Flip 2022
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Por Bolívar Torres, Maria Fortuna, Mateus Campos, Ruan de Sousa Gabriel e Talita Duvanel — Paraty

Iniciada em meio a incertezas, a 20ª Festa Literária Internacional de Paraty, que terminou ontem, será lembrada como a Flip do público. Foi ele que abraçou o evento e acreditou na volta ao presencial, apesar das restrições orçamentárias e dos poucos nomes de peso na programação — sendo que sua grande estrela literária, a francesa Annie Ernaux, recebeu o Nobel semanas após ter sua participação anunciada pelos organizadores. Um acaso que fez toda diferença para a força da edição. Ontem, durante a coletiva de encerramento, a organização estimou o total de visitantes em 25 mil pessoas nos cinco dias de festa (outras 20 mil acompanharam pelo YouTube), com 90% de ocupações em hotéis e pousadas, o que recolocou a edição no patamar pré-pandemia.

Com dificuldades de captação de recursos, a festa atrasou — e não foram poucos os que temeram que ela não acontecesse. A nova data, inédita na história do evento — que acontecia sempre em julho, antes da pandemia —, trouxe o calor de novembro e a concorrência com a Copa do Mundo.

Mas nem mesmo o verão paratiense segurou o ânimo do público, que lotou as mesas, apesar do alto valor dos ingressos (a entrada da tenda saía a R$ 120, o dobro desde a última Flip presencial, em 2019). A intenção da festa é que sua próxima edição volte para julho nos próximos anos, mas admite que é mais provável que, em 2023, o mês de setembro seja escolhido.

— A data foi uma contingência. A dificuldade da aprovação das leis de incentivo atrasou o calendário como um todo. A Flip é feita por 400 pessoas, precisa de muito planejamento — explicou Mauro Munhoz, diretor artístico da festa. — Adoraríamos voltar para julho, mas a lei ainda não foi aprovada e está tão difícil quanto ano passado. Espero que melhore, mas a gente sabe que a recuperação do Ministério da Cultura vai levar tempo.

Em mesas como a de Annie Ernaux, no sábado, as pessoas se espremeram para ocupar toda a área do evento em torno do telão gratuito instalado no estacionamento ao lado da Praça da Matriz.

— Essa Flip superou expectativas — atesta Rui Campos, sócio da Travessa, livraria oficial do evento, que se manteve ao lado da Tenda da Matriz. — Estávamos preparados para uma queda. Em termos de vendas, não foi tão bom quanto antes da pandemia, mas está muito menos baixo do que imaginávamos. Fomos surpreendidos pela empolgação do público.

Boas mudanças

O novo título de Ernaux, “O jovem” (Fósforo), puxou as vendas na Travessa. Pelo balanço feito até a noite de sábado, a francesa havia emplacado quatro livros entre os mais vendidos da Flip. Além de sua obra mais recente, “O acontecimento”, “Os anos” e “O lugar” ocuparam o segundo, quarto e quinto lugares da lista, respectivamente. “Futuro ancestral” (Companhia das Letras), de Aliton Krenak, ocupou a terceira posição.

— A perspectiva da Fósforo é que vivemos uma Flip muito especial e única. O saldo é positivo, sem dúvidas — disse Fernanda Diamant, editora da Fósforo, que em 2020 decidiu deixar a curadoria da Flip afirmando que a festa precisava de uma curadora negra para reinventá-la. — As mudanças reivindicadas pelas pessoas há tanto tempo para a Flip estão cada vez mais aprofundadas. Não que não tenha ainda muito trabalho pela frente.

A solução curatorial encontrada no trio Fernanda Bastos, Milena Britto e Pedro Meira Monteiro foi elogiada pela organização ao fim da festa. Na coletiva, Munhoz indicou que pretende manter um coletivo na curadoria e que fará o convite para os três continuarem na batuta em 2023. Munhoz também reconheceu que a imensa maioria de brancos na plateia da Tenda da Matriz, mesmo em mesas com temas antirracistas, incomoda e é vista como um problema para a Flip. Ele disse que a organização estuda maneiras de equilibrar essa questão.

Clima de celebração no último dia

A Flip, que há anos se expandiu para além da programação principal, continuou com as casas parceiras e também com feiras de editoras independentes, para alegria dos visitantes.

