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Cultura

Green Day lança disco e mostra que, em tempos duros, diversão é a solução, sim

Em 'Father of all motherfuckers', veterano grupo punk americano abdica dos slogans políticos e faz um disco de festa, diferente de tudo que gravou antes
O grupo americano Green Day Foto: Pamela Littky / Divulgação
O grupo americano Green Day Foto: Pamela Littky / Divulgação

RIO - Nos primeiros segundos de audição de “Father of all motherfuckers” (ou “Father of all...” na versão clean para os que possam se sentir ofendidos com profanidades), o que não dá para deixar de se perguntar é: isso é realmente um disco do Green Day ?

O 13º álbum da banda californiana, lançado na última sexta, abre com uma faixa-título que lembra muito mais os suecos Hives , renovadores do rock de garagem dos anos 2000, com vocais em falsete à moda de um Jack White , do que qualquer coisa que a banda tenha gravado. E o som também está diferente do costumeiro, mais próximo do rock contemporâneo, com eco nos vocais e destaque para detalhes, como uma ou outra passagem de baixo.

Estranho, mas não se pode dizer que o trio — nome comercialmente mais bem-sucedido do punk pop — não avisou. Depois de estampar um rádio em chamas na capa de “Revolution Radio” (2016), disco cheio de slogans políticos para a era Trump , ele vem com um unicórnio vomitando um arco-íris e vandalizando a capa de sua reconhecida obra-prima “American idiot” (2004), ópera-rock dos três patetas tocando a real da era Bush.

Detalhe da capa de "Father of all motherfuckers", álbum do grupo americano Green Day Foto: Reprodução
Detalhe da capa de "Father of all motherfuckers", álbum do grupo americano Green Day Foto: Reprodução

Há quem acredite que “Father of all motherfuckers” seja um grande f*-se para o selo Reprise — mas se foi isso mesmo, o Green Day o fez com um belo disco de festa, cheio de finas referências comprimidas em 10 músicas que, juntas, duram meros 26 minutos e 12 segundos.

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Como bem lembrou a revista “Rolling Stone”, “o Green Day existe há 34 anos, tendo passado por seis presidentes, quatro ou cinco guerras estúpidas, alguns colapsos financeiros globais e 17 temporadas de ‘The Voice’.” E agora, a quase 30 anos da estreia fonográfica com o álbum “39/Smooth”, esses músicos à beira da meia-idade tentam uma volta ao som simples e direto do início, só que com o auxílio de Butch Walker (produtor de discos de Fall Out Boy e Weezer — bandas com quem o Green Day andou excursionando recentemente — e Panic! at the Disco ).

Se não é exatamente o que eles prometeram nos outdoors de divulgação — “Sem features, sem compositores suecos, sem beats de trap, 100% puro rock” —, chega bem perto.

Quem acompanha a história do Green Day poderá sacar a semelhança conceitual de “Father of all motherfuckers” com “Stop drop and roll!!!” , álbum que os três lançaram em 2008, com o nome de Foxboro Hottubs , para explorar suas referências do rock e do soul sessentistas. Esse, porém, vai mais longe.“Stab you in the heart” pega emprestado o rock dos anos 1950 “Hippy hippy shake”, de Chan Romero , para fazer algo vigoroso, como o Clash quando pegou “Brand new Cadillac”.

Contra a depressão

Já a alegre “Grafittia” moderniza o glam rock com citação da melodia da “Summertime blues” de Eddie Cochran . E também na seara do glam, “Oh yeah!” usa “Do you wanna touch me (Oh yeah!)” (de Gary Glitter , gravada por Joan Jett ) para fazer uma das faixas mais animadas do álbum.

Mas, de todas elas, “Meet me on the roof” é a que melhor resume o espírito do disco: descontração, descomplicação e alegria juvenil, para celebrar a vida. Ou seja: o oposto de “American idiot” e “Revolution radio”. “Os Estados Unidos estão realmente fodidos, e é difícil tirar alguma inspiração deles, porque isso me deprime”, justificou-se o cantor, guitarrista e compositor Billie Joe Armstrong em entrevista ao “New Musical Express”.

A única faixa mais grave de todo “Father of all motherfuckers” é “Junkies on a high”, reflexão sobre vidas promissoras que as drogas encerraram precocemente. “Beba, emburreça, chupe / enquanto assistimos ao mundo queimar”, canta Billie Joe. No mais, o que há é festa pura e simples, com “Fire, red, aim” (ainda na onda dos Hives), “Sugar youth” (que remete ao passado do Green Day), “I was teenage teenager” (que bem poderia ser uma faixa do Weezer nos anos 1990) e “Take the money and crawl”, com suas inclinações do blues-rock mutante dos Black Keys .

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Longe de ser um dos álbuns de virada de jogo do Green Day, “Father of all motherfuckers” ao menos faz ansiar por um novo show da banda, em que todas essas energéticas e cativantes músicas estejam incorporadas ao set.

Cotação: Bom