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Centenário de Clarice Lispector terá cartas inéditas e biografia ampliada

Na correspondência com o ex-marido, a escritora é comparada a personagens de 'Perto do coração selvagem'
A escritora Clarice Lispector em seu escritório Foto: Divulgação
A escritora Clarice Lispector em seu escritório Foto: Divulgação

SÃO PAULO – Nesta terça-feira (10), Clarice Lispector completaria 99 anos. Nascida em Thetchelnik, na Ucrânia, em 10 de dezembro de 1920, a autora de “A hora da estrela” nunca revelava sua idade e, enquanto viveu, seus livros indicavam que havia nascido em 1925. A pesquisadora canadense Claire Varin foi quem descobriu documentos que provam que Clarice era mais velha do que afirmavam seus livros.

– Ela mudava a própria data de nascimento por vaidade ou para reafirmar que era brasileira, porque se incomodava quando a chamavam de estrangeira. Ela disse em entrevistas que nunca havia botado os pés na Rússia – disse Teresa Montero, autora de “Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice Lispector” . – Pesquisando para a biografia, encontrei um currículo escrito pela própria Clarice em que ela dizia ter nascido em 1925.

Estabelecida a data correta do centenário – 10 de dezembro de 2020 – o mercado editorial se preparou para comemorar com reedições dos livros, uma biografia ampliada e a publicação de cartas inéditas.

Correspondência íntima

Em julho, a Rocco coloca nas livrarias “Todas as cartas”. O volume, que está sendo organizado e anotado por Teresa, trará muitas cartas inéditas, como algumas em que Clarice discute o fazer literário com o poeta pernambucano João Cabral de Mello Neto, que também completaria 100 anos em 2020. Pedro Vásquez, editor de Clarice há 15 anos, estima que o livro beire as 900 páginas

O livro trará apenas as cartas escritas por Clarice, com uma exceção: em um anexo, serão incluídas alguma cartas nas quais Maury Gurgel Valente, o ex-marido, fala da separação do casal. Maury compara a si próprio e ex-mulher, a Joana e Otavio, personagens de “Perto do coração selvagem”: “intuitivamente jamais deixei de acreditar que coexistissem em você, Clarice, Joana e Lídia”. Lídia é outra personagem do livro.

– O marido leu os livros da esposa, o que, sabemos, nem sempre acontece. Leu e entendeu, porque viu facetas da personalidade de Clarice por trás de personagens femininas que ela criou – diz Vásquez.

As cartas de Maury a Clarice eram conhecidas por pesquisadores e trechos delas apareceram em biografias, mas nunca haviam sido divulgadas na íntegra.

– Nas cartas, Maury tenta entender a vida deles por meio da ficção que Clarice criou – afirma Teresa, que acredita que publicação das cartas vai animar uma nova onda de estudos clariceanos.

Capas com pinturas da escritora

Até o final do ano que vem, a Rocco promete reeditar os 18 livros que ela publicou em vida. Os três primeiros – “Perto do coração selvagem”, “O lustre” e “A cidade sitiada”, publicados ainda nos anos 1940 – acabaram de sair e trazem posfácios assinados, respectivamente, por Nádia Battella Gottlib, a primeira biógrafa de Clarice, Parul Sehgal, crítica literária do jornal “The New York Times”, e Benjamin Moser , o biógrafo americano. O posfácio de “A paixão segundo G.H.” é do cineasta Luiz Fernando Carvalho, que prepara uma adaptação do romance com Maria Fernanda Cândido.

“A hora da estrela”, romance publicado meses antes da morte de Clarice, chegar às livrarias no ano que vem, na data exata do centenário, com um posfácio escrito por Paulo Gurgel Valente, filho caçula da escritora. As novas edições contam com um projeto gráfico assinado pelo designer Victor Burton. As capas são ilustradas com as telas abstratas que Clarice pintou nos últimos anos de vida. Os 22 quadros de Clarice estão divididos entre o Instituto Moreira Salles, a Fundação Casa de Rui Barbosa e o acervo da escritora Nélida Piñon.

Capa da nova edição do romance "Perto do coração selvagem", de Clarice Lispector Foto: Reprodução
Capa da nova edição do romance "Perto do coração selvagem", de Clarice Lispector Foto: Reprodução

Biografia ampliada

“Eu sou uma pergunta”, publicada orginalmente em 1998, ganhará uma edição ampliada em outubro, com detalhes da única viagem de Clarice ao Recife, em maio 1976, depois de deixar a cidade aos 13 anos. Ela havia passado poucas horas no Recife em 1949, vindo de Berna, na Suíça, e visitou parentes rapidamente.

– Essa viagem foi contada de forma sucinta nas biografias, mas tive acesso ao depoimento de Augusto Ferraz, um jovem escritor pernambucano com quem Clarice se correspondia e que perguntou: "Você não tem vontade de voltar à sua terra?" – conta Teresa. – Essa viagem que ajudou na construção da Macabéa (a protagonista de "A hora da estrela", uma migrante nordestina). Também trago novas histórias sobre Elisa, a irmã mais velha de Clarice, que foi muito importante em sua formação literária e musical.

A legião estrangeira de leitores de Clarice também será presenteada no centenário. Nos Estados Unidos, serão publicados os quatro livros infantis”. Também estão previstas edições em países tão diversos como Estônia, Eslováquia e Egito.

– Faz 10 anos que Clarice foi redescoberta no exterior, mas é perigoso achar que todo mundo já a conhece – diz Benjamin Moser. – Vamos aproveitar o centenário para reinventá-la.

"Perto do coração selvagem"
Autora:
Clarice Lispector
Editora:
Rocco
Páginas:
208
Preço:
R$ 29,90

"O lustre"
Autora:
Clarice Lispector
Editora:
Rocco
Páginas:
296
Preço:
R$ 39,90

"A cidade sitiada"
Autora:
Clarice Lispector
Editora:
Rocco
Páginas:
208
Preço:
R$ 29,90