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Por Emiliano Urbim


Profissional experiente no mercado editorial, a canadense Nita Prose sempre soube que escrever é 90% transpiração — e sempre torceu para esbarrar nos 10% de inspiração que tornariam a editora também uma autora. Até que, em março de 2019, recebeu “um presente dos deuses”. Voava de Londres para Toronto e bebia um drink distraída quando foi surpreendida pela voz de uma jovem camareira que encontrara dias antes no hotel em que estava. Ah, sim: a voz estava dentro de sua cabeça.

— Ela se chamava Molly e queria contar sua história — recorda Nita, que usou o guardanapo sob seu copo para “psicografar” tudo que lhe dizia a voz, transformada em narradora e protagonista de “A camareira”, sua estreia literária.

E que estreia: lançado em janeiro no Canadá e nos Estados Unidos, o livro já teve seus direitos vendidos para 29 países (no Brasil, saiu pela Intrínseca), chegou ao topo dos mais vendidos do New York Times e deve virar filme estrelado pela britânica Florence Pugh, a nova Viúva Negra, leitora que se tornou amiga de Nita.

A crítica credita o sucesso do livro à personagem Molly. Vinda da classe trabalhadora londrina, a jovem foi criada pela avó recém-falecida, uma espécie de intérprete do mundo para a neta, que leva tudo ao pé da letra. Suspeita de um assassinato cometido no hotel chique onde trabalha como camareira, ela precisa, com sua visão particular da realidade, provar sua inocência.

É uma trama que mescla o whodunnit clássico a la Agatha Christie com o cozy mystery, tendência que dá certa leveza ao gênero. “A ideia é fazer o leitor se envolver com o drama, mas terminar se sentindo bem, esperançoso”, diz Nita via Zoom de sua casa em Toronto, onde tenta conciliar a vida de best-seller internacional e manter a antiga rotina.

Há três meses você era uma anônima editora de livros. Agora, é entrevistada por jornalistas de outros países e fala com a Viúva Negra no WhatsApp. Fora isso, o que mudou na rua rotina?

Vou lutar para que mude o mínimo possível. Preciso de rotina para criar. Pretendo continuar editando livros [Nita é executiva da filial canadense da editora Simon & Schuster], só preciso organizar melhor o tempo para escrever. Agora que comecei, não quero mais parar.

As pessoas te reconhecem nas ruas de Toronto?

Isso é o bom de morar no Canadá, há um grande respeito pela privacidade das pessoas. Mesmo que alguém me reconheça, dificilmente serei abordada. Sejamos francos. Se o Drake consegue circular aqui na cidade, acho que eu não corro riscos.

Críticos e leitores destacam Molly como o grande trunfo de “A camareira”. Como você chegou nessa personagem, uma narradora em primeira pessoa que se destaca desde o prólogo do seu livro?

Digo que recebi um presente dos deuses. Em março de 2019 eu viajei a trabalho para a Feira do Livro de Londres. Um dia, no final da viagem, saí do hotel em que estava, voltei rapidamente e surpreendi a camareira que estava arrumando meu quarto. Enquanto ela dobrava discretamente uma calça que eu tinha deixado sobre a cama na pressa de chegar a uma reunião, ficamos nos encarando. Eu me lembro de pensar: “Que trabalho invisível e íntimo o de uma camareira de hotel. Ela esteve no meu quarto dia após dia, limpando, arrumando meus acessórios de maquiagem, fazendo minha cama, organizando minhas roupas.” Ela sabia tanto sobre mim e eu não sabia nada sobre ela. Enfim, um daqueles momentos engraçados que logo você esquece. Dias depois, no voo de volta para Toronto, eu ouvi a voz dela em pleno avião.

Já era a voz de Molly falando dentro de sua cabeça?

Sim! Em primeira pessoa, clara e precisa, com sotaque inglês e observações curiosas, exatamente como no prólogo que você mencionou. Uma voz bem diferente da minha. Não tinha papel à mão, peguei o guardanapo sob o copo do meu drink e comecei a anotar o que eu estava ouvindo. Comecei a escrever já no avião e foi assim que surgiu meu romance de estreia.

Você já havia editado ou escrito ficção?

Edito ficção, mas há muitos anos meu trabalho principal é em não ficção, como editora e colaboradora, no papel de ghostwriter de celebridades e especialistas em outros campos de atuação que não a escrita. Alguns precisam de ajuda na hora de escreverem suas memórias, por exemplo.

Ter sido ghostwriter foi útil para escrever seu romance?

Ajudou muito. O trabalho de ghostwriter é entrar na mente de uma atriz, um músico, uma cientista. Entender como ele pensa para situar o leitor, inclusive simular o seu raciocínio para preencher lacunas. Isso é encontrar a voz e o comportamento de personagens reais, um aprendizado que serve para os de ficção.

Molly vê o mundo de maneira peculiar, entendendo coisas de maneira literal, confusa com alguns comportamentos. Alguns a veem como neurodivergente, no espectro de autismo. Faz sentido?

Não há diagnóstico para Molly no livro, na contracapa ou no material de divulgação. Fiz questão. A intenção da história é mostrar como ser igual a todos e ao mesmo tempo totalmente diferente. Se eu rotulasse Molly, ia criar uma barreira entre ela e o leitor, e era importante que vocês estivessem juntos (risos).

Molly é manipulada e menosprezada durante durante a investigação. E mantém uma atitude otimista. Há algo de você aí?

Sou o oposto, cínica e desconfiada. Mas conheci pessoas assim quando dei aula para crianças com necessidades especiais. Me chocava a crueldade casual com que eles eram tratados fora da escola, em uma visita a um museu, por exemplo. Havia um sentimento imediato de “você é diferente”. Essa era a parte ruim. A parte boa era a resposta deles. Nunca vou me esquecer da resiliência deles, uma coragem que os chamados “neuronormativos” raramente tem. Dei a Molly alguns dos melhores traços destes meus alunos.

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“A camareira”

Autora: Nita Prose Tradução: Julia Sobral Campos. Editora: Intrínseca. Páginas: 336. Preço: R$ 59,90.

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