José Eduardo Agualusa
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Nos últimos anos virou regra, no início de um debate qualquer, pedir aos participantes que se autodescrevam. Essa imposição incomoda-me tanto quanto aquela pergunta que, volta e meia, os jornalistas atiram aos entrevistados:

— Quem é você?

Tenho duas opções: minto, dizendo que sou isto ou aquilo, uma trivialidade qualquer, que é o que as pessoas querem ouvir, ou digo a verdade, desconcertando o entrevistador. Qual é a verdade? A verdade é que não sei quem sou. Nem sequer sei exatamente o que sou. Um ser humano? Sim, mas o que significa isso — ser humano?

Sou uma entidade em trânsito, que, de manhã, ao despertar, veste um corpo. Esse corpo serve-me para comunicar com a realidade e com outras entidades semelhantes a mim. Contudo, não sou esse corpo. Não sou nem homem nem mulher, nem jovem nem velho, e tampouco sou uma raça.

Se me fosse possível mudar de corpo, como quem muda de camisa, eu transitaria alegremente por outros muito diferentes do que aquele que estou usando agora. Experimentaria corpos de homens e de mulheres, altos e baixos, gordos e magros, e de todos os tons de pele.

Nem sequer me reconheço no nome que os meus pais escolheram para mim. Aceito-o, porque preciso. Contudo, também não sou um nome.

No meu caso, como escritor, a pergunta “quem é você?” soa particularmente absurda. Sou todos!

“Nos últimos dias não tenho conseguido ser senão eu”, queixou-se Fernando Pessoa, em carta ao poeta Mário de Sá Carneiro, no dia em que este cometeu suicídio, ou seja, a 26 de abril de 1916. “Sou apenas eu dias inteiros. Venho morrendo de solidão.”

Suponho que a autodescrição tem por generoso objetivo ajudar pessoas cegas. Creio, porém, que quem decide assistir à palestra de um escritor não está muito preocupado com o seu aspecto físico ou com a forma com que ele apresenta vestido. A autodescrição pode fazer sentido numa conferência de cosplayers, por exemplo, mas não num debate literário.

Pedir a um escritor que se autodescreva é ainda pior do que lhe perguntar: “Quem é você?”

Consigo imaginar fórmulas um pouco mais interessantes, e mais úteis, para dar início a uma palestra literária. Muito antigamente — no tempo do caparandanda, como se diz em Angola —, quando duas quibucas (caravanas) se encontravam nos vastos sertões africanos, e se sentavam para conversar sob a copa frondosa de uma mangueira ou de uma mulemba, a primeira pergunta que o chefe de uma colocava ao chefe da outra era:

— Lá, de onde vocês vêm, que histórias os corvos contam às pessoas?

As histórias que os espíritos dos ancestrais contam aos viventes, essas, sim, dizem muito sobre o lugar de onde cada um de nós provém, e sobre quem genuinamente somos.

Contar uma história, apenas isso, já nos define. Em todo o caso define-nos muito mais do que o gênero, o nome, o acaso genético de nascer com o cabelo liso ou ondulado.

Saber ouvir uma história, por outro lado, parece-me tão importante quanto saber contá-la. Saber ouvir o outro, aceitar a história do outro, é já aceitá-lo.

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