Flip
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Por e — Paraty (RJ)

‘Você gosta de poesia?”. Quem frequenta a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) decerto já ouviu essa pergunta de algum poeta ávido por apresentar seu trabalho a quem passeia pelo centro histórico da cidade. Embora a Flip tenha estreado homenageado um poeta (Vinicius de Moraes), em 2003, e dedicado edições a expoentes da lírica brasileira como Carlos Drummond de Andrade (2012) e Ana Cristina César (2016), a prosa sempre teve mais prestígio na festa (assim como no mercado editorial como um todo). No entanto, há cada vez mais poesia em Paraty. Tanto que a Flip da Pagu é também a Flip da poesia.

Entre os 44 autores convidados desta edição há 19 poetas (14 mulheres), desde autores festejados por seus versos (Marília Garcia, Ricardo Aleixo) a outros mais conhecidos por escreverem prosa (Socorro Acioli) e estrangeiros (Dionne Brand, Laura Wittner). Pagu, a autora homenageada, também escreveu versos e tinha talento para declamar. O artista em destaque da festa literária é o concretista Augusto de Campos, que renovou a poesia brasileira ao integrar os aspectos verbais, sonoros e visuais o poema com seu projeto “verbivocovisual”. Na abertura da festa, anteontem, o diretor-artístico da Flip, Mauro Munhoz, destacou que a edição deste ano teria “muita poesia”.

E tem mesmo. Curadora da Flip, a editora (e poeta) Fernanda Bastos reconhece que, tanto em festivais literários como nos catálogos das principais editoras, a poesia acaba ainda ocupando um lugar secundário (um clichê dos mais batidos diz que a poesia é o gênero literário mais lido e também o que menos vende). Autora de “Selfie-purpurina” (Peirópolis), a curadora afirma que, este ano, a Flip se propôs a destacar poetas que também se arriscam em diversos gêneros, como a tradução (Laura Wittner) e o ensaio (Dionne Brand), transitam por diferentes linguagens artísticas (André Vallias) e mantém “um diálogo forte com o contemporâneo”.

— São poetas muito atentos, que abordam o que afeta seus próprios corpos e também o que está nos jornais. Tatiana Pequeno, por exemplo, tratou até do assassinado de Marielle Franco. Outras, como Lubi Prates, Eliane Marques e Dione Brand, se dedicam a pensar a língua e as novas possibilidades de atuação artística — diz ela.

Livro de Anderson Maurício — Foto: Maria Isabel Oliveira
Livro de Anderson Maurício — Foto: Maria Isabel Oliveira

Bruna Beber se lembra de ter participado da primeira mesa da Flip dedicada inteiramente à poesia, em 2013, com de Ana Martins Marques e Alice Sant’Anna. Ela está de volta a Paraty para participar da programação paralela e com dois títulos recém-lançados: “Veludo rouco” (Companhia das Letras) e a plaquete “Sal de fruta” (Círculo de Poemas). Nascida em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, Bruna sempre teve que se deslocar para áreas mais centrais para trocar figurinhas com outros poetas e participar de eventos. Hoje, conta que o cenário é muito diferente para os autores da Baixada e da periferia em geral.

— Na época, eu não via ninguém da Baixada publicando — recorda. — Hoje, existe um mercado para a poesia. Pode ser menor do que o dos outros gêneros, mas existe. Toda editora tem uma cota para a poesia. Isso se deve muito ao esforço das pequenas e médias editoras que, nos últimos anos, promoveram saraus, lançamentos e publicações na raça, criando uma cultura da poesia.

Autora do recém-lançado “Expedição: nebulosa” (Companhia das Letras), Marília Garcia lista um punhado de editoras independentes empenhadas em publicar poesia, como Quelônio, Corsário-Satã e Garupa. Ela ainda se lembra de quando havia pouquíssimas mesas com poetas na Flip, em geral agendadas para dias e horários poucos disputados, como as manhãs de quinta-feira. Este ano, Marília ainda participa de uma mesa de manhã (às 10h), mas em um dos dias mais nobres da festa, o sábado, junto com a poeta Maria Dolores Rodriguez e o artista indígena Gustavo Caboco.

