RIO — Após o presidente Jair Bolsonaro criticar séries de temática LGBT pré-selecionadas para um edital para TVs públicas , o governo decidiu suspender o processo de concorrência. A portaria assinada pelo ministro da Cidadania , Osmar Terra, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) desta quarta-feira.
Em seu último pronunciamento ao vivo em redes sociais, exibido na quinta-feira (15), Bolsonaro atacou quatro das produções finalistas do edital "BRDE/FSA PRODAV" que concorriam pelas categorias "diversidade de gênero" e "sexualidade". Lançado em 13 de março de 2018, a seleção tem um orçamento total de R$ 70 milhões, provenientes do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).
O chamamento é feito pelo Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) com participação da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC).
Segundo a portaria publicada nesta quarta, o edital ficará suspenso pelo prazo de 180 dias, podendo ser prorrogado por igual período. A justificativa da decisão, segundo a publicação do DO da União, é a "necessidade de recompor os membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual — CGFSA".
Ainda de acordo com a portaria, após a definição da nova composição do grupo, será "determinada a revisão dos critérios e diretrizes para a aplicação dos recursos do FSA, bem como que sejam avaliados os critérios de apresentação de propostas de projeto".
O deputado federal Marcelo Calero informou que irá entrar com uma ação popular com pedido de liminar para tornar nula a portaria assinada por Osmar Terra.
Após a suspensão do edital, o secretário de cultura, Henrique Pires, anunciou que deixará o governo .
'É censura', diz diretor
As obras citadas pelo presidente no vídeo são “Afronte”, “Transversais”, “Religare queer” e "Sexo reverso". Em entrevista ao GLOBO na semana passada, o diretor de "Transversais", Émerson Maranhão, condenou a atitude de Bolsonaro.
— Pra mim, é uma clara sinalização de censura. Apesar de ele negar, a partir do momento em que diz que produções LGBT não vão receber recursos, é censura — disse o autor da produção que conta a história de superação de cinco cearenses transgênero.
Em março deste ano, a EBC publicou o resultado preliminar das séries de TV classificadas nas diferentes categorias do edital: além de “diversidade de gênero”, há “sociedade e meio ambiente”, “profissão”, “animação infantil” e “qualidade de vida”, entre outras.
Os vencedores de cada região do Brasil recebem valores entre R$ 400 mil e R$ 2 milhões, dependendo da linha temática. Para “diversidade de gênero”, a previsão é de R$400 mil para cada obra — menor valor entre as categorias.
A decisão está repercutindo em revistas especializadas no exterior, como a "Variety" .
Presidente quer 'filtros'
Desde julho, Bolsonaro vem dando diversas declarações sobre a produção audiovisual brasileira. Ele defende que é necessário estabelecer "filtros" temáticos para as produções aprovadas pela Ancine para receber verbas do Fundo Setorial e da Lei do Audiovisual, citando como "mau" exemplo "Bruna Surfistinha" , filme de 2011 sobre uma ex-garota de programa. Tais declarações condicionavam os filtros à manutenção da agência. Mais tarde, o presidente afirmou que não pensava mais em extinguir a Ancine ( "Se não tivesse mandatos, já tinha degolado tudo", disse ) mas manteve a decisão de transferi-la do Rio de Janeiro para Brasília.
Artigo: Quais as motivações de Bolsonaro ao puxar o cinema nacional para perto de si
Em agosto, um edital para seleção de filmes de ficção da BB Gestão de Recursos - Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A, conhecida como BB DTVM, subsidiária do Banco do Brasil, trazia em seu formulário de inscrição perguntas sobre a existência de "cenas de nudez ou sexo explícito" e se "a obra faz referência a crimes, drogas, prostituição". O documento também proíbe que o filme "possua caráter religioso ou promovido por entidade religiosa". A informação foi antecipada pela coluna de Ancelmo Gois . Procurada, a instituição disse que priorizava "projetos com conteúdo acessível para todas as idades" .
Após a publicação do edital, o Sindicato dos Bancários de SP, Osaco e Região se manifestou contra o documento: "Começa a censura à arte no governo Bolsonaro".
Antes disso, em abril, o Planalto decidiu tirar do ar uma propaganda do Banco do Brasil, como antecipou Lauro Jardim . Na peça, jovens negros, tatuados, e outros meninos e meninas de diferentes perfis aparecem em cenas do cotidiano, sem falar nada. Associações de Orgulho LGBT e do movimento negro classificaram o ato como de “intolerância institucional” .