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Flip 2021 abre com cerimônia guarani e participação do botânico italiano Stefano Mancuso

Programação virtual da 19ª edição do evento, que vai até 5 de dezembro, tem como tema central o mundo vegetal e os saberes da floresta
O botânico italiano Stefano Mancuso em mesa virtual da Flip 2021 Foto: Reprodução
O botânico italiano Stefano Mancuso em mesa virtual da Flip 2021 Foto: Reprodução

Começou neste sábado (27) a 19ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que acontece virtualmente até 5 de dezembro na cidade histórica fluminense. Nesta edição, a literatura se entrelaça com a pluriversalidade da floresta Nhe’éry — como o povo Guarani chama a Mata Atlântica — para discutir e traçar novas perspectivas sobre as relações entre humanos e outros seres e elementos que cohabitam o espaço.

Na abertura do evento, transmitida pelo canal da festa literária no YouTube , representantes guaranis da região conduziram uma cerimônia, com rezas e cantos, para abrir e proteger os caminhos da Nhe’éry (pronuncia-se nheeri) e dar permissão para a entrada da Flip em seu território sagrado. A celebração foi realizada na Praça da Matriz, onde havia uma aldeia indígena antes da fundação da cidade.

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Este ano, pela primeira vez, a Flip tem curadoria coletiva (uma "floresta curatorial", nas palavras da direção), formada pelos antropólogos Hermano Vianna e João Paulo Lima Barreto, pelo escritor Evando Nascimento, pela editora Anna Dantes e pelo crítico literário Pedro Meira Monteiro. Conforme divulgado em agosto, em vez de um único autor homenageado, a festa será dedicada a pensadores indígenas mortos pela Covid-19 , como o escritor Higino Tenório, o artista plástico Feliciano Lana, o líder guarani Domingos Venite, e a guardiã das plantas de cura do povo Mura, Maria de Lurdes. O tema central da edição será o mundo vegetal e os saberes da floresta.

— A pandemia trouxe um sentido de urgência. É importante pensarmos que não é mais possível habitar o mundo como vinhamos fazendo. Talvez a literatura possa ter um papel singular nessa transformação — destacou o diretor artístico da Flip, Mauro Munhoz — As florestas são o novo centro do mundo e o Brasil é rico justamente por causa disso. Uma nova época se inicia agora.

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Também participaram da mesa de abertura Carlos Papá, cineasta e liderança do povo Guarani Mbya, e a filósofa, educadora e artesã indígena Cristine Takuá.

— Nhe'éry é um território ancestral onde os espíritos se banham. Seres visíveis e invisíveis, que seguem dialogando, mesmo silenciosamente, em meio a essa sociedade da informação e desse mundo tecnológico que insiste em não enxergar o território em que vive. Respeitar a Nhe'éry é respeitar a própria existência — afirmou Cristine — A Flip traz esse ano a possibilidade de outras narrativas ancestrais.

Toda a programação da 19ª Flip será transmitida pelo canal no YouTube , com exibição ainda em telões espalhados por Paraty e região — não apenas no centro histórico. Em cada um desses pontos, haverá moderadores interagindo com o público. Quem assistir à programação on-line, poderá fazer perguntas aos autores convidados por meio do chat.

A segunda mesa do dia, "Literatura e plantas", contou com a participação do botânico italiano Stefano Mancuso ("A revolução das plantas") e do escritor e curador do evento Evando Nascimento ("O pensamento vegetal: a literatura e as plantas") em uma conversa sobre a inteligência e sensibilidade dos vegetais.

— A inteligência é uma característica própria da vida. O fato de nós nos apropriamos disso como se fosse só nossa é uma das exemplificações mais imediatas da estupidez humana — apontou Nascimento, que explicou ainda o que chama de " fitofobia ": "Um horror às plantas. A necessidade humana de destruir as florestas e os campos para plantar monoculturas. É isso que a gente vê no Brasil e em diversos países".

Ao falar sobre a importância de autores como Clarice Lispector e Fernando Pessoa para seu trabalho, Nascimento destacou ainda a divisão ocidental entre a curiosidade científica e a curiosidade artística:

— Esses escritores juntam tudo, tal qual os povos indígenas, para quem o saber das plantas é o saber que está em seus corpos.

Especialista em neurobiologia vegetal, que explora os modos de comunicação das plantas, Mancuso lembrou que "a planta é um ser incrivelmente mais sensível do que qualquer animal" e falou sobre a relação entre os humanos e os vegetais.

— O amor pelas plantas passa pela lógica, porque nós precisamos realmente entender o que é uma planta, precisamos saber como funciona — defendeu o italiano. — A importância das plantas para nossa sobrevivência, para as artes e para vida sobre a terra como um todo sempre foi subvalorizada. Hoje, chegamos ao momento de entender qual é a verdadeira dimensão disso. Temos uma nova visão do mundo das plantas que pode ser compreendida pela humanidade.

Entre os autores convidados estão grandes estrelas da literatura, como a canadense Margaret Atwood , autora de "O conto da aia", e Alice Walker, de "A cor púrpura". Também estão confirmados nomes como a coreana Han Kang, a turca Elif Shafak e brasileiros como Leonardo Fróes , Ailton Krenak , Adriana Calcanhotto , Conceição Evaristo e Ana Martins Marques . Segundo os curadores, as plantas estão presentes, de um modo ou de outro, nas obras de todos os autores convidados.

Confira a programação da 19ª Flip

Domingo, 28/11

16h

MESA 3: Naturalismo e violência

Com Micheliny Verunschk e David Diop

Mediação: Milena Britto

18h

MESA 4: Folhas e verbos

Com Véronique Tadjo e Edimilson Pereira de Almeida

Mediação: Joselia Aguiar

Segunda, 29/11

18h

MESA 5: Plantas e cura

Com João Paulo Lima Barreto e Monica Gagliano

Mediação: Mônica Nogueira

20h

MESA 6: Árvores e escrita

Com Paulina Chiziane e Itamar Vieira Jr.

Mediação: Ligia Ferreira

Terça, 30/11

18h

MESA 7: Zé Kleber: Micélios

Com Jorge Ferreira e Merlin Sheldrake

Mediação: Alice Worcman

Terça, 30/11

20h

MESA 8: Tecnobotânicas

Com K Allado-McDowell e Giselle Beiguelman

Mediação: Ronaldo Lemos

Quarta, 1/12

18h

MESA 9: Fios de palavras

Com Leonardo Froés, Júlia de Carvalho Hansen e Cecilia Vicuña

Mediação: Ludmila Lis

20h

MESA 10: Utopia e distopia

Com Margaret Atwood e Antonio Nobre

Mediação: Anabela Mota Ribeiro

Quinta, 2/12

18h

MESA 11: Botânicas migrantes

Com Djaimilia Pereira de Almeida e Elif Shafak

Mediação: Mirna Queiroz

20h

MESA 12: Políticas vegetais

Com Kim Stanley Robinson e Eliane Brum

Mediação: Lucia Sá

Sexta, 3/12

18h

MESA 13: Em definição

20h

MESA 14: Vegetalize

Com Adriana Lisboa e Han Kang

Mediação: Guilherme Henrique

Sábado, 4/12

16h

MESA 15: Transflorestar — Ato 1

Com Iara Rennó

18h

MESA 16: Em busca do jardim

Com Alice Walker e Conceição Evaristo

Mediação: Djamila Ribeiro

20h

MESA 17: Ouvir o verde

Com Alejandro Zambra e Ana Martins Marques

Mediação: Rita Palmeira

Domingo, 5/12

16h

MESA 18: Metamorfoses

Com Emanuele Coccia e Adriana Calcanhotto

Mediação: Cecilia Cavalieri

18h

MESA 19: Cartografias para adiar o fim do mundo

Com Ailton Krenak e Muniz Sodré

Mediação: Vagner Amaro