Marília sabe por experiência própria que livros de poesia nem sempre encalham. Fundadora da Luna Parque, ela criou, em parceria com outra editora, a Fósforo, o clube de assinatura Círculo de Poemas. Todo mês, os assinantes recebem, em primeira mão, um livro de poemas mais uma plaquete encomenda pela editora a um poeta (ou prosador disposto a cometer uns versos). Desde janeiro de 2022, o Círculo de Poemas já publicou autores como Torquato Neto, William Carlos Williams e Miriam Alves. O clube custa R$ 74,90 por mês e já tem 450 assinantes. Depois de atender os clientes, as tiragens de 1.500 exemplares vão para as livrarias. Oito títulos já se esgotaram e foram reimpressos. Parece pouco, mas todo editor brasileiro sabe que vender 1.500 exemplares de um livro de poesia em menos de dois anos é um feito nada desprezível. Marília arrisca algumas hipóteses para explicar o sucesso da poesia:

— Talvez a poesia seja o meio adequado para falar de um tempo como o nosso, tão difícil, com tantas subjetividades para serem nomeadas. A liberdade formal da poesia, que se reinventa em diálogo com outras linguagens, possibilita que ela capte questões urgentes e crie discursos — diz ela, deixando este mês a direção do Círculo de Poemas, que ficará a cargo do poeta Tarso de Mello.

Os prêmios literários mais tradicionais também atestam o bom momento da poesia por aqui. Este ano, dos cinco finalistas na categoria Poesia do Oceanos, quatro são poetas brasileiros: Cláudia Roquette-Pinto, Guilherme Gontijo Flores, Ricardo Aleixo e Prisca Agustoni (o quinto é o português Pedro Eiras). Em contrapartida, nenhum brasileiro disputa o troféu de Prosa.

Em 2022, Luiza Romão venceu o Jabuti na categoria Poesia e também levou o prêmio mais importante da noite, Livro do Ano, por “Também guardamos pedras aqui” (Nós), leitura da “Ilíada” que expõe a violência constitutiva da civilização ocidental. Luiza é poeta, atriz, slammer e prova viva da disposição da poesia contemporânea em dialogar com as mais diversas linguagens artísticas.

— Venho da cena independente, dos saraus, onde não dá para dissociar poesia, performance e ativismo — diz a poeta, que fala na Flip hoje, às 12h. — A poesia contemporânea está cada vez mais próxima da performance e da poesia falada, que é quase uma crônica, questionando os limites e os suportes do poema. (Paul) Valéry (poeta francês) já dizia que que som e sentido são indissociáveis. Me interessa a carnalidade da palavra, que dá margem para o diálogo com outras linguagens, da música à fotografia.

Também curadora da Flip, a crítica literária Milena Brito observa que os poetas presentes na programação “articulam a palavra em duas geografias: o espaço interior do poeta e o espaço histórico que acolhe sua existência”, indicando o teor político da produção contemporânea.

Política X poética

Veterano da Flip, Ricardo Aleixo confirma que a poesia vem ganhando um espaço na academia e nos eventos. No entanto, ele diz que esse maior prestígio não tem provocado mais discussões sobre linguagem, uma crítica que ele estende, inclusive, à poesia que se pretende mais “política e/ou representativa”.

— A poesia brasileira sempre foi marcada por uma ênfase no político. Agora, há uma coincidência programática na emergência de vozes historicamente excluídas da cena pública, as vozes das periferias, das mulheres e das minorias, que reivindicam presença no espaço público a partir de demandas políticas — afirma. — Mas há uma confusão entre militância política e militância poética e há pouca inovação no âmbito técnico-formal para tanta reivindicação de presença. Acho a poesia brasileira dita contemporânea muito acomodada, conservadora em termos formais, técnicos e temáticos.

Para a canadense Dionne Brand (nascida em Trinidad e Tobago), a poesia não é outra coisa senão política. Seu livro “Nenhuma língua é neutra” (Bazar do Tempo) exemplifica o que ela entende como o trabalho do poeta: “desfazer a língua do colonizador”.

— Nestes tempos de ascensão do fascismo, em que somos penetrados pelo capitalismo desde o café da manhã, a poesia nos ajuda a pensar quem nós fomos e o que poderíamos ser fora desse sistema. Por isso, a linguagem dos poetas e sua capacidade de criar sentido tenha se tornado tão desejável hoje — diz a autora, que participou ontem de uma mesa com a poeta Angélica Freitas. — Nossa função é transformar a língua quando ela não funciona mais, introduzindo novos termos, novos sentidos. É um trabalho difícil, mas maravilhoso.

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