José Eduardo Agualusa
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José Eduardo Agualusa

Jornalista, escritor e editor.

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José Eduardo Agualusa

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GERADO EM: 14/09/2024 - 04:30

"A corrosão da democracia pelo populismo: desafios e perspectivas pós-Trump"

O artigo aborda a corrosão da democracia pelo populismo, exemplificado por Trump. Destaca a necessidade de regenerar a democracia frente à disseminação da ignorância e desafios tecnológicos. Aponta que o veneno populista persistirá pós-Trump, exigindo esforços para restaurar os valores democráticos.

Não estou muito interessado em discutir quem ganhou o debate do último dia 10 entre Donald Trump e Kamala Harris. Sei quem perdeu — a democracia americana. Ou, antes, a democracia.

Aquele foi um espetáculo dirigido aos eleitores norte-americanos. Porém, era aberto. Vi-o em minha casa, na Ilha de Moçambique. Muitos milhões de africanos, de latino-americanos, de asiáticos e de europeus também o viram.

E o que viram? Viram um antigo presidente dos Estados Unidos da América insultando o sistema democrático. Troçando dele. Degradando-o. Esse antigo presidente, Donald Trump, insistiu ali mesmo, diante do mundo inteiro, na tese segundo a qual terá vencido o anterior pleito eleitoral. Kamala desmentiu-o, mas sem a formidável indignação que uma afirmação tão grave quanto aquela deveria suscitar.

Kamala também disse que muitos dirigentes mundiais riem de Trump. Infelizmente, toda essa gente que se ri de Trump (dirigentes e dirigidos) não está rindo apenas do disparatado cidadão Donald John Trump. Riem daquilo que Trump representou e ainda representa. Riem do fato de alguém como Trump estar concorrendo para a presidência dos EUA, com o apoio do Partido Republicano e de quase metade da população do país.

Aqui, neste remoto recanto de África, escuto nas ruas os comentários de pessoas comuns, espantadas com o fato de uma democracia poderosa ter como líderes figuras da baixeza moral, cívica e intelectual de um Donald Trump. Muitas outras pessoas, em países sujeitos a regimes totalitários, ou em democracias frágeis e emergentes, estarão fazendo comentários semelhantes.

Não foi Vladimir Putin quem inventou Donald Trump. Para o ditador russo, contudo, Trump é a arma mais poderosa de que dispõe no combate contra os Estados Unidos. Corrijo: no combate contra a própria ideia de democracia, que é, no fundo, aquilo que ele realmente receia.

Kamala vencerá as próximas eleições. Donald Trump perderá tudo. Logo será abandonado pelos seus seguidores, pela atual esposa, pelos filhos, e passará o resto da vida respondendo a processos criminais, de tribunal em tribunal. Nessa altura talvez se arrependa de não ter desistido em favor, por exemplo, de Nikky Haley, que, uma vez eleita, certamente o anistiaria.

Porém, o veneno populista não desaparecerá com Trump. Está instalado no sistema, e continuará corroendo-o e aviltando-o.

Os americanos precisam pensar em como regenerar e modernizar a sua democracia. Isto vale também para os europeus. Vale também para o Brasil. O Ocidente enfrenta uma grave crise de identidade e de valores. A sua influência global vem declinando, na mesma medida em que, por exemplo, a China se fortalece e se afirma.

As novas tecnologias trouxeram desafios inéditos para as democracias. A democratização do conhecimento veio de mãos dadas com a democratização da ignorância, do erro, do puro disparate, abrindo espaço para os príncipes da mentira.

É possível salvar as democracias? Acredito que sim, mas não será tarefa fácil.

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