Cultura

Justiça nega liminar a favor de renovação de contrato da Cinemateca Brasileira

Ministério Público Federal de São Paulo tentava novo acordo urgente de gestão entre a instituição e a Associação Roquette Pinto
Fachada da Cinemateca, na Vila Clementino, Zona Sul de São Paulo Foto: Vivian Reis
Fachada da Cinemateca, na Vila Clementino, Zona Sul de São Paulo Foto: Vivian Reis

RIO — Um pedido do Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo para que houvesse uma renovação de contrato da Cinemateca Brasileira com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp) foi negado pela Justiça Federal. A vigência do convênio anterior venceu no final 2019. A liminar tentava fazer com que um novo acordo urgente para a gestão da instituição fosse acertado até o final deste ano.

Sobre o pedido do MPF, que alegava estrangulamento financeiro e abandono adminsitrativo da Cinemateca por parte da União, a júiza federal Ana Lúcia Petri Betto diz em trecho de seu parecer: "não vislumbro, nesse exame de cognição sumária, apresença dos requisitos ensejadores da tutela pretendida."

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A magistrada ainda afirma que "ao contrário, há elementos que indicam a tomada de providências emergenciais pela União Federal para preservação do acervo da Cinemateca Brasileira." No último mês, a administração da Cinemateca se negou a entregar as chaves do edifício , situado na Vila Clementino, Zona Sul de Sao Paulo, ao novo secretário especial da Cultura, Mario Frias.

— Eu achei inacreditável que a juíza não reconheça o caráter emergencial da liminar, é um absurdo. É algo difícil de entender, porque todos sabem a situação que a Cinemateca se encontra.  — afirma o cineasta Roberto Gervitz, um dos organizadores do movimento SOS Cinemateca. — Quando a ação surgiu, o governo começou a correr para parecer que estava fazendo algo, mas ele não faz nada há mais de um ano. Desde de 2019 que não cumpre com suas obrigações.

No dia 23 de junho, após visita à Cinemateca Brasileira, Frias e Marcelo Álvaro Antônio, Ministro do Turismo, postaram numa rede social que suas pastas seguem "trabalhando para definir, dentro das competências institucionais e da legalidade, a forma ideal para o funcionamento pleno e a reincorporação da Cinemateca à União”.

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— O governo não apresentou nenhuma solução para os funcionários que estão há quatro meses sem receber. É uma operação de desmonte das instituições culturais brasileiras. A Cinemateca é um tesouro do nosso olhar, da nossa identidade, de quem nós somos e de quem nós fomos. É um choque, a juíza devia forçar um entendimento mínimo, porque a Cinemateca está sendo usada como refém de uma briga política. Isso me causa revolta e indignação — desabafa Gervitz.

Maior acervo da América do Sul

Professor da USP e diretor da Cinemateca entre 1987 e 1992, Carlos Augusto Calil diz que a decisão da juíza parece "totalmente alienada":

— Ela lavou as mãos. A parte muito estranha é que ela não reconhece urgência da situação da Cinemateca. São oito meses sem receber recursos do governo federal, os salários estão atrasados, as contas de luz não foram pagas. E isso é um risco, pois grande parte dos documentos são preservados em ambientes com temperatura controlada.

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Responsável pela preservação e a difusão do acervo audiovisual brasileiro há 64 anos, a Cinemateca abriga 250 mil rolos de filmes e mais de um milhão de documentos, incluindo filmes da Atlântida, da Cinédia, da Vera Cruz e do Canal 100. É o maior acervo do gênero em toda a América do Sul.

Sem recursos federais desde o início do ano, a memória do cinema brasileiro corre risco. No final de junho, a brigada de incêndio da Cinemateca, que é terceirizada, abandonou o trabalho. Durante sua história, o órgão já enfrentou quatro incêndios. A liminar que pedia a renovação de contrato com a Acerp esperava que houvesse o repasse do orçamento previsto de R$ 12 milhões para a gestão da instituição em 2020.