Joaquim Ferreira dos Santos
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Joaquim Ferreira dos Santos

Tudo que for notícia - mas escrita de outro jeito, como se não fosse.

Informações da coluna

Joaquim Ferreira dos Santos

Nasceu no Rio e é jornalista há 50 anos, tendo trabalhado nos principais veículos do país. Publicou dez livros, entre eles a biografia de Leila Diniz.

Dizem que foi mais um roubo da gangue do cordão de ouro, dizem também que pode ter sido o bonde do ônibus 474, tantas são as quadrilhas espalhadas pelo Natal da cidade.

Eu só sei que roubaram o sapatinho que botei na janela do quintal. Por isso vão aqui, em aberto, os pedidos para que Papai Noel se compadeça deste pacato cidadão que passou o ano amando o próximo como se fosse a si mesmo, com toda a paciência, estima e consideração, e agora se acha no direito de pedir a recompensa pelo esforço.

Quero pouco, apenas presentes municipais. Além de nos livrar desses bandidos — pode ter sido a gangue dos justiceiros de Copacabana, dos falsos entregadores de comida de Botafogo —, eu tenho cá comigo, Papai Noel, que é preciso devolver paz à cidade. Quero ouvir de novo o Paul McCartney, e que se ponha no lugar do ratatatá da metralhadora o que ele sugeriu no Maracanã, a alegria encantadora do obladiobladá. A vida precisa ir em frente com seus balões coloridos.

O poeta Eucanaã Ferraz me disse que o roubo tem todo o jeito de ação da gangue da correntinha, e que em breve eles retornarão para levar nossos cofres-fortes, carteiras, critérios e, mais ainda, nossos 11 cartões de crédito. Rouba-se de tudo — e ao findar desta edição juntava-se aos ratos de praia, ao sindicato do crime e ao Terceiro Comando a suspeita sobre a malandragem de mandato estadual, descoberta pela polícia no palácio em Laranjeiras. Aqui, todos têm um clube de futebol, uma escola de samba e uma facção.

Seja qual dessas gangues for — investiga-se também mais um capítulo da briga dos bicheiros Rogério Andrade e Bernardo Bello —, eu nem peço de volta o sapatinho da janela do quintal. Era um Mr. Cat fora de moda. Eu só quero que devolvam as calçadas por onde ele andou, para que, de sapato novo ou chinela d’antiga, possa flanar, chutar tampinha, e recolher para a página do jornal a poesia que a cidade espalha no chão.

Chico Buarque identificou a caravana do Arará, o comboio da Penha, mas pode ter sido um amigo dos amigos ou alguma dissidência da milícia do Zinho em confronto na Zona Oeste com a turma do Abelha. O que não falta é suspeito. Na noite feliz, na data máxima da cristandade, um deles, talvez alguém saído de um arrastão da Francisco Otaviano, apossou-se do sapatinho onde estaria o meu presente municipal mais ansiado — a reforma do Jardim de Alá.

Não adianta chamar o Bope ou escrever para a seção de cartas dos leitores com exclamações indignadas. “Descalabro!!!!!”, “até quando?!!!!!”. Perdeu, playboy. Já era, mermão.

Eu esperava encontrar no sapatinho roubado pela gangue da bicicleta, quiçá pela gangue da saída do Engenhão, alguma boa notícia sobre a derrubada dos quiosques da orla, uma implosão desses barracos, o que permitiria novamente às nossas retinas jamais cansadas a visão fabulosa das águas do Atlântico — e, lá ao fundo do horizonte, a pontinha sorridente do Cabo da Boa Esperança.

Eu não peço muito, Papai Noel. Menos ratatatá dos bandidos, menos blablabá dos políticos, e mais volume, mais grave, mais agudo, no coro de anjos embalando a cidade com um interminável nanananananana.

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