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Cultura

Flip 2020: Elizabeth Bishop será a autora homenageada na próxima edição do evento

É a primeira vez que a festa literária honra um escritor estrangeiro
Elizabeth Bishop em 1956, quando morava em Petrópolis; poeta americana passou 20 anos no Brasil Foto: Arquivo/Agência O Globo
Elizabeth Bishop em 1956, quando morava em Petrópolis; poeta americana passou 20 anos no Brasil Foto: Arquivo/Agência O Globo

SÃO PAULO – A escritora americana Elizabeth Bishop (1911-1979) será autora homenageada da próxima Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) , a ser realizada entre os dias 29 de julho e 2 de agosto de 2020. Antecipado pelo colunista Ancelmo Gois em outubro , o anúncio oficial ocorreu no início da noite desta segunda-feira (25) no Itaú Cultural, em São Paulo. Realizada desde 2003, a Flip nunca antes havia homenageado um autor estrangeiro.

— Bishop foi uma das maiores poetas do século XX e teve uma relação ambígua com o Brasil: muito crítica, mas também muito apaixonada — disse Fernanda Diamant, curadora da Flip.

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Nascida em Worcester, nos Estados Unidos, em 1911, Bishop passou 20 anos no Brasil. Entre de 1951 e 1971, morou no Rio, em Petrópolis e Ouro Preto. De 1951 a 1965, viveu com a arquiteta Lota de Macedo Soares (1910-1967), que, junto com o arquiteto Sérgio Bernardes, projetou a casa de vidro e alumínio onde as duas moraram em Petrópolis. O filme “Flores raras”, de Bruno Barreto, narra o romance das duas. Bishop e Lota são interpretadas, respectivamente, pela atriz australiana Miranda Otto e por Glória Pires.

Diamant afirmou que escalar um estrangeiro como homenageado da Flip pela primeira vez a deixou "tensa":

— Realmente é uma novidade, uma ousadia. Mas vou ficar muito feliz se conseguir mostrar a relação tão intensa de Bishop com o Brasil e que justifica tão bem a escolha dela como homenageada.

Críticas a Sylvia Plath

Uma dos principais nomes da poesia em língua inglesa do século XX, Bishop publicou apenas 101 poemas, repartidos em três livros, durante seus 68 anos de vida. Rigorosa, ela às vezes passava anos a lapidar um único verso. Avessa às confissões esparramadas de alguns poetas de sua geração, Bishop preferia versos cometidos e austeros, sem alusões explícitas à sua vida íntima. Em 1956, recebeu o Prêmio Pulitzer pela antologia poética “North & South”. Em 1970, venceu o National Book Award com “The Complete Poems”. Chegou a traduzir alguns contos de Clarice Lispector para o inglês e tentou traduzi-los na revista “The New Yorker”.

No Brasil, Bishop é publicada pela Companhia das Letras, que já editou sua poesia, sua prosa e suas cartas em traduções do poeta carioca Paulo Henriques Britto. As cartas revelam as opiniões controversas da poeta. Ela considerava a poeta americana Sylvia Plath “insípida” e “superficial” e se recusava a participar de antologias poéticas de mulheres. Mas gostava de Euclides da Cunha, homenageado pela Flip este ano. Dizia que o autor de “Os sertões” só ficava atrás de Machado de Assis.

Bishop chegou ao Brasil no início do governo democrático de Getúlio Vargas e voltou aos EUA durante os anos de chumbo. Um mês após o golpe militar de 31 de março de 1964, escreveu à crítica literária americano-britânica Anne Stevenson: “Nunca na minha vida, antes de vir para cá, sonhei por um minuto que algum dia eu gostaria de ver um exército tomar o poder”.

Lota, sua companheira, idealizou o projeto do Parque do Flamengo a convite do governador da Guanabara Carlos Lacerda. Um dos mais destacados quadros da UDN (União Democrática Nacional) e fundador do jornal “Tribuna da Imprensa”, Lacerda apoiou ardorosamente o golpe militar e, depois, passou a fazer oposição à ditadura e se aliou aos ex-presidentes Juscelino Kubistchek e João Goulart na “Frente Ampla” – o que Bishop reprovou. “Carlos traiu todo mundo de forma horrível – depois de todos os anos de luta contra a gangue do velho Vargas e a corrupção, de repente, por razões políticas, ele se passou para o lado deles (e dos comunistas) outra vez”, escreveu ao poeta americano Robert Lowell.

Em carta a uma tradutora italiana, Bishop resumiu, em sete linhas datilografadas, sua visão do Brasil: “Estou vivendo no Brasil há quase oito anos, a maior parte do tempo nas montanhas, perto de Petrópolis. Volto a Nova York quando posso, mas aqui é meu verdadeiro lar agora. Como você sabe, é um país estranho, uma mistura dos séculos XVIII e XIX com rápida industrialização, terrível pobreza, luxo, preto e branco, o avançado e o primitivo – ainda estou surpresa de me ver vivendo aqui, mas vou ficando”.

Bishop gostava do Rio. Escreveu que era o “o cenário mais lindo do mundo”, mas não desviava os olhos dos problemas da cidade. “O Rio está mais louco do que nunca. Falta água em partes da cidade e o gás anda escasso; em cada edifício só um elevador funciona e há filas intermináveis, quarteirões inteiros para pegar os ônibus miúdos, cromados e brilhantes ou os bondes velhos e abertos”, diz uma de suas cartas a Lowell, datada de abril de 1958.