Cultura

França debate se deve ou não transformar casa de autor antissemita em patrimônio cultural

Considerado um dos escritores mais importantes do século XX, Céline propagou ideias preconceituosas em panfletos
A casa do escritor francês Céline Foto: AFP
A casa do escritor francês Céline Foto: AFP

PARIS — O destino da casa do escritor francês Louis-Ferdinand Céline, em Paris, virou tema de debate nacional. Alguns querem que seja preservada, outros temem que se torne um local de peregrinação problemática, por causa das posições políticas do escritor morto em 1961.

— A casa de Céline precisa ser registrada no inventário do patrimônio francês — defende o ex-ministro da Cultura, Jack Lang, que realizou várias tentativas neste sentido desde 1992.

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Para o jornalista Stéphane Bern, apontado pelo presidente Emmanuel Macron para cuidar do patrimônio nacional, “o trabalho de Céline merece ser lido”, mas “a sua vida é polêmica, e deve-se evitar que a casa se torne um lugar de peregrinação para quem quer resgatar a memória do autor para fins controversos” — em termos claros, área de visitação de neonazistas.

Louis-Ferdinand Céline Foto: Arquivo
Louis-Ferdinand Céline Foto: Arquivo

Louis-Ferdinand Destouches, mais conhecido como Céline, é considerado um dos escritores mais importantes do século XX, mas foi também próximo do regime de Vichy, que colaborou com a Alemanha nazista, e autor de violentos panfletos antissemitas. Em 2018, a editora francesa Gallimard desistiu de reeditar seus textos após um acalorado debate no país .

Ele e sua mulher, Lucette, que morreu recentemente aos 107 anos, estabeleceram-se na “Villa Maïtou”, no subúrbio de Paris, em 1951. Rejeitado pelo círculo literário, o autor encontrou nesta casa a tranquilidade necessária para escrever três obras-primas: “De castelo em castelo” (1957), “Nord” (1960) e “Rigodon” (publicado postumamente, em 1969).

No ano passado, a viúva vendeu a casa, restaurada após um incêndio em 1968 — embora tenha morado lá até a sua morte.

— O Ministério da Cultura me disse que não queria comprá-la — diz François Gibault, advogado da família de Céline e biógrafo do autor. — O novo proprietário fará o que quiser com ela.

O Departamento de Patrimônio não tem previsão de reconhecer a casa como monumento histórico. “Céline viveu nela apenas alguns anos”, justifica Jean-Michel Loyer-Hascoët, um funcionário do departamento. Este aparente desinteresse pela residência de Céline contrasta com as casas de outros autores, controversos ou não, na França — como a de Pierre Loti, autor de textos antiarmênios e antissemitas, ou do polonês Witold Gombrowicz, em Saint-Paul-de-Vence.