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Cultura

'Homens devem ser parte da solução do machismo', diz criador de 'Bom dia, Verônica'

Autor do romance que deu origem à produção da Netflix, ele garante para 2021 o lançamento do livro 'Boa tarde, Verônica', em que repete a parceria com a criminóloga Ilana Casoy
Camila Morgano (Janete) e Tainá Müller (Verônica) na série 'Bom dia, Verônica' Foto: Suzanna Tierie / Netflix
Camila Morgano (Janete) e Tainá Müller (Verônica) na série 'Bom dia, Verônica' Foto: Suzanna Tierie / Netflix

RIO — Há três anos, quando foi procurado pela Netflix para desenvolver uma série de suspense, Raphael Montes não titubeou ao oferecer a adaptação do livro “Bom dia Verônica”, lançado em 2016. Mas, àquela altura, ele tinha a missão dupla de emplacar sua sugestão e também manter sob sigilo o pseudônimo de Andrea Killmore. Apenas em 2019, na Bienal do Livro do Rio, o mundo descobriu que Andrea, na verdade, era a identidade secreta de Raphael e da criminóloga Ilana Casoy , verdadeiros autores da obra.

— Em uma reunião em São Paulo, propus adaptar o livro em oito episódios, sem contar que era um dos autores. Expliquei as mudanças que pretendia fazer, as curvas de cada personagem, os ganchos dos episódios e eles decidiram comprar o projeto — relembra o escritor.

Com uma cláusula de confidencialidade assinada com a Netflix, Raphael se entregou ao desenvolvimento da série estrelada por Tainá Müller, Eduardo Moscovis e Camila Morgado que mostra a caça da escrivã da polícia Verônica Torres (Müller) a um serial killer . Criador, roteirista-chefe e produtor executivo do projeto, ele conta que “Bom dia, Verônica” representa um importante passo à frente em sua carreira de contador de histórias audiovisuais.

Em sua trajetória, Raphael, de 30 anos, acumula passagens como roteirista da série “Espinosa”, do GNT, e “Supermax”, da Globo, além de uma colaboração com João Emanuel Carneiro na novela “A regra do jogo”.

— Com “Bom dia, Verônica”, queria fazer um thriller para maratonar. E agora estou descobrindo minha marca autoral no audiovisual: contar historias que se vinculam com o espectador através do coração, não do cérebro.

Violência doméstica e corrupção policial

Montes acredita que o casamento entre um gênero universalizado como o thriller e as particularidades brasileiras é a chave para fugir do que ele chama de “cópia barata” do que é feito mundo afora. No caso de “Bom dia, Verônica”, chamam atenção dois debates: violência doméstica e corrupção policial.

— A narrativa da série gera identificação no público brasileiro ao inserir um serial killer em nossa realidade. Mas também buscamos utilizar o subtexto para sair da mesmice, usar o silêncio como resposta em muitos diálogos.

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Por falar em silêncio, quem já assistiu à série sabe que os episódios exibem em seu final uma mensagem que alerta para a necessidade de denúncia em casos de violência doméstica. Nas redes sociais, muitas pessoas também vêm debatendo avidamente a forma crua como “Bom dia, Verônica” trata o tema.

Para Raphael, que comandou as salas de roteiro da produção, sua equipe teve o cuidado de não utilizar as cenas violentas como mero recurso narrativo, podendo esbarrar na gratuidade.

— A campanha encorajadora que mostramos no fim dos episódios é parte de um debate que precisávamos levantar. Mas a série encara o tema através da dramaturgia, sem ser de forma panfletária. Mostramos o ciclo completo da violência doméstica — diz Raphael, que se sente à vontade ao dissertar sobre um assunto que tem as mulheres como alvo — Machismo é uma construção do homem, então ele deve fazer parte da solução. Não é tema exclusivo de um debate feminino.

'Boa tarde, Verônica'

Tainá Müller em cena da série 'Bom dia, Verônica': violência doméstica no centro da trama Foto: SUZANNA TIERIE/NETFLIX
Tainá Müller em cena da série 'Bom dia, Verônica': violência doméstica no centro da trama Foto: SUZANNA TIERIE/NETFLIX

E para os que já devoraram livro e série, fica o alento: Raphael e Ilona devem lançar o livro “Boa tarde, Verônica” em 2021, e, mais à frente, “Boa noite, Verônica”, o que abre as portas para a confirmação de pelo menos mais duas temporadas da produção da Netflix.

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Na visão de Taina Müller, não há problema algum nisso.

— Se depender de mim, vai ter até “Chega, Verônica” — diz a atriz.

Já Raphael, além da continuação da saga da corajosa escrivã paulistana, tem como projetos vindouros o lançamento do romance “Os vizinhos”, também em 2021. A trama gira em torno de um jovem casal gay que se muda para um prédio em Copacabana, onde coisas estranhas começam a acontecer.

— Tenho vontade de adaptar outros romances meus para o audiovisual, especialmente “Suicidas” e “Jantar secreto” — diz o autor, com mais de 125 mil exemplares vendidos no Brasil — Mas, de concreto, agora estou trabalhando num projeto com uma pegada Agatha Christie, conversando com canais de TV. E também assino o roteiro de "Uma família feliz", filme que vai ser dirigido pelo José Eduardo Belmonte. É um thriller psicológico que vamos rodar quando a pandemia acabar.