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Lançamentos jogam luz sobre obra de Leonardo Fróes, um poeta político e ecológico

Autor participa nesta quarta-feira (01) da 19ª Flip
O poeta Leonardo Fróes Foto: Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo
O poeta Leonardo Fróes Foto: Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo

Formada por títulos saídos há pouco ou por sair em breve, uma leva de livros demonstra a variedade e a excelência do trabalho que Leonardo Fróes vem realizando há seis décadas. Ele é o tradutor de “Robinson Crusoé”, de Daniel Dafoe, lançado agora em edição crítica, e o autor de “Um outro. Varella”, notável ensaio biográfico sobre Fagundes Varella que chega em nova edição. Além deles, está no prelo “Natureza: a arte de plantar” (que chega às livrarias em 16 de dezembro), conjunto de intervenções com que Fróes abordou na imprensa temas ecológicos — componente central de sua visão de mundo.

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Fróes, aliás, é um dos convidados da 19ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty , que vai até domingo e tem como fio condutor a relação entre literatura e natureza. Ele participa hoje, às 18h, da mesa “Fios de palavras”, com Júlia de Carvalho Hansen e Cecilia Vicuña.

Busca pelo despojamento

A referida leva é protagonizada por “Poesia reunida (1968-2021)”, que abriga os poemas publicados por Fróes em dez livros, aos quais se soma o inédito “A pandemônia e outros poemas”. Oportuna pela relevância da obra de que é suporte e por marcar os 80 anos do autor, a edição merece destaque também pela qualidade e pela coerência.

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Fróes é um poeta em busca do essencial, mas nele isso não denota síntese extrema de palavras ou versos, e sim a busca existencial pelo despojamento que pode conduzir à liberdade. Assim é que, na edição, a economia de fotos (duas), notas editoriais (duas), listas de informações bibliográficas (duas), textos de apresentação (dois) e de análise (três) confirma a riqueza do poeta montanhista, que, segundo o texto introdutório de Cide Piquet, “vem cultivando sua terra e sua poesia, sua vida e sua obra, com paciência e paixão”.

Num dos comentários da “Breve fortuna crítica” integrante do volume, Ivan Junqueira (1934-2014) enaltece o que em Fróes significa renovar-se na repetição. O raciocínio diz da própria fortuna crítica, que reitera a ligação do poeta com a natureza para nos apresentar uma poética permanentemente arejada, íntima de um viver inaugural e integrador. Nas páginas e nas trilhas de Fróes convivem o poema em verso e o poema em prosa, a palavra fabulária e a referência concreta explícita, o homem e os outros seres, numa “ausência de distinção” que instaura “a glória, a beleza, o alívio/ coesão impessoal da matéria, a eternidade”, conforme se lê em “O observador observado”, poema ontológico do antológico livro que é “Chinês com sono” (2005).

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Nascido em Itaperuna, interior fluminense, em 1941, Leonardo Fróes conheceu precoce e intensamente a vida metropolitana, por suas temporadas nos Estados Unidos e na Europa e por sua vivência na cidade do Rio de Janeiro. Por volta dos 30 anos e junto à sua companheira, Regina Lustosa, mudou-se para uma área rural de Petrópolis. Esse movimento não significa alienação do poeta ou mesmo um início temático para sua poesia.

Desde sua estreia, em 1968, Fróes é um poeta político e ecológico, atento ao que se passa em avenidas e gabinetes, devotado à grande casa que todos habitamos e pensador de seu fazer: “o poema, sendo vário,/ é sempre uma coisa minha/ de fundo comunitário,/ é sempre o desenho breve/ de um gesto visionário,/ uma esperança constante/ de, sempre, ser solidário” (diz “O poema”, de “A língua franca”).

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Toda a sua bibliografia, portanto, se repete ao repelir excessos enganosos da máquina do mundo e se renova por afirmar o que vive, convive e reverbera poeticamente. Daí sua trajetória artística e seu movimento pessoal se indeterminarem, porque ambos transcorrem para o encontro de si, algo que nele só pode se realizar como encontro com o outro. Simbolicamente intitulado “A vida em comum”, o livro-poema de 1969 declara: “Na mão eu nos trago o vosso/ dever que repasso e faço:/ assim o que é mim é nosso.// Não sou se não vou convosco/ e sei que vos ser me anima:/ meu ir é estar conosco”. De nome não menos emblemático, “O animal social”, de “A pandemônia e outros poemas (2021)”, elabora e oferta um escudo todo feito de desnudamento: “Quanto mais puro eu puder ser,/ mais espontâneo e desarmado,/ sei que melhor irei conter/ quem me pretender dominado”.

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O planeta e o Brasil seguem pelo presente século reproduzindo insanidades que aterram o ar, asfixiam o chão e exterminam pessoas, bichos e plantas. Por desejar não se distinguir dos seres diversos é que Leonardo Fróes contrapõe as engrenagens que a tudo anseiam dominar; e por se fazer uma fogueira rodeada de vozes e zumbidos, sua poesia estala, aquece e ilumina.

* Marcos Estevão Gomes Pasche é crítico literário e professor de Literatura Brasileira da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