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Cultura

Lives de 2020 são dominadas por brasileiros, com sete das 10 maiores audiências no mundo

Se boa parte do planeta também está em isolamento social, entenda o que nos torna campeões nesse fenômeno durante a pandemia
Rainha: Marília Mendonça estabeleceu recorde que dificilmente será quebrado, com mais de 3,3 milhões de acessos simultâneos Foto: Reprodução
Rainha: Marília Mendonça estabeleceu recorde que dificilmente será quebrado, com mais de 3,3 milhões de acessos simultâneos Foto: Reprodução

RIO — Todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite, sabemos. Mas, em tempos de quarentena, a máxima depende muito da grade de lives do dia. Neste sábado, por exemplo, podemos esperar shows caseiros da cantora Lexa (abrindo a programação já à tarde, às 16h), do grupo de pagode Pixote (17h), das duplas sertanejas Zé Neto & Cristiano e Bruno & Marrone (18h e 21h, respectivamente), do DJ e produtor Rennan da Penha (21h) e da turma da produtora Furacão 2000 (22h). O som varia, mas o endereço é o mesmo: a sala de casa, com olhos e ouvidos na tela e na live da vez.

Sob o mesmo teto: Artistas passam a quarentena com companheiros de banda

Tem sido assim desde março, com o isolamento para frear a pandemia. Mas o que começou em versão voz, violão e redes sociais, com festivais como o #tamojunto , do GLOBO, ganhou ares de superprodução com artistas populares no YouTube. Eles trouxeram recordes de audiência e, de quebra, revelaram uma preferência nacional: das dez maiores lives da história do YouTube, todas realizadas desde abril deste ano, sete são brasileiras. Pode comemorar, torcedor canarinho: a taça da live é nossa.

Sertanejos lideram

O ranking é liderado por sertanejos: Marília Mendonça, que amealhou 3,3 milhões de acessos em 8 de abril, é seguida de Jorge & Mateus, com 3,2 milhões quatro dias antes. Somente a transmissão de Andrea Bocelli de Páscoa (3º lugar) e duas “lives” com shows antigos do fenômeno do k-pop BTS (7º e 10º) destoam na supremacia brasileira.

A dupla Jorge & Mateus tem a segunda maior live da história do YouTube Foto: Reprodução
A dupla Jorge & Mateus tem a segunda maior live da história do YouTube Foto: Reprodução

Mas se todos os grandes mercados do YouTube também estão enfrentando isolamento, por que dominamos de forma avassaladora o interesse pelas lives?

— Não temos uma resposta, mas cremos em algumas hipóteses — diz Sandra Jimenez, diretora de parcerias de música do YouTube para a América Latina. — A primeira é a popularidade e capacidade de mobilização que esses artistas têm no Brasil. Outro ponto é o formato intimista e espontâneo, que aproxima audiência e artistas. Eles erram, brincam com o público, e isso é comentado em tempo real nas redes. Além disso, as lives ocorrem após o horário comercial ou no fim de semana, o que impulsiona recordes. As lives musicais no YouTube são o novo prime time dos brasileiros.

Pioneirismo nacional

Grandes artistas de outros países também se movimentam para animar os fãs durante a quarentena. Um exemplo é o cantor e rapper americano Post Malone , atualmente o oitavo artista mais escutado do mundo no Spotify. Ele fez uma live no YouTube no último dia 24. Em sua casa, cantou músicas próprias e clássicos do Nirvana, acompanhado por músicos como o baterista Travis Barker, do Blink-182.

Post Malone cantou Nirvana em casa, mas nem fez cócegas na audiência de Ludmilla Foto: Reprodução
Post Malone cantou Nirvana em casa, mas nem fez cócegas na audiência de Ludmilla Foto: Reprodução

Só que o pico de audiência de Malone foi de 180 mil acessos — algo como 5% do que teve Marília Mendonça. Ao mesmo tempo, Ludmilla comemorava aniversário lançando o EP de pagode “Numanice” também com show no YouTube, superando 500 mil visualizações.

O DJ popstar americano Diplo não chegou a ter mais de 31 mil espectadores em sua maior live, mas o carioca Pedro Sampaio , desconhecido até o ano passado, passou de um milhão no ultimo dia 27. E por aí vai.

Crítico musical do jornal britânico “The Times”, Will Hodgkinson reconhece que não sabia de tamanha vantagem no interesse dos brasileiros, mas explica que mercados como o britânico e o americano não tinham uma cultura de lives antes da Covid-19.

— Aqui, isso nasceu como uma necessidade, por conta da ausência de música ao vivo no lockdown, e artistas só agora estão descobrindo essas possibilidades. Talvez o Brasil tenha estabelecido este formato mais rapidamente — teoriza o jornalista inglês. — Nos Estados Unidos, os artistas criaram uma nuvem de mistério e distância do público. Esses dias acabaram, por conta do coronavírus, e eles terão que aparecer mais de pijama para os fãs. Agora, os fãs querem ter acesso aos astros pop e rock, e que eles sejam acessíveis.

'Brasileiro ouve música brasileira'

É visível, pela quantidade semanal de lives anunciadas, que a indústria musical brasileira rapidamente enxergou nas transmissões com produção caprichada uma forma de compensar a falta de shows. Afinal, em termos de consumo de artistas locais, o Brasil também é campeão.

— No mundo digital, o Brasil é um continente. É top 3 de consumo em todos os principais serviços digitais do mundo — explica Paulo Lima, presidente da Universal Music Brasil, gravadora de Post Malone e Sandy & Junior (5º no ranking, com mais de 2,5 milhões de acessos). — Alguns fatores explicam o fenômeno das lives: o consumo de música local no país é um dos maiores do planeta, 70% do mercado. Brasileiro ouve música brasileira. E a taxa de engajamento aqui é enorme.

Sandy & Junior ficaram em quinto no ranking de lives, com mais acessos do que inscritos no canal Foto: Reprodução
Sandy & Junior ficaram em quinto no ranking de lives, com mais acessos do que inscritos no canal Foto: Reprodução

Um levantamento exclusivo feito para o GLOBO pela agência Snack, especializada em publicidade nas redes, prova isso. O estudo mostra os 20 países que mais produziram lives (não apenas musicais) no YouTube em abril. O Brasil (4º) teve 82,9 mil transmissões; os EUA, 1º, 169 mil — e ambos empatam na média de espectadores: 31 mil.

Alto engajamento

Nosso diferencial está exatamente na taxa de engajamento, que mede a participação do público. Dividindo-se o número de visualizações pela soma dos likes, comentários e compartilhamentos, o Brasil é líder mundial: 7,5%, mais do que o dobro dos 3,4% dos EUA. Este envolvimento é o que impulsiona o Brasil ao posto de país mais liveiro do mundo.

— O Brasil é um fenômeno nas plataformas de social video , como o YouTube. Somos o terceiro maior em criadores de conteúdo e tempo assistido, atrás apenas de EUA e Índia, com populações muito superiores — diz Vitor Knijnik, fundador e CEO da Snack. — Isso porque temos uma cultura mais oral do que escrita, uma TV aberta muito forte que educou as pessoas a se entreterem pelo audiovisual. Além disso, se as redes sociais já têm certo voyeurismo, a live é o voyeurismo do voyeurismo.

Não espere, porém, grandes mudanças no top 10. A segunda live da líder Marília Mendonça, na última sexta, por exemplo, entrou em 8º lugar. Isso porque o investimento de canais de TV em shows caseiros, assim como a oferta cada vez maior de lives, diluem a audiência que fenômenos como Marília e Jorge & Mateus tiveram no mês passado.

As dez maiores lives da História

1. Marília Mendonça (8 de abril / 3,31 milhões de acessos simultâneos)

2. Jorge & Mateus (4 de abril / 3,24 milhões)

3. Andrea Bocelli (12 de abril / 2,86 milhões)

4. Gusttavo Lima (11 de abril / 2,77 milhões)

5. Sandy & Junior (21 de abril / 2,55 milhões)

6. Leonardo e Eduardo Costa (1º de maio / 2,52 milhões)

7. BTS (18 de abril / 2,31 milhões)

8. Marília Mendonça (9 de maio / 2,21 milhões)

9. Henrique e Juliano (19 de abril / 2,06 milhões)

10. BTS (19 de abril / 1,92 milhões)