Cultura

Historiador constrói romance sobre imóvel em que Oswald de Andrade viveu uma paixão

Baseado em pesquisa documental, José Roberto Walker conta a história do modernista e Miss Cyclone
Garçonnière. Fachada do prédio onde o escritor Oswald de Andrade viveu um romance em 1920 Foto: Marcos Alves / Agência O Globo
Garçonnière. Fachada do prédio onde o escritor Oswald de Andrade viveu um romance em 1920 Foto: Marcos Alves / Agência O Globo

RIO - Um apartamento no centro de São Paulo reuniu, no ano de 1918, um grupo de jovens artistas cheios de sonhos. Capitaneada por Oswald de Andrade, a turma, formada por nomes como Monteiro Lobato, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia e o desenhista Ferrignac, frequentava uma garçonnière no número 452 da Rua Líbero Badaró. Ali, nasceram projetos de livros, houve discussões acaloradas e, é claro, foram vividos amores intensos, como o de Oswald por Daisy, apelidada por ele de Miss Cyclone, mas cujo nome real era Maria de Lourdes. Uma jovem normalista vinda do interior, ela foi a única mulher a integrar o grupo. O que se passou nesse apartamento é a matéria-prima do romance “Neve na manhã de São Paulo”, do historiador José Roberto Walker.

O narrador do romance é Pedro, um amigo de infância de Oswald, testemunha da relação do modernista com Daisy e o único do grupo a não se tornar um artista conhecido. A Miss Cyclone, aliás, era uma mulher em tudo diferente daqueles rapazes oriundos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Por isso, inclusive, arrebatou Oswald e, logo o leitor descobre, também Pedro. A tensão entre os dois amigos é o fio que conduz a trama. O autor conta que o narrador é uma síntese de vários personagens reais.

— O narrador é inspirado no Pedro Rodrigues de Almeida, de quem Oswald fala muito mal nas suas memórias, chama de o maior fracassado da sua geração, diz que ele escrevia o médio do bom gosto, mas nunca conseguiu produzir nada. O Pedro Rodrigues de Almeida só escreveu na juventude, depois virou delegado, promotor e não teve notoriedade nenhuma — conta Walker.

Todos os episódios narrados no livro são verdadeiros, garante o historiador. A licença poética está só com Pedro. As palavras que saem da boca de Oswald foram ditas pelo próprio e recolhidas em jornais e livros de memórias. Para construir o romance, o autor fez uma extensa pesquisa e descobriu o endereço da famosa garçonnière, cujo cotidiano foi registrado em “O perfeito cozinheiro das almas deste mundo”, de Oswald. Walker era fascinado por esse diário que contou com colaborações de todos os frequentadores, inclusive de Daisy.

— Eu me encantei pela história dessa garçonnière quando ainda era estudante e ficou na minha cabeça — afirma o historiador. — O prédio está intacto. Foi difícil encontrá-lo porque a numeração da rua mudou muitas vezes. Ninguém imaginou que o prédio ainda estivesse de pé. Afinal, isso aqui é São Paulo, onde se destrói e se constrói outra coisa em cima. Estou tentando mover os poderes da cidade para tombá-lo. Seria uma pena perdê-lo.

É possível dizer que, além de Oswald, outro protagonista do romance é a cidade de São Paulo. Walker reconstrói o ambiente da nova metrópole às portas do modernismo. Estudioso da história da capital paulista, ele destaca o crescimento vertiginoso do município entre o nascimento de Oswald, em 1890, e o início da década de 1920, saltando de 60 mil para 500 mil habitantes. O agigantamento se refletiu em mudanças na paisagem urbana e também nos hábitos locais, muito por influência do afluxo de imigrantes. O modernista foi marcado por essa transição.

— Oswald foi um iconoclasta que não respeitou as tradições e as instituições, mas ao mesmo tempo ele tem um pé nessas tradições. Ele é filho de uma família tradicional. É um personagem contraditório o tempo todo.