Cultura

Gravação do 'Por acaso' tem Ivete Sangalo 'inimiga do fim' e reverência ao canto de Margareth Menezes com ‘Faraó’; veja fotos

Apresentado pelo produtor e diretor José Maurício Machline, programa teve nova temporada gravada em Salvador e seguirá por São Paulo, Pernambuco, Pará e Minas Gerais; exibição na TV começa em maio, no canal Arte 1
Bonde: A cantora Nêssa, a drag Nininha Problemática, Ivete Sangalo e o rapper Hiran Foto: Divulgação Sércio Freitas
Bonde: A cantora Nêssa, a drag Nininha Problemática, Ivete Sangalo e o rapper Hiran Foto: Divulgação Sércio Freitas

Sem fazer show desde dezembro, Ivete Sangalo chegou eufórica à Casa Rosa, espaço cultural no bairro do Rio Vermelho, em Salvador, onde participou da gravação da nova temporada do programa “Por acaso”, apresentado pelo produtor e diretor José Maurício Machline, em quem ela foi logo tascando um selinho.

O que seria uma apresentação com a plateia sentada e comportadinha virou o maior agito, com o público pulando e Ivete transformando o palco em pista ao chamar artistas da nova cena baiana para formar trenzinho e ir até até o chão com ela. No bonde, o rapper Hiran (do hit “Gosto de quero mais”), a drag Nininha Problemática (“Dei pro seu marido”) e a cantora Nêssa (“Atrevida”).

— Agora, vamos fazer uma que é putaria — avisou Ivete, antes de cantar, com Márcio Victor, da banda Psirico, “Tá solteira, mas não tá sozinha”.

Foi Machline anunciar o fim do show para Ivete fazer muxoxo:

— Como assim? Eu estava amarrada dentro de casa, tu me solta e agora termina? Tô carente e não tenho porra nenhuma para fazer... O pai tá em casa com as crianças...

Uma das crianças, porém, estava lá e subiu ao palco para fazer participação. Marcelo, o mais velho da cantora, tocou timbal e ouviu da mãe um orgulhoso “miserável!” depois de um solo.

Renato Russo e Dorival Caymmi

Aquela era a primeira de uma sequência de cinco noites regadas a som e conversa, mistura que conduz o programa de Machline desde sua estreia na TV, em 1991. Desta vez, o idealizador do Prêmio da Música Brasileira vai rodar o Brasil reunindo artistas consagrados e pescando revelações de São Paulo, Pernambuco, Pará e Minas Gerais.

— Fazer o programa itinerante é uma maneira de mostrar as grandes possibilidades artísticas que há no Brasil — explica ele, que coleciona histórias dos encontros que promoveu ao longo da trajetória do programa, como o dia em que Renato Russo desfaleceu ao conhecer Dorival Caymmi. — Renato não conseguia falar, desmaiou e precisou ser socorrido. Depois, trouxe todos os LPs para o Caymmi autografar enquanto ele chorava sem parar.

Foi viajando por aí que Machline descobriu a própria Ivete em início de carreira.

— Eu cantava naquela época. Vim fazer um show aqui ( em Salvador ) e o empresário da Daniela Mercury sugeriu que eu convidasse jovens locais para fazer participações. Ensaiei com um monte de gente e, quando não aguentava mais, ele disse: "Falta uma". E veio Ivete. Quando ouvi, falei: "Que mulher é essa?". Era linda e já muito ousada — define. — Eu perguntei: "O que você sabe cantar?". E ela: "Tudo". "Em que tom?", continuei. Ela: "No seu". Sugeri várias músicas e ela sabia tudo. Logo depois, Ivete foi para a Banda Eva. Um dia, nos encontramos de novo e eu disse: "Chega de Banda Eva, se joga". E ela se jogou.

As quentinhas de Ivete

A nova temporada do projeto, realizado em parceria com a empresária Heloisa Guarita, será exibida pelo canal Arte 1 em maio. O que o público verá são os artistas contando histórias saborosas, entremeadas por números musicais como os de Ivete e Márcio Victor. Ora eles cantavam juntos, ora se revezavam num repertório que incluiu “Sá Marina”, “Lepo lepo”, “Se eu não te amasse tanto assim” e “Atrás da porta” — essa foi um dueto de Ivete com o cantor carioca Zé Ibarra , que Machline considera "excepcional" e fez questão levar a Salvador para apresentá-lo "a todo mundo".

Ivete lembrou a época em que vendia quentinhas.

