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Leia trechos da tradução inédita de 'Ulisses' assinada por 18 autores

Em junho Ateliê Editorial publica romance de James Joyce recriado por estudiosos e admiradores do irlandês, como Luci Collin, Donaldo Schüler, Antonio Quinet, Luisa Geisler e Julián Fuks
O irlandês James Joyce, autor de "Ulisses", romance publicado há 100 anos que revolucionou a literatura Foto: Reprodução
O irlandês James Joyce, autor de "Ulisses", romance publicado há 100 anos que revolucionou a literatura Foto: Reprodução

Em junho, mês em que se comemora o Bloomsday (referência ao dia em que se passa a ação de "Ulisses", 16 de junho de 1904), a Ateliê Editorial publica uma nova tradução do revolucionário romance de James Joyce , assinada por 18 estudiosos e admiradores do autor: Aurora Fornoni Bernardini, Dirce Waltrick do Amarante, Luisa Geisler , Guilherme Gontijo Flores , Alípio Correia de Franca Neto, Eclair Antônio Almeida, Henrique Xavier, Antonio Quinet, Élide Valarini Oliver, Piero Eyben, Denise Bottmann, Donaldo Schüler, Luci Collin , Willy Corrêa de Oliveira, Carlos de Brito Mello, João Adolfo Hansen, José Roberto O’Shea e Julián Fuks .

'Ulisses', 100 anos : Brasil foi o país que mais traduziu o romance intraduzível de James Joyce

Lançado em 2 de fevereiro de 1922 em Paris pela livraria Shakespeare & Company, comandada por Sylvia Beach — a publicação do romance foi seu presente de aniversário para o amigo Joyce, que completava 40 anos —, "Ulisses" já conta com três traduções no Brasil. O país é o campeão mundial de traduções de "Ulisses". Nenhum outro idioma tem tantas traduções do romance quanto o português: além das brasileiras, há duas lusitanas.

A primeira tradução integral de “Ulisses” em português foi lançada pela Civilização Brasileira, em 1966. Afastado da diplomacia pela ditadura militar, o filólogo Antônio Houaiss (1915-1999) traduziu as mais de 700 páginas em menos de um ano. O texto foi reeditado no final do ano passado. Já a segunda tradução brasileira de "Ulisses" só apareceu em 2005, de Bernardina da Silveira Pinheiro (1922-2021), uma das maiores estudiosas de Joyce no país, e foi publicada pela Objetiva. A tradução de Bernardina será reeditada pela Nova Fronteira, em junho. Em 2012, a Companhia das Letras publicou a versão de Caetano W. Galindo , com reedição chegando às livrarias nesta terça-feira (2).

"Esse livro horrível" : Leia carta de James Joyce para o escritor e tradutor italiano Carlo Linati

Organizador de “Ulisses, a dezoito vozes”, Henrique Xavier recorre ao conceito de “transmigração das almas”, crucial no romance (os personagens de Homero “reencarnam” nos de “Ulisses”), para justificar o projeto.

— Para reencarnar de novo em português, “Ulisses” precisou de 18 tradutores diferentes na impossibilidade de encontrar uma única alma gêmea — diz ele.

Segundo Xavier, as traduções precedentes homogeneízam a linguagem dos 18 episódios do livro, cada um deles inspirado em diferentes tradições literárias.

Leia abaixo trechos inéditos de "Ulisses, a dezoito vozes":

Episódio XIII: Nausícaa

Por Antônio Quinet

Venha, Gerty, Cissy chamou. São os fogos de artificio da quermesse.

Mas Gerty era dura como um diamante. Não tinha a menor intenção de ser mandada por elas. Se elas podiam correr como umas desmioladas ela podia muito bem ficar sentada, então ela disse que podia ver de onde estava. Os olhos que estavam cravados nela fizeram suas pulsações tilintarem. Ela olhou para ele por um momento encontrou seu olhar e uma luz dentro dela a arrebatou. Seu rosto estampava uma paixão ardente e branca, uma paixão silenciosa como um túmulo e ela se tornou dele. Enfim eles foram deixados a sós sem que elas pudessem bisbilhotar e fofocar e ela sabia que podia confiar nele até a morte. Um homem que não era volúvel, autêntico, como um homem inabalável da cabeça aos pés. O rosto e as mãos dele estavam em ação e ela sentiu um tremor sacudi-la. Ela se reclinou bem para trás, a olhar para cima para ver os fogos de artificio segurando um joelho com as mãos para não cair de costas olhando  para o alto. Não havia ninguém vendo só ele e foi quando ela revelou inteiramente suas graciosas pernas lindamente bem torneadas, flexíveis e macias delicadamente arredondadas e então ela teve a impressão de ouvir o arfar do coração dele, sua respiração rouca pois ela também tinha conhecimento da paixão de homens assim, de sangue quente, [...] .

