Flip
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Por , , , e — Paraty

“Flip da Pagu”, “Flip do aquecimento global”, “Flip do apagão”, “Flip da poesia”, “Flip identitária”. A 21ª Festa Literária Internacional de Paraty rendeu apelidos que revelam os méritos, os problemas e os desafios do evento, encerrado ontem com uma conversa entre Itamar Vieira Junior, Glicéria Tupinambá e Miriam Esposito. A festa, que homenageou a escritora Patrícia Rehder Galvão, a Pagu, abriu espaço para o feminismo e também investiu em um elenco repleto de poetas (19 dos 44 autores convidados).

Embora reflita o maior prestígio angariado pela poesia em tempos recentes, a curadoria resultou em uma Flip — que teve o concretista Augusto de Campos como artista em destaque — com programação povoada por autores pouco conhecidos, que em alguns momentos foi ofuscada pelos eventos paralelos, bastante disputados pelo público. E reciclou uma reclamação que já está ficando velha: a festa literária está cada vez menos pop e sem estrelas capazes de atrair plateias. Essa crítica costuma vir acompanhada de lembranças das primeiras edições do evento, quando autores como Margaret Atwood e Salman Rushdie circulavam pelo centro histórico da cidade.

“Flip tem que ser igual a show do Caetano: 70% de repertório para cantar junto e 30% do disco novo. Na Flip, a gente quer ver Isabel Allende”, disse um escritor reservadamente ao GLOBO.

Em entrevista coletiva realizada ontem, a Associação Casa Azul anunciou oficialmente a saída da editora e poeta Fernanda Bastos e da crítica literária Milena Britto do posto de curadoras, com a justificativa de que a troca da equipe curatorial ocorre a cada dois anos — embora alguns curadores tenham ficado menos tempo, outros mais.

A organização da festa informou também que a venda de ingressos foi 10% menor em relação ao ano passado, mesmo com a estimativa do governo municipal de que a cidade tenha recebido 27 mil visitantes, um crescimento de também 10% comparado a 2022.

— Tínhamos uma missão: colocar e manter a Flip no nosso século — refletiu Fernanda na coletiva, que transcorreu em um ambiente tenso e com certo desconforto. — A programação foi circular e conversou diretamente com o que a gente propôs, nessa perspectiva de explorar a mente. Isso muitas vezes é ridicularizado, não é entendido por pessoas acostumadas a ver sempre o mesmo discurso, como os homens brancos.

Paraty recebe pessoas de todos os lugares para mais um ano de Flip — Foto: Domingos Peixoto/Agência O Globo
Paraty recebe pessoas de todos os lugares para mais um ano de Flip — Foto: Domingos Peixoto/Agência O Globo

Mesas aplaudidas

A obra multidisciplinar de Pagu (que também se notabilizou como uma crítica cultural sempre atenta ao novo) inspirou as curadoras a convidar para a festa poetas que transitam entre gêneros literários e linguagens artísticas: ensaio, tradução, música e artes visuais. A vida e a obra da artista paulistana também ditaram o tom feminista da programação, tanto a principal como a paralela. Entre os 44 convidados oficiais da Flip, havia 32 mulheres e uma pessoa não binária. Algumas das mesas que mais animaram o Auditório da Matriz seguiram essa linha. “Uma prisão mortal”, que reuniu a crítica literária Denise Carrascosa, a arquiteta Joice Berth e a ex-deputada federal Manuela D’Ávila terminou com o público aplaudindo de pé. Assim como “Contra a mentalidade decadente”, com Carla Akotirene, feminista baiana, e Akwaeke Emezi, pessoa não binária nascida na Nigéria.

Apostas da curadoria sempre dividiram o palco da Flip com autores populares. No entanto, nesta edição houve várias mesas em que todos os participantes eram pouco conhecidos. Em algumas, os mediadores também não foram capazes de propor discussões que despertassem o interesse do público e se perderam em perguntas um tanto etéreas. Longas leituras também testaram a paciência da plateia. Em várias mesas, o Auditório da Matriz (cujo ingresso custa R$ 130) não lotou.

Fernanda Bastos afirma que o desejo da festa foi “ampliar a ideia de literatura” e negou a falta de “estrelas” na programação principal, citando “nomes que mobilizam multidões, como Carla Akotirene, Joice Berth e Natalia Timerman”.

— Precisamos pensar por que alguns nomes não são tão conhecidos. Talvez seja por que eles não passam pelos espaços tradicionais de legitimação. Para nós, não faltam grandes estrelas na Flip. Trouxemos autores de renome, com trajetórias consistentes e de impacto na cultura global, que ajudam na circulação de novas ideias — diz ela, dando como exemplo a poeta canadense Dionne Brand.

