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Flip: Eliane Robert de Moraes lança seleta de contos eróticos brasileiros

Livro reúne textos de 1852 e 1922 de nomes como Machado de Assis e Olavo Bilac
Eliane Robert Moraes: 'O conto no século XIX te pede muito a leitura das entrelinhas' Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Eliane Robert Moraes: 'O conto no século XIX te pede muito a leitura das entrelinhas' Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

PARATY - Em 2015, atendendo, ainda que tardiamente, a um apelo que Mário de Andrade fazia na época do modernismo  (“No Brasil falta uma pornografia organizada”), a ensaísta e professora da USP Eliane Robert de Moraes lançou a “Antologia da poesia erótica brasileira”. Em meio ao processo de garimpagem desses textos “picantes”, a autora descobriu um vasto material produzido num período singular da literatura brasileira (de 1852 ao marco do modernismo de 1922) e em um gênero diferente: contos. Esta pesquisa se transformou na seleta de contos “Corpo descoberto – contos eróticos brasileiros” (Sepe), que ela lança agora na Flip.

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De escritores canônicos, como Machado de Assis, Lima Barreto e Olavo Bilac, a outros menos conhecidos, como Afonso Arinos, a obra investiga 53 narrativas que driblavam a moral da época para falar...”daquilo”. Fantasias sexuais, desejos e o próprio corpo eram trabalhados de forma alusiva, sempre metafórica, pelos autores.

- O conto no século XIX te pede muito essa leitura das entrelinhas. Ali você vai passando e vendo que tem um erotismo muito velado, mas ao mesmo tempo muito forte. Os autores tinham que observar esta moral, tinham que acatar e até se render a ela.

Termos chulos, palavrões e palavras altamente sexualizadas eram um tabu no vocabulário do literatos. Uma limitação que gerava um enviesamento, onde nem tudo era o que parecia ser. Mesmo objetos como um vaso, à primeira vista algo trivial para o leitor, podiam guardar um significado velado.

- Olavo Bilac, mesmo sob pseudônimo, usava palavras decentes em seus textos. No conto “O Vaso”, por exemplo, ela narra uma moça que leva o vaso para cá, leva o vaso para lá. Pode ser feita uma leitura ingênua. Mas deixa de ser quando você descobre que vaso era uma palavra usada para designar o genital feminino, o que faz o conto mudar completamente.

Grande parte do livro é de contos conhecidos do público, mas que muitas vezes requerem um olhar mais “afiado”, diz a autora.

- Tem coisas  que estão a um palmo do seu nariz e você não vê. Por exemplo, todos os contos do Machado que estão no livro são contos que as pessoas conhecem. Mas vejo gente dizendo “puxa, não sabia que aquilo era erótico” – observa, sobre textos do Bruxo do Cosme Velho como “Missa do galo” e “Uns braços”.

Há também raridades como o conto “Cadeirinha”, de Afonso Arinos. Ou o único conto produzido por uma mulher, “Memórias de um leque”, de Júlia Lopes de Almeida. O material é fruto de anos de pesquisa nas sessões sob o índice de “miscelânea” das bibliotecas, ou entre coleções de textos marginais. Todos escritos com muito recato, é claro.

- É um tipo de material que fala do que é o poder da literatura. Ela sempre pode falar de outro jeito. E ela consegue não só burlar a censura, mas criar palavras,  situações, expressões diversas para falar daquilo que é humano, e do qual ninguém escapa, que é o erotismo.

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Já na Flip, onde Eliane fala na mesa “A santa e a serpente” ao lado da atriz Iara Jamra, o clima deve ser bem diferente do pudor dos autores da seleta. A mesa, que acontece na sexta-feira às 20h, vai abarcar a dimensão corpórea e mística da obra de Hilda Hilst, conhecida pelo desembaraço e caráter obsceno presente em sua obra.

- Ela entrou de cabeça e fez uma literatura pornográfica com uma liberdade singular. Dentro da literatura erótica, a Hilda está entre os três mais importantes escritores no Brasil do século XX. O que ela fez com o erotismo é um trabalho incomum no nosso país.