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Cultura

Humoristas apontam legado de Paulo Gustavo: 'Podia compará-lo a Oscarito, Mazaroppi, mas humoristas são insubstituíveis'

O timing, a capacidade de fazer humor crítico sem ofender, unir classes sociais e ideologias diferentes eram características do humorista, segundo Bruno Mazzeo, Tatá Werneck, Fernanda Torres, Rafael Infante, Dani Calabresa e Ingrid Guimarães, entre outros
Paulo Gustavo revolucionou o humor brasileiro e deixou um legado que permanecerá, dizem colegas de profissão Foto: Bob Wolfenson / Divulgação
Paulo Gustavo revolucionou o humor brasileiro e deixou um legado que permanecerá, dizem colegas de profissão Foto: Bob Wolfenson / Divulgação

Depois de conquistar o Brasil inteiro com seus múltiplos personagens em peças de teatro, filmes e programas de TV, foi um Paulo Gustavo de cara limpa que cativou um público bem específico nos últimos tempos: os médicos e enfermeiros do hospital em Copacabana, ele ficou internado lutando contra a Covid-19 por quase dois meses , até a última terça-feira, quando o ator morreu . Durante todo o tempo em que esteve consciente, o comediante surpreendia os funcionários com seu humor inabalável. Fazia tudo para animar aquele ambiente.

Tatá Werneck conta que nas duas ligações por Facetime que recebeu do amigo da cama do hospital, ele contou que era justamente o humor que o estava salvando naqueles momentos duros. E ela entendeu tudo, já que sabe bem o que era conviver com ele (“não tive um dia mais ou menos com o Paulo, parecia que ensaiava antes para tudo ser tão especial”, conta).

Ao telefone, o ator se mostrou emocionado com algo que os enfermeiros repetiam: que não haveria corredor suficiente no hospital para abrigar tanta gente que o aplaudiria quando se recuperasse. Infelizmente, isso não aconteceu, mas os aplausos vieram. Quando recebeu a notícia de que o quadro do humorista era irreversível, Tatá começou a aplaudi-lo, enquanto gritava “bravo!” pela janela de casa. Ligou para Ingrid Guimarães e Heloísa Périssé, e as duas engrossaram o coro.

Craque em fazer graça das situações cotidianas, Paulo alcançou sucesso estrondoso com seu humor acessível, incrível domínio de cena e a capacidade de se desdobrar em vários personagens ("era um one man show ", definiu a crítica de TV do GLOBO, Patrícia Kogut ). Fez uma revolução na comédia brasileira com seu estilo original, ressalta Bruno Mazzeo.

Oscarito, Mazaroppi...

— Nenhum comediante dessa geração arrastou uma legião de fãs tão grande quanto Paulo. Eu podia, nesse sentido, compará-lo a Oscarito, Zé Trindade, Mazaroppi... Mas humoristas são insubstituíveis. Paulo é único. Nunca mais haverá outro. E seus personagens são eternos. Cumpriu com perfeição essa missão tão bonita, que é fazer rir — afirma Bruno.

Tatá fica orgulhosa de ver como ele influenciou novas gerações. Enxerga referências a Paulo no trabalho de vários comediantes da atualidade.

— Ele criou uma embocadura, uma entonação, uma maneira de falar coisas absurdas com uma licença poética que o permitia criticar o que ninguém consegue criticar. Hoje, a gente vê várias pessoas falando e agindo como ele. Está deixando um legado de filmes incrível, histórias de emoção e personagens lendários. É perfeccionista, pensa em cada detalhe, não aceita nada mal feito — diz ela, que não consegue falar do amigo no passado "porque o Paulo é vida".

A capacidade de transitar por diversos meios artísticos, usando o palco como trampolim para as telas, é destacada por Fernanda Torres .

— Ele explodiu no teatro e expandiu sua influência para a televisão e o cinema. Foi um catalisador para a cultura brasileira. Na hora de crise, de mudança nos hábitos do espectador, de ataque às artes, ele surgiu remando pela raia sete e virou fenômeno — define a atriz. — Paulo tinha uma independência impressionante, assumia risco produzindo suas próprias peças e filmes. É uma perda muito grande porque ele sozinho, com uma linguagem direta, popular, garantiu uma fatia muito relevante do público e do mercado.

Paulo não só gerou empregos e levou alegria ao público brasileiro, como uniu as mais diferentes classes sociais, credos e ideologias em torno de seus personagens.