A falta de grandes nomes na festa é com frequência botada na conta do identitarismo. De fato, nos últimos anos, a festa literária abriu espaço para mais autores negros, mulheres, indígenas e transexuais, seguindo uma tendência do próprio mercado. Consequentemente, nomes canônicos (em sua maioria homens brancos europeus e americanos) começaram a aparecer cada vez menos. No entanto, editores contam que a menor presença de celebridades literárias também é resultado da crise orçamentária. A Flip não paga cachê, mas sempre conseguiu atrair autores celebrados ao oferecer boas condições, como duas passagens de classe executiva e hospedagens caprichadas. Segundo um desses editores, hoje são necessárias mais negociações para manter o mesmo nível do passado. Outro disse que a demora na divulgação da data da festa prejudicou o envio dos convites. Alguns autores já não tinham espaço na agenda.

Paralelos em alta

Diretor artístico da Flip, Mauro Munhoz reconhece que fazer a feira ficou mais caro como um todo, mas garante que a opção por figuras mais alternativas não é uma questão orçamentária e sim curatorial.

— Este ano, captamos mais recursos e conseguimos trazer o mesmo número de autores estrangeiros de sempre — diz. — É o mesmo custo trazer o autor estrangeiro X ou Y. A programação é resultado das decisões e critérios literários das curadoras. Elas tiveram total liberdade.

Com a programação principal menos pop, a Flip tem assistido, ano a ano, ao crescimento dos eventos paralelos, que oferecem ao público diversas oportunidades de ver autores que também se apresentam no Auditório da Matriz. Este ano, as casas parceiras se mantiveram lotadas durante toda a festa, com filas que às vezes se estendiam por quarteirões, como nas que se formaram para ver a escritora Conceição Evaristo. Maior estrela da programação paralela, a autora participou de ao menos nove eventos nas casas parceiras. No sábado, ela falou às 10h na Casa Estante Virtual, mas leitores já faziam fila antes das 8h. Houve até quem a descrevesse como “a Taylor Swift da Flip”. E quem rebatesse: “Conceição é muito maior que Taylor Swift”.

A Flip 2023 produziu ao menos um consenso: novembro nunca mais. Pelo segundo ano consecutivo, a festa, que entre 2003 e 2019 ocorria no inverno, foi realizada às portas do verão. O evento começou na quarta-feira (22) com as temperaturas batendo os 40 graus.

No coquetel de abertura, o presidente da Embratur, Marcelo Freixo brincou que era a “Flip do aquecimento global”. No dia seguinte, um raio atingiu uma linha de distribuição e, para consertá-la, a Enel, concessionária que atende a cidade, desligou a rede elétrica no início da noite. A luz só voltou perto das 23h.

A temperatura baixou no final de semana, mas o calor e a chuvarada dos primeiros dias deixaram claro que armar a festa no fim do ano é inviável. Os comerciantes sentem falta da Flip em julho, que enchia a cidade na baixa temporada. Ao GLOBO, editores disseram que novembro também não ajuda a alavancar as vendas de livros. Por ser o mês da Black Friday, compensa mais aproveitar os descontos do varejo on-line do que comprar livros em Paraty. Até a manhã de ontem, a Travessa, livraria oficial da Flip, havia vendido 13 mil livros, 15% a menos do que em 2022.

Diferentemente do ano passado, quando Annie Ernaux dominou o ranking, a lista de mais vendidos ficou mais diversa. Com dois títulos na lista das cinco obras mais vendidas na Travessa na Flip, Socorro Acioli se destacou entre os autores mais procurados pelos leitores. “Oração para desaparecer” (Cia. das Letras) terminou o evento com o primeiro lugar e “A cabeça do santo” (Cia. das Letras) ficou em terceiro. “Autobiografia precoce” (Cia. das Letras), de Pagu, aparece em segundo lugar. “Me chama de Cassandra” (Biblioteca Azul), de Marcial Gala, e “Se a cidade fosse nossa” (Paz e Terra), de Joice Berth, ficaram em quarto e quinto lugar, respectivamente.

— Quando o evento foi anunciado para novembro, achei que a gente ia se ferrar, mas a queda foi pequena em relação a 2022, quando não houve os mesmos problemas meteorológicos deste ano — diz. — O ideal seria a Flip voltar para julho para pegar o movimento escolar.

Dificuldades orçamentárias agravadas no governo passado, que esvaziou as leis de incentivo à cultura, e bagunça nos calendários provocadas pela pandemia atrasaram a organização do evento. No entanto, a Casa Azul informou que a recente aprovação de um plano plurianual por meio da Lei Rouanet deve ajudar a festa a retornar à sua data original. Em 2024, o evento deve ser realizado em setembro e, em 2025, no meio do ano. Os transtornos causado pelo clima de novembro foram tantos que editores afirmam que “teria sido melhor segurar um ano e voltar com força ano que vem, em julho”.

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