— Este ano, não fui à tenda principal pela primeira vez — contou o jornalista Paulo Roberto Pires, habitué da festa desde a primeira edição. — Estava com necessidade de circular e ver as pessoas. Vi um espírito de retomada, um espírito celebratório nas ruas. A cidade não está hiperlotada, mas tem gente em todos os lugares o tempo todo.

Cida Pedrosa, Ludmilla Lis e Teresa Cárdenas: sem medo de ser feliz — Foto: Rebecca Maria/Agência O Globo
Cida Pedrosa, Ludmilla Lis e Teresa Cárdenas: sem medo de ser feliz — Foto: Rebecca Maria/Agência O Globo

Ontem, esse “espírito celebratório” tomou a mesa 18, “O brado do gentil palmar”. Já no início, a mediadora Ludmilla Lis puxou o samba “Luz do repente”, de Jovelina Pérola Negra, para as escritoras Teresa Cárdenas e Cida Pedrosa sambarem. Elas não hesitaram: trataram logo de balançar as cadeiras, para alegria do público, que marcou o ritmo com palmas. A importância da oralidade na literatura foi debatida pelas escritoras.

— Cresci no sertão do cordel, dos cantadores, do som da voz do homem que vendia tudo na rua. Não consigo separar a minha literatura da fala — disse a pernambucana Cida Pedrosa. — Cada coisa que escrevo, leio em voz alta. Se alguma palavra sobrar, corto sem medo de ser feliz. Tem que caber no ouvido da mesma forma que cabe na página.

A cubana Teresa Cárdenas disse que os cantos, falas e bailes de África estão impregnados em seu trabalho. E leu um poema próprio em que se descreve:

“Eu sou negra. Deus modelou meus lábios grossos com seus dedos, contornou minhas cadeiras, olhou nos meus olhos e colocou sua luz. Sou Eva, sou negra. Sou”.

FLIPOU

  • QUEM ACREDITOU: Dois anos de Covid se passaram, alguns até acharam que a Flip nunca mais voltaria a ser realizada como antes. Mas o público botou fé e prestigiou a festa neste retorno ao formato tradicional.
  • DIVERSIDADE: Duas participantes trans, mais mulheres do que homens, indígenas, negros... Dando continuidade a um movimento dos últimos anos — na Flip e na sociedade —, a festa acertadamente abraçou a diversidade.
  • TELÃO: Enquanto a Tenda da Matriz era cara, a do Telão manteve-se gratuita. Sempre cheia, ficou localizada exatamente ao lado do palco principal e os aplausos do público eram mais fortes do que os de quem pagou R$ 120.
  • ERNAUXMANIA: Ela recebeu o Nobel depois do anúncio de que viria a Paraty. Mas, independentemente do prêmio, Annie Ernaux, uma das grandes estrelas da literatura mundial, fez bonito em todos os eventos dos quais participou.
  • EDITORAS: Pela primeira vez a Flip convidou editoras independentes a montarem tendas em um espaço aberto para venda de livros, até então concentrados na Travessa. Os editores gostaram da exposição e, no geral, as vendas foram boas.

FLOPOU

  • CALOR: Pela saúde de todos que andam para lá e para cá na umidade de Paraty, começamos já a campanha: Flip no verão nunca mais. A refrigeração da Tenda da Matriz, que reúne os debates principais, não foi suficiente.
  • POUCO POP: Não existe certo ou errado numa curadoria de um evento como a Flip. São opções, e a deste ano foi ao encontro de acadêmicos e autores menos badalados. Mas mesclar novidade com figuras mais populares da ficção e da não ficção deram mais peso a outras edições da festa. Neste ano não teve nem show de abertura.
  • PREÇO: O ingresso para a Tenda da Matriz em 2019, pré-pandemia, custava R$ 55. Nesta foi R$ 120, salgado aumento de mais de 100%.
  • ERNAUX ACOMPANHADA: Nada contra estrelas dividirem mesas com outros autores. Mas Annie Ernaux não é uma estrela qualquer: centenas de pessoas vieram à Paraty só para vê-la em sua estreia na Flip. Merecia uma mesa só para ela.
  • PLANEJAMENTO: A Flip cresceu absurdamente por conta de casas com programação paralela. É preciso encontrar uma forma de ajudar os visitantes a se organizarem. Todos os grandes eventos hoje têm, por exemplo, aplicativo para celular.

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