Arlequina no universo cinematográfico da DC. Como você vê o personagem?

Margot Robbie como Arlequina em 'Aves de rapina' Foto: Divulgação
Margot Robbie como Arlequina em 'Aves de rapina' Foto: Divulgação

Para mim, Arlequina é um ícone, ao lado de Batman, Superman, Mulher Maravilha, Capitão América, Homem-Aranha e Hulk. A maior parte da minha carreira tem sido desenvolver as personalidades cinematográficas de personagens que existiam nos quadrinhos, seja Star-Lord, Drax ou Groot, que eram todos muito diferentes no HQ. Arlequina foi incrivelmente escrita por Paul Dini desde o início. Ser capaz de capturar a essência dessa personagem - sua natureza caótica e doce -, dar a ela o devido valor como trapaceira e permitir que ela fosse aonde quisesse foi surpreendente até para mim como escritor.

Há uma certa dispensabilidade no seu conceito de “O Esquadrão Suicida” que vai contra o desejo de um estúdio por filmes de franquia repetíveis. Seu objetivo era fazer o filme de super-herói mais niilista da era moderna?

Não acho que seja niilista. Para mim, é sobre o nosso mundo em mudança e as pessoas que têm muita dificuldade em fazer conexões. Minha missão era apenas fazer o filme mais divertido que eu pudesse e não hesitar em nada. Eu sabia que tinha uma chance que poucos cineastas já tiveram, que é fazer um filme de grande orçamento, sem limites em termos de enredo, efeitos e cenários. Eu me senti na responsabilidade de arriscar.

E se, após um ano de pandemia, o público em massa não estiver pronto para um filme com tanta morte e destruição desenfreadas?

Na verdade, acho que a emoção e o humor ajudam a equilibrar os aspectos mais duros. Eu acho que é um filme perfeito neste momento. É apenas uma questão de onde estaremos com a Covid e de estarmos seguros. (“F9”) foi ótimo, então tenho esperança de que o público esteja ansioso por isso. Eu estava conversando com minha mãe de 80 anos nesta manhã. Ela quer vir ver. Eu disse “mãe, este filme tem muitos tubarões partindo as pessoas ao meio (voz suave)”. "Eu sei, eu não me importo, Jimmy". Ela vai adorar.

Parece estranho que os filmes da DC possam englobar filmes como “O Esquadrão Suicida”, de classificação restrita, e também filmes como “Shazam!”, que são mais voltados para a família?

Eu acho isso ótimo. Essa é uma das formas pelas quais a DC pode se diferenciar da Marvel. O que eu faço é muito diferente do que (o diretor do “Homem-Formiga”) Peyton Reed faz, é muito diferente do que o (diretor do “Homem de Ferro”) Jon Favreau fez, é diferente do Taika (Waititi, o diretor de “Thor: Ragnarok ”). Mas não tão diferente quanto "Shazam!" e “Esquadrão Suicida”. Acho que o grupo atual de pessoas da Warner Bros. está realmente interessado em construir um mundo e criar algo que seja único para os cineastas. Estamos em um momento estranho, então tudo pode acontecer.

Você é o primeiro diretor que fez filmes para a Marvel e DC -

( Tosse ) Joss Whedon . Sou o primeiro a receber crédito de direção nos filmes da Marvel e DC. ( Risos )

Você vê grandes diferenças em como a Marvel e a DC abordam suas franquias de filmes?

Sim, mas não tanto quanto as pessoas provavelmente pensam. Não há dúvida de que Kevin Feige está muito mais envolvido com a edição do que as pessoas na Warner Bros. Ele faz mais observações. Você não precisa considerá-las, e eu nem sempre as considero. Então, eu tive alguns problemas, como no primeiro corte de "Guardiões" 1. Foi a minha primeira vez fazendo algo tão gigantesco e há algum aprendizado sobre o que funciona e o que não funciona, removendo o excesso. A verdade é que, à medida que a Marvel avança e Kevin Feige começa a acumular a propriedade de metade de todos os filmes em geral, ele se espalha mais.

Você está livre para fazer mais filmes para a DC daqui para frente ou é exclusivo da Marvel?

Não tenho ideia do que vou fazer. Para mim, “Guardiões 3” é provavelmente o último. Eu não sei se faria isso de novo. Eu acho divertido a capacidade de fazer coisas diferentes no multiverso DC. Eles estão realmente começando a se parecer com seus quadrinhos. O Universo Marvel sempre foi um pouco mais coeso e a DC sempre teve mais grandes produções únicas. Eles tiveram o Retorno do Cavaleiro das Trevas. Eles tinham Watchmen. Eles tinham The Killing Joke. Eles tinham o Monstro do Pântano, de Alan Moore. O fato de eles terem feito “o Coringa”, que é um tipo de filme totalmente diferente, para mim é legal. Estou muito animado com o filme de Matt ("The Batman", de Matt Reeves). Eles estão trabalhando com alguns cineastas realmente bons. Os filmes serão um sucesso ou um fracasso - eu só não quero que eles fiquem entediantes.