Cultura

Flip 2020: 'Vamos colocar Bishop no 'divã'', diz curadora do evento

Mesmo após críticas, americana foi confirmada como autora homenageada do evento
Elizabeth Bishop em sua casa em Petrópolis Foto: Agência O Globo
Elizabeth Bishop em sua casa em Petrópolis Foto: Agência O Globo

RIO — Após quatro meses de indefinição, a escritora americana Elizabeth Bishop (1911-1979) finalmente foi confirmada como homenageada da próxima Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) . O nome  da poeta, que apoiou o golpe militar em 1964, causou controvérsia entre escritores e quase levou os organizadores a repensar a escolha . Na última sexta-feira, porém, ficou decidido que a homenagem seria mantida, conforme antecipou a coluna Lauro Jardim .

— Na época, a pressão contra a escolha foi tão forte que chegamos a anunciar que iríamos considerar uma outra opção — diz Fernanda Diamant , curadora do evento. — Mas no fim houve um consenso entre nós ( a organização e a curadoria ) de que ela deveria ser mantida.  O mundo e o Brasil estão derretendo. É tanta coisa acontecendo, tanto cancelamento nas redes, que a polêmica em torno da Bishop já foi até esquecida.

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Na época do anúncio, além da surpresa pela opção por uma escritora estrangeira (o que acontece pela primeira vez na história da Flip), autores resgataram o apoio de Bishop ao golpe militar de 1964 e comentários negativos e preconceituosos sobre o Brasil. ( Relembre todos os escritores homenageados desde 2003 )

Fernanda lembra que o evento já teve autores problemáticos entre os homenageados, como Gilberto Freyre em 2010, por exemplo. Ou, mais recentemente, Euclides da Cunha no ano passado.

— Nossa avaliação é que podemos tratar qualquer questão biográfica de forma crítica — diz a  curadora. — O racismo de Euclides foi debatido em várias mesas. Todos os autores têm suas ambiguidades e estão abertos ao debate. Vamos colocar a Bishop no divã.

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A curadora reconhece que foi difícil suportar a pressão após o anúncio, mas garante que não chegou a cogitar outro nome:

— Pensamos em organizar uma edição sem autor homenageado, mas nunca de substituir Bishop — conta.

Ela também lamenta que o "imediatismo" das redes sociais tenha pautado a polêmica em torno da homenagem.

—  Uma coisa é a discordância, outro é o cancelamento — diz Fernanda. —  É muito fácil criar uma onda que não é reflexiva, que age de imediato. Acontece tão rapidamente que não é possível que alguém tenha pensado com profundidade. Embasaram uma campanha contra a Bishop usando três ou quatro frases de uma correspondência de mais de mil páginas. Ela foi deslocada de seu lugar.

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O diretor geral da Flip, Mauro Munhoz, justifica a escolha de Bishop pela relação dela com o país.

— A relação intensa que estabeleceu com o Brasil nos quase 20 anos que viveu aqui faz dela uma intérprete interessante de nossa poesia, de nossa cultura, do modo como nós próprios nos relacionamos com as questões ligadas à nossa identidade — diz.