— Eu tinha uma Kombi e rodava a cidade. Essa realidade veio quando meu pai morreu e a gente não tinha trabalho — contou a cantora. — Foi extremamente importante na formação do meu caráter. Trabalho é muito bom, só precisa de coragem. Como coragem eu tinha e só me faltava trabalho... Caí dentro.

Nesse momento, Machline perguntou se, naquela época, Ivete aproveitava para dar uns amassos, fazendo aquele gesto com a mão em concha para remeter a sexo.

— Mas isso aí tá parecendo mais aquele gesto de limpar privada, meu filho! Uma coisa que eu tenho feito demais nessa pandemia... — brincou a cantora, antes de interpretar uma música que, segundo ela, desperta a libido das pessoas. — Adoram transar ouvindo essa música. Toca o pau no “Carro velho”... É velho, mas é seu!

Indagada sobre os cuidados com o corpão, a cantora contou que oscila entre achá-lo incrível e o “desespero para encontrar soluções” para mantê-lo.

— Meu trabalho me dá condição física, porque não proponho ao público nada que eu mesma não faça. Esse negócio de tirar o pé do chão... Você tem que tirar também — afirmou. — Mas sou chegada a bater um arrozão com aquele charquezinho e farinha, sabe?

A plateia se divertiu com as tiradas de Ivete, mas os aplausos mais efusivos vieram quando ela se posicionou sobre a censura recente aos artistas que se manifestaram politicamente no festival Lollapalooza.

— Nos tempos de hoje, censura é vergonha. É retrógrado. Já involuímos muito, precisamos caminhar para frente. Temos por obrigação melhorar e qualquer movimento que nos coloque para trás não é bem vindo — definiu. — E se não fosse a arte, viveríamos a realidade de forma muito doída.

A situação dos direitos autorais no Brasil rendeu outro papo sério.

— “Lepo lepo” estourou no mundo inteiro e, quando a gente viu, só tínhamos ganhado 800 reais — criticou Márcio Victor.

Para Ivete, os artistas deveriam poder escolher quem vai cuidar de seus direitos.

— É um monopólio... Fora que acham que a gente fica lá no ócio criativo na beira do mar e vem a composição. Não! A busca pela inspiração é um trabalho danado.

Luz na escuridão

margareth e felipe escandurras - por acaso.jpg

O lamento também apareceu em forma de música quando o compositor Filipe Escandurras abriu com “Várias queixas” o segundo dia de gravação do “Por acaso”, que tem direção de Giovanna Machline. Conhecida pela versão do Olodum e gravada recentemente pelos Gilsons, a música foi a mais tocada do “não carnaval” de rua carioca, aquele que “não aconteceu” no final de fevereiro.

Mas hit carnavalesco mesmo veio quando Margareth Menezes entoou “Faraó — Divindade do Egito” a pedido da plateia. Margareth aproveitou para falar sobre como a releitura de canções “ajuda a refrescar a carreira”.

— A música brasileira é um universo de várias escolas e a Bahia um nascedouro. Para mim, é impossível não querer mergulhar nele. Dorival, Novos Baianos. Sem falar no legado afro, com músicas que contam histórias de reis e rainhas e não das dores da escravidão. Quando essas canções surgiram, foi uma luz — disse.

A baiana revelou ter estranhado quando David Byrne a convidou, na década de 1990, para acompanhá-lo em turnê, após a gravação de “Elegibô” chegar aos ouvidos do cantor americano.

— Eu não falo inglês e mandei perguntarem o que ele queria que eu fizesse. Porque se mandasse eu dar cambalhota, eu não iria. Sei lá, né, um cara de fora chamando uma brasileira, mulata... Mas acabou sendo incrível — contou ela, narrando o episódio que lhe rendeu um contrato com uma gravadora.

Compositor com músicas gravadas por Ivete, Luan Santana, Marília Mendonça, entre outros, Filipe Escandurras arrancou gargalhadas ao contar com muita sinceridade a origem de seu sobrenome artístico.

— Tirei do guitarrista Edgard Escandurra. Ainda estava no Orkut como Felipe Bebezão quando ouvi disco do Kid Abelha em que Paula Toller o apresentava ele de uma forma carinhosa. Gostei tanto do nome que botei até no meu filho. Mas ainda não tive a oportunidade de encontrar o Edgard para contar...

Attooxxa, Hiran, Daniela Mercury, Illy, Nêssa, Afrobapho, Larissa Luz e Lazzo Matumbi também participaram das gravações por "Por acaso" em Salvador.