José Eduardo Agualusa
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A publicação de um romance inédito de Gabriel García Márquez, uma década após a morte do grande mestre colombiano, surpreendeu os seus leitores, ao mesmo tempo em que reacendeu um debate antigo: até que ponto é correto publicar um livro que o seu autor preferia ter destruído?

Não sei responder a esta questão. À medida que envelheço, tenho vindo a perder certezas, juntamente com o cabelo. Afinal, amadurecer talvez seja isso — perder as certezas, aprender a valorizar a dúvida e a viver com ela.

O novo romance de García Márquez está chegando às livrarias do mundo inteiro enquanto escrevo estas linhas. Chama-se “Em agosto nos vemos”, e no Brasil foi traduzido para a Record por Eric Nepomuceno. Vou comprá-lo mal conclua estas linhas. Não espero uma obra-prima. Por algum motivo Gabo terá dito aos filhos que o romance era mau e que deviam destruir os originais; mais tarde, parece ter recuado na decisão, permitindo que fossem os seus descendentes, depois que morresse, a decidirem o destino dos originais.

Regra geral, os críticos insurgem-se contra os romances póstumos, que os respectivos autores recusaram, quando estes desiludem. Nessa altura, desancam os responsáveis pela publicação das obras, quase sempre as viúvas ou os filhos dos escritores, acusando-os de ganância e de oportunismo. Porém, caso os livros surpreendam, caso se revelem excepcionais, elogiam aqueles que ousaram contrariar o último desejo dos escritores.

Basta pensar em Max Brod. Embora tenha publicado obra extensa e importante, Brod é mais conhecido, e mais celebrado, por ter descumprido as instruções de um dos seus melhores amigos, Franz Kafka, o qual lhe entregou um conjunto de originais, dizendo: “Isto deve ser queimado sem ser lido.”

Brod não só leu os textos, como os publicou. Graças a esta simpática traição, a grande literatura universal ganhou “O processo”, “O castelo” e “Amerika”.

Quanto aos romances que bem podiam ter sido queimados, antes que alguém os lesse, como “A tragédia da Rua das Flores”, de Eça de Queirós, a sua publicação também não prejudicou ninguém, muito menos o autor. O livro, escrito entre 1877 e 1878, provocou forte celeuma na altura da sua surpreendente publicação, em 1982. Porém, logo foi esquecido.

Quando um escritor escreve uma página de que não gosta, ele mesmo a destrói. Destruir uma página nunca foi difícil — difícil é escrevê-la. Agora imaginemos um escritor na solidão do seu ofício, horas e horas, meses seguidos, debruçado sobre a ínfima infinitude de um universo em gestação. Concluído o livro, desgostoso com o resultado, guarda-o. Eventualmente confia-o ao seu melhor amigo para que o destrua. Fica a suspeita de que talvez não o quisesse destruir.

Os filhos de Gabriel García Márquez justificaram assim a decisão de publicar o novo romance: “Num ato de traição, decidimos antepor o prazer dos seus leitores a todas as outras considerações. Se eles o celebrarem é possível que Gabo nos perdoe.”

Enquanto leitor devoto de García Márquez ficarei feliz se encontrar em duas ou três linhas deste seu novo romance um pouco da mesma luz festiva que percorre títulos como “O amor nos tempos do cólera” ou “O outono do patriarca” (os meus preferidos). E estou certo de que encontrarei.

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