'Combateu a brutalidade sem ódio'

— Numa hora tacanha e preconceituosa como essa, ele encarnou mulheres, homens, gays e uma mãe que compreendia que o mundo é diverso, doido e amoroso. O Paulo se casou com o Thales, teve filhos e combateu essa brutalidade macha, bronca, sem rancor ou ódio — continua Fernanda. — Era a última pessoa que eu pensaria que poderia partir agora. Caetano ( Veloso ) falou muito bem quando disse que o Paulo é o nosso "sim". Passei o dia vendo a CPI da Covid e, de noite, veio a notícia da morte dele. Foi muito chocante e significativo. Espero que o Brasil honre o Paulo e diga não ao não.

A forma de falar sobre sexualidade sem ofender ninguém foi um dos atos mais revolucionários de Paulo, segundo o humorista Rafael Infante.

— Ele falava de sexualidade sem estar no lugar de apontamento ou de bullying. Isso é completamente revolucionário, assim como fazer todos gargalharem fazendo um humor que não escolhia classe social ou tipo de pensamento. Fora o timing e o fato de ter sido o primeiro a fazer de forma grandiosa essa passagem por todas as mídias.

Dani Calabresa o define como "máquina criativa".

— Paulo revolucionou as bilheterias de teatro e cinema, levou milhoes de brasileiros às gargalhadas. Ficaremos com seu imenso legado e carinho — afirma a humorista e apresentadora.

Produtora da trilogia “Minha mãe é uma peça”, Iafa Britz lembra que este ano o projeto viraria série na TV Globo, no Globoplay e no Multishow.

— Quando terminou o “Minha mãe é uma peça 3”, já sabíamos da série. Uma das últimas vezes em que conversamos, um mês antes da internação, ele disse: “Vamos falar com o Fil (Braz, roteirista) para começar a pensar no 4?” — diz Iafa, para quem Paulo foi responsável por uma mudança de paradigma no cinema de humor. — Ele tinha um jeito de falar diferente e mais acelerado e os filmes com estruturas dramatúrgicas distintas do que era feito até então. Veio com um humor crítico, que falava das nossas questões e disfuncionalidades de forma leve. E abordava coisas sérias pra todo mundo. Com ele, iniciou-se uma nova comédia no cinema e uma nova geração de profissionais.

Ingrid Guimarães endossa.

— Ele representou uma era onde nós comediantes viramos protagonistas de cinema. Paulo provou que rir de si mesmo é uma maneira de se aceitar. Elevou o nível da comédia no Brasil. Paulo curou preconceito, depressão e tristeza através do riso. Era bom amigo, bom marido e bom filho. A vida sem ele vai ficar bem mais sem graça - lamenta Ingrid.

Amigo e parceiro de profissão que montou o primeiro espetáculo com Paulo Gustavo, Fábio Porchat exalta reforça o legado do ator.

— O mundo perde um comediante gigante. A pessoa mais engraçada que eu já vi é o Paulo. Digo “é” porque seu legado e sua memória ficam.

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Piadas contextualizadas

Susana Garcia, amiga e diretora de “Minha vida em Marte” e “Minha mãe é uma peça 3”, e que também dirigiria a série para a Globo, lembra o esmero do ator no processo criativo (“Ele ia para o set de filmagem com o roteiro muito amadurecido. Uma cena que já estava nota 10, ele conseguia fazer ela melhor ainda”, conta), e também fala da revolução que ele provocou no cinema.

— Ele buscava um humor verdadeiro e que causasse identificação. Nunca era piada pela piada, era sempre contextualizada. A Hermínia tinha uma tinta forte, mas ela fazia o que a gente queria fazer e não tínhamos coragem. As pessoas se divertem, mas se identificam e se emocionam com as situações vividas pelos personagens. É um humor que causa questionamento e reflexão — aponta Susana, lembrando que Paulo planejava fazer “Minha vida em Marte 2”, com Mônica Martelli, e “O agente especial” com Marcus Majella.

Amigo que montou o primeiro espetáculo com Paulo Gustavo, Fábio Porchat exalta reforça o legado do ator.

— O mundo perde um comediante gigante. A pessoa mais engraçada que eu já vi é o Paulo. Digo “é” porque seu legado e sua memória ficam.

Até Renato Aragão, o eterno Didi Mocó, faz sua reverência.

— O humor brasileiro certamente foi enriquecido pelo talento do Paulo Gustavo. Sua alegria, sagacidade, seu profissionalismo jamais serão apagados da nossa história.

* Colaborou Talita Duvanel