Joaquim Ferreira dos Santos
PUBLICIDADE
Joaquim Ferreira dos Santos

Tudo que for notícia - mas escrita de outro jeito, como se não fosse.

Informações da coluna

Joaquim Ferreira dos Santos

Nasceu no Rio e é jornalista há 50 anos, tendo trabalhado nos principais veículos do país. Publicou dez livros, entre eles a biografia de Leila Diniz.

Por Joaquim Ferreira dos Santos

O sujeito fantasiado de dinossauro corria ao lado de uma Pedrita, e nossas passadas já estavam íntimas, tinham se cruzado na descida para o Pacaembu e na volta pela Praça da República. Na subida da Brigadeiro, eu, fantasiado apenas com a camiseta da corrida, comemorei com o colega o fato de faltar apenas 1km para completar os 15 da São Silvestre: “U-hu! Os dinossauros estamos vivos” – e acelerei, disputando uma prova particular de corredores pré-históricos.

Escrever é uma atividade física. Dói. Na busca de alguma ideia que vá preenchendo as linhas, o cérebro espreme os ombros na direção do cóccix, que por sua vez irradia choques de ansiedade aos ciáticos. Cabe a estes o fim da cadeia de aflições, retransmitindo o pedido de socorro à planta dos pés.

Experimente ficar horas nessa malhação, um estupor agravado pelo estresse de quando nada resulta em coisa alguma – e tenho certeza que qualquer um entenderá porque eu corri a São Silvestre no último dia de 2023. Não foi ordem médica, desejo de viver uma eternidade, de levar um papo de superação, tirar onda de Zatopek intelectual ou melhorar meu crédito de carbono com o planeta. Necas.

Correr longas distâncias nas ruas é a maneira muito particular de me preparar para cumprir esta maratona profissional de fazer uma palavra ficar de mãos dadas com a outra, todas regidas pelo congraçamento aeróbico das vírgulas e a boa articulação dos joelhos verbais. Ler Damon Runyon, um autor que dá a impressão de não haver coisa mais fácil do que escrever, pode ajudar e funcionar como aquecimento. Mas, vai por mim: corra!

Os parágrafos de um texto como este precisam ser abertos ao ritmo compassado dos alvéolos semânticos, permitindo que a ventilação das ideias percorra todos os 3200 caracteres quilométricos do texto. Uma crônica precisa respirar com naturalidade, em passadas felizes, até cruzar o pórtico do ponto final sem precisar da ajuda de aparelhos.

Perguntado certa vez sobre o ato de escrever, Verissimo disse que o pânico ajuda muito. Eu corro. Dá prazer, claro, mas ajuda também a manter esticado o peitoral e não deixar que o tronco, sobrecarregado pelo esforço de sustentar uma cabeça aflita, vá aos poucos colapsando até o desmoronamento total sobre a tela do computador.

O Rio de Janeiro é a pista mais deslumbrante do mundo para esse body building com fins literários. Tem dias, no trecho da Lagoa conhecido como Retão de Ipanema, em que as garças sobrevoam a cena e, quando se olha para admirá-las, ganha-se o plus do Cristo no Corcovado. Divino. Como tudo mais, no entanto, ficou perigoso. As equipes de academias de corrida, as motos, as bicicletas e os buracos tornaram o circuito um caos (veja foto no blog da coluna). Virou o avesso do avesso da ideia inicial, de correr para manter a mente quieta, a espinha ereta, o coração tranquilo e as palavras voando entre as vírgulas, felizes como borboletas amarelas, na hora de escrever.

Use filtro solar nos verbos, roupas leves nos adjetivos e hidrate ao máximo os substantivos. Se precisar de uma bula mais extensa de benefícios, leia o japonês Haruki Murakami em “Do que eu falo quando eu falo de corrida”, que dedica toda a sua obra, dúzias de best-sellers, ao fato de correr 10km todo dia. Tenha cuidado com os perigos no Retão de Ipanema, mas mesmo assim faça como os dinossauros fizeram na São Silvestre. Sebo nas canelas! Corra!

Mais recente Próxima O Brasil AM, mais delicado, sai do ar