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‘Stefan Zweig’ mostra exílio de autor austríaco no Brasil

Filme da alemã Maria Schrader está em cartaz nos cinemas
Josef Hader no papel de Stefan Zweig: o escritor acreditava na troca cultural, além de ser apaixonado pelo Brasil Foto: Divulgação
Josef Hader no papel de Stefan Zweig: o escritor acreditava na troca cultural, além de ser apaixonado pelo Brasil Foto: Divulgação

SÃO PAULO — Antes de ingerir uma dose fatal de tranquilizantes, em 22 de fevereiro de 1942, o escritor austríaco Stefan Zweig deixou uma declaração na qual agradecia ao Brasil por acolhê-lo tão bem. “Dia após dia, aprendi a amá-lo mais. Eu não gostaria de construir uma vida nova em nenhum outro lugar agora que o mundo que fala minha língua desapareceu para mim e que minha terra espiritual, a Europa, está se destruindo”, escreveu o autor. Dirigido pela atriz alemã Maria Schrader, “Stefan Zweig — Adeus, Europa”, em cartaz nos cinemas, narra os últimos anos de vida de Zweig (Josef Hader), passados entre Brasil, Argentina e Estados Unidos, ao lado de sua segunda mulher, Lotte (Aenne Schwarz). Uma das fontes de pesquisa da cineasta, que assina o roteiro em parceria com Jan Schomburg, foi “Morte no Paraíso — a Tragédia de Stefan Zweig”, do jornalista brasileiro Alberto Dines.

Leia a crítica e veja os horários do filme

— Eu queria muito fazer alguma coisa sobre exílio. Depois que li mais sobre Zweig, entendi que havia muitas questões envolvendo a saída dele de uma Europa dividida e extremamente radicalizada. Ele fugiu da guerra, mas vivia assombrado por ela. Com (o escritor) Thomas Mann, era considerado um dos mais importantes autores de língua alemã de sua época. E não podia publicar mais em seu idioma materno. Tudo isso era muito duro para ele — diz Maria, em entrevista ao GLOBO, por Skype, de sua casa em Berlim.

Dividido em seis partes, com um prólogo, um epílogo e quatro capítulos intermediários, “Stefan Zweig — Adeus, Europa” retrata episódios da vida do escritor entre 1936 e 1942, com especial atenção para o seu exílio sul-americano, entre Rio, Buenos Aires, Salvador e, seu destino final, Petrópolis. O filme mostra um momento que define o estado de espírito de Zweig nos primeiros anos longe de sua pátria, quando foi homenageado em um congresso de escritores na Argentina, mas se recusou a condenar publicamente a Alemanha e seu líder em ascensão, Adolf Hitler. “Não falaria publicamente contra um país, e não farei exceção”, diz ele a um jornalista.

“Ele era um pacifista radical e um defensor ferrenho de uma Europa unida, não acreditava em fronteiras”

Maria Schrader
Atriz e diretora

— Ele era um pacifista radical e um defensor ferrenho de uma Europa unida, que não acreditava na ideia de fronteiras. Defendia, talvez por gostar muito de viajar, que todas as pessoas deveriam ser cidadãs do mundo. Era um entusiasta do poder do intercâmbio cultural e da diversidade, numa época em que as discussões abertas já não eram mais possíveis e que tudo era preto ou branco. Há muitas coisas e temas combinados nesses últimos anos de vida que são importantíssimos — diz a diretora do filme.

As cenas brasileiras de “Stefan Zweig” foram filmadas em São Tomé e Príncipe, na África. No país, uma ex-colônia portuguesa, Maria encontrou cenário historicamente preservado e uma população muito parecida com a que precisava.

— É muito caro filmar no Brasil, não tínhamos orçamento para isso. Petrópolis está muito transformada, seria impossível reconstituir a época. Além do mais, em São Tomé estávamos no mesmo fuso horário da Alemanha, o que facilitou muito — explica ela.

O filme mostra o périplo de Zweig e Lotte antes de decidirem se instalar definitivamente no Brasil. Eles viajaram pelo Nordeste do país e tentaram viver nos Estados Unidos, mas acabaram voltando. Ele era fascinado não só pela beleza e pelo exotismo, mas pela ideia de um país marcado pela diversidade e pelo desenvolvimento social.

— Ainda que saibamos que isso não era verdade, aquilo parecia o paraíso para ele. Tudo parecia muito mais bonito. Ele ainda não tinha olhado a história da escravidão. Não tinha visto o contexto da época, com (Getúlio) Vargas no poder — diz Maria.

Em 1941, Zweig publicou “O mundo que eu vi”, uma espécie de testamento. O livro é rejeitado pelos críticos, em especial por Costa Rego, redator-chefe do “Correio da Manhã”, que escreveu vários textos desancando a obra.

— Com esse livro ele ficou marcado, tanto pelos imigrantes e as pessoas próximas deles, quanto pelos partidários da esquerda. Temos de lembrar que o Estado Novo estava no seu quarto ano, Vargas colaborava com o governo alemão. Mesmo assim, ele não desistiu do Brasil— diz a cineasta.

Maria, que é mais conhecida no circuito dos festivais e de cinema de autor como atriz, principalmente pelo filme “Aimée & Jaquar” (1999), diz que, se Zweig estivesse vivo hoje, talvez se surpreendesse com a realização de seu sonho de uma Europa unida. E com a perspectiva de que a região se tornou um ponto de chegada para refugiados, e não de partida. Como em sua época.

— Nossa geração teve a chance de viver o sonho de Zweig. Eu acho que ele diria para não desistirmos do sonho de manter a Europa unida — completa.