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Cultura

Kings of Leon saem em busca do valor que a música perdeu

‘Sinto saudade do cheiro da loja de discos’, diz vocalista da banda americana, que lança álbum em NFT, plataforma com tecnologia blockchain
O grupo americano Kings of Leon, com Caleb Folowill (o segundo da direita para a esquerda) Foto: Divulgação
O grupo americano Kings of Leon, com Caleb Folowill (o segundo da direita para a esquerda) Foto: Divulgação

RIO - Aos 39 anos, o americano Caleb Followill, cantor e guitarrista do grupo Kings of Leon, deixa escapar um suspiro de saudosismo que se esperaria de astros de rock bem mais velhos do que ele.

— Quando você está numa banda, gravando o seu oitavo álbum, começa a se dar conta de que é cada vez mais raro hoje as bandas gravarem álbuns. As pessoas não prestam mais atenção em nada que seja longo — lamenta ele, em entrevista por Zoom, para falar de “When you see yourself”, disco que os Kings of Leon lançaram no último dia 5

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Mas a intenção não era a de referir-se somente a um passado glorioso do rock. Eles quiseram fazer história ao tornar-se a primeira banda a lançar um disco também por NFT, plataforma criptográfica, baseada na tecnologia de blockchain, criada para vender pacotes únicos de arte digital .

Por tempo limitado, os fãs poderão comprar uma versão deluxe de “When you see yourself” (com um vinil, acesso ao download das faixas e outros produtos digitais exclusivos, tudo por US$ 50) e 18 tokens, que serão leiloados e darão direito a um ingresso vitalício para os shows da banda.

— Posso tentar explicar um pouco, mas é tudo muito novo e confuso — diz Caleb, admitindo partilhar das muitas dúvidas que as pessoas têm sobre essa novidade tecnológica. — Nós apenas vimos no NFT uma oportunidade de fazer parte do que pode ser o futuro. São as pessoas adquirindo a posse de uma obra de arte e devolvendo aos artistas o controle sobre seu trabalho.

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O músico reconhece não saber quem de fato comprará os NFTs dos Kings of Leon — que, espera-se, poderá valorizar ao trocar de mãos, dada a sua raridade e exclusividade.

— Pode ser colecionador de arte... mas, se vendermos algo, isso vai ajudar o pessoal que trabalha conosco e que não pôde sair em turnê por causa da pandemia — espera. — A música, infelizmente, perdeu o seu valor. Não estou reclamando, a minha vida é boa, mas eu sinto muita saudade do cheiro da loja de discos, sinto saudade de entrar na loja e gastar, sei lá, US$ 12 em algo que iria ser meu. Esse é o sentimento que queremos recuperar.

“When you see yourself” foi gravado antes que a Covid-19 parasse o mundo e teve o seu lançamento adiado.

— E o título ( “quando você vê a si mesmo”, em tradução livre ) acabou ganhando um sentido mais amplo, já que o mundo todo passou a refletir sobre o que é estar preso em casa por um ano, tendo que viver consigo mesmo — diz Caleb. — Nesse tempo, fiz o que muitos fizeram: fiquei em casa, cultivei um pequeno jardim, acordava de manhã, colhia vegetais, cozinhava e ouvia música. Basicamente, aproveitei o fato de estar com a minha família, porque, se as coisas tivessem acontecido como a gente planejou, eu ia ficar muito tempo longe dos meus filhos. Mas ninguém imaginava que a quarentena ia durar tanto.

Letras pessoais

Em suas letras no novo disco, Caleb Folowill se permitiu ser mais pessoal do que de costume. Um destaque é a da melancólica canção “Supermarket”, feita por ele em 2009, mencionando seus problemas com álcool e solidão:

— É uma das canções que eu não lembro de ter posto a caneta no papel ao compor. Ela estava na minha cabeça, não precisava escrever nada. É sobre um tempo em que eu estava apavorado, talvez um pouco solitário... quando se é um músico de sucesso você passa muitas horas sozinho em quartos de hotéis, esperando a hora do show. Essa canção era eu tentando passar por isso.

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O cantor diz não ver a hora de voltar aos palcos.

— Somos uma banda que vive na estrada, nossas malas estão arrumadas na porta de casa. Estamos esperando o sinal verde, só espero não ter de cantar de máscara, acabo perdendo o fôlego — diz ele, que recentemente se encontrou com os companheiros de banda (dois irmãos e um primo) pela primeira vez desde o começo da pandemia para tocar.

Caleb Folowill, com os Kings of Leon, no Rio de Janeiro, em show no Tim Festival de 2005. Foto: Camilla Maia / Agência O Globo
Caleb Folowill, com os Kings of Leon, no Rio de Janeiro, em show no Tim Festival de 2005. Foto: Camilla Maia / Agência O Globo

Caleb lembra bem dos primeiros shows que fez no Brasil com os Kings of Leon, em 2005, no Tim Festival:

— Era incrível a escalação: os Strokes, nós e o Arcade Fire. Todos queríamos aproveitar a praia, mas éramos famosos e, com muitos fãs acampados na porta do hotel, só conseguimos ir por volta de 1h da manhã. Tomamos uns drinques, jogamos futebol, foi especial.