Anitta, imagino que você não vá ler esta carta, o seu tempo deve estar todo dedicado ao lançamento mundial do “Funk generation”. Jornais demandam atenção e você deve ter muito o que fazer. Também imagino que não é fácil ser uma estrela pop, não te faltam exigências e responsabilidades. Em todo caso, vai que alguém próximo lê o Segundo Caderno e te passa o recado?
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O seu novo álbum é ótimo. Parece mesmo o Furacão 2000, numa versão 2024. Muito bom. Sei que milhões ouviram e gostaram, mais um sucesso na sua meteórica carreira. Confesso que, se por um lado as músicas são excelentes, as letras me chocam um pouco: sou do século passado e ainda tenho pruridos com palavrões. Um dinossauro, eu sei. Como tantos — dinossauros ou não —, me espanta a sua carreira, sair do zero para esse lugar onde você está exige um esforço sobre-humano, além de muito talento. Poucos conseguem e você chegou lá. Os seus zilhões de fãs e seguidores devem ter criado um tsunami de elogios para o novo álbum. Como todo tsunami, pode ser algo perigoso.
De uma certa forma, atuamos no mesmo ramo. Parece loucura o que digo, já que você está lá na estratosfera e eu aqui no chão, mas nós dois vivemos de criar coisas. Você, músicas, eu, fotografias e crônicas. Claro que você ocupa um latifúndio do tamanho do mundo e eu apenas um fundo de quintal. No entanto, como estou dando voltas nesta área há décadas, mais do que você tem de vida, posso cometer a ousadia de te dar um pitaco. Algo que aprendi não só no meu quintal, mas observando o dos outros.
Soube que você implicou com um jornalista e o deixou de fora de uma entrevista coletiva. Não sei se o que te chateou foi o que ele escreveu ou algo que perguntou, mas te entendo.
Quando a gente cria algo, quer reconhecimento. Se for possível, palmas, afinal colocamos a alma no que foi feito. O problema é que as palmas viciam. Ter fãs e seguidores é algo maravilhoso, andar com uma entourage que te venera e admira é o máximo — e perigoso.
Pois o que vai te ajudar a levar a sua obra ainda mais para a frente são as pessoas que tocam a real. As que dizem que está bom quando está bom, mas também avisam que está ruim quando está ruim. Parece bobagem, mas quando você está lá no topo, faz falta. E por mais que um artista seja um sucesso de público, sempre há o que melhorar. Essas pessoas podem ser um amigo das antigas, um desconhecido sincero ou mesmo aquela tia implicante. Muitas vezes é um jornalista ou um crítico. Sim, sei que existem os haters, que falam mal e jogam pra baixo só por raiva, mas existem também os que sabem muito sobre o que escrevem e podem te dar avisos valiosos sobre o que você está fazendo.
O urrú da plateia é fantástico, a gritaria dos fãs é extraordinária, mas o cara que diz que a faixa X não é tão boa quanto a Y, que compara o que você canta agora com o que você já cantou antes e analisa se você está à altura da sua capacidade, esse deve ser ouvido. Mesmo que te deixe chateada, mesmo que desafine o coro dos contentes. Lá na frente você vai agradecer.
Com carinho e admiração, Leo.
Em tempo: adorei “Joga pra lua”. Pena que o ortopedista me proibiu de jogar pra qualquer lado. O meu filho também.