E Jacky Caffrey gritou para olharem lá vinha outro e ela reclinou-se para trás, as ligas eram azuis para combinarem com as meias transparentes e todos viram e gritaram para olhar, olhe, lá estava ele e ela reclinou-se ainda mais para trás para ver os fogos de artificio mais tinha algo estranho, uma coisa mole e escura voando no ar de um lado para outro. E ela viu um foguete como uma grande vela romana subir acima das árvores, cada vez mais alto, mais alto, numa quietude tensa, todos estavam excitados sem respirar quanto mais ele subia, subia e ela teve que se inclinar mais e mais para segui-lo com os olhos para cima, para cima quase o perdendo de vista e sua face se impregnando de um rubor divino, um blush de arrebatamento ao se esticar toda para trás e ele pôde também ver outras coisas dela, as calcinhas de cambraia, o tecido que acaricia a pele – melhor do que aquelas anáguas, as verdes, mas as brancas custavam quatro xelins e onze – e ela o deixou ver e viu que ele viu e em seguida foi tão alto que por um momento desapareceu da vista e ela estava com todos seus membros tremendo por ter se reclinado tão para trás que ele teve uma ampla visão de toda a parte bem acima do joelho lá onde nunca ninguém jamais até mesmo quando balançava e se mexia mas ela não estava com vergonha  tampouco ele de olhar daquela maneira despudorada pois ele não podia resistir à visão maravilhosa daquela revelação meio oferecida como as dançarinas de saia curta comportando-se tão despudoradamente diante dos olhares dos homens e ele continuava a olhar, olhar. Ela desejaria ter soltado para ele um grito sufocado, ter estendido seus braços finos e brancos como a neve para sentir os lábios dele sobre sua fronte clara, o grito de amor de uma mocinha, um gritinho estrangulado, arrancando dela aquele grito que ressoaria através dos tempos. E então um foguete explodiu! Beng! Um tiro de rojão beng! Cego e seco! Beng! A shot blind black!  E Ooooohhh! a vela romana explodiu. Foi como um suspiro de Ooooohhh! E todos gritaram Oh! Oh! em êxtase e da vela jorrou uma torrente de ouro de fios de cabelos em chuva, e eles se derramaram Ooooohhh! Eram estrelas esverdeadas douradas de orvalho caindo Oh! Tão lindo, suaves, amáveis, suaves.

E então tudo se dissolveu no orvalho do ar cinzento: o silêncio era total. Ah! Ela lançou para ele um olhar ao debruçar-se rapidamente para frente, uma patética olhadela de protesto piedoso, de uma tal reprovação tímida que ele corou como uma menina.

(...)

Pois elas próprias é que querem. Anseio natural. Cardumes delas se esgueirando para fora dos escritórios. Melhor ficar reservado. Você não quer e elas se atiram para você. Agarre-as com vida, viu? Pena não se enxergam. Um sonho de bolsos recheados. Onde foi isso? Ah, sim. Cabines individuais com imagens na rua Capel: só para homens. Voyeurs Peeping Tom. O chapéu de Willy e o que as meninas fizeram com ele. Eles tiram fotos dessas moças ou era tudo fake? Lingerie faz isso. Sentia as curvas dela debaixo de seu roupão. Isso também as excita quando elas estão. Estou limpinha venha me sujar. E elas gostam de se vestirem uma à outra para o sacrifício. [...]

Ficam endiabradas quando estão naqueles dias. Um ar sombrio e diabólico. Molly me dizia que as coisas pareciam pesar uma tonelada. Coce a planta do meu pé. Isso, assim! Ah! Que delícia! Eu acho mesmo. Bom descansar de vez em quando. Pergunto-me então se seria ruim ir com elas. Resguardo de uma certa maneira. Azeda o leite, faz as cordas do violino arrebentarem. Li até em algum lugar que faz murchar as plantas num jardim.  Dizem inclusive que se a flor que ela está usando murcha é porque ela é namoradeira. Todas são. Ouso dizer que ela sacou que eu. Quando você sente isso geralmente você encontra o que está sentindo. Gostou de mim ou o quê? Para a roupa elas olham. Sempre se sabe quando um cara está paquerando: todo engomado. Bem, galos e leões fazem o mesmo, e veados. Ao mesmo tempo podem preferir uma gravata desfeita ou uma coisa assim. Calças? Supondo que quando eu estava? Não. Fazer com gentileza. Detestam brutalidade e assalto. Beijar no escuro e nunca contar. Viu algo em mim. Imagino o quê. Em breve vai me ver como sou e não algum carinha poeta com um cabelo de urso seboso emplastrado com uma mechinha caindo sobre o olho direito. Ajudando o cavalheiro em seu trabalho literário. Devo cuidar de minha aparência na minha idade. Não a deixei me ver de perfil. Sei lá, nunca se sabe. Moças bonitas e homens feios se casam. A bela e a fera. Além disso não deve ser assim se Molly. Tirou o chapéu para mostrar seu cabelo. Aba larga. Comprou para esconder a face ao encontrar talvez alguém, ao abaixar a cabeça ou segurar um ramo de flores para cheirar. Cabelo forte no cio. Consegui dez xelins pelos fios de cabelo de Molly quando estávamos na miséria em Holles Street. Porque não? Suponhamos que ele tenha dado dinheiro para ela. Porque não? Tudo preconceito. Ela vale dez, quinze, mais, até mesmo uma libra. O quê? Eu acho isso. Tudo isso para nada. Mão firme: Sra. Marion. Será que esqueci de escrever o endereço naquela carta como o cartão postal que enviei para o Flynn? E o dia em que fui ao Drimmie sem a gravata? Briga com Molly me deixou fora de mim. Não, eu me lembro. Richie Goulding: esse é mais um. Pesa na mente dele. Engraçado meu relógio parou quatro e meia. Poeira. Eles usam óleo de fígado de tubarão para limpar. Eu mesmo poderia ter feito isso. Economizaria. Será que foi exatamente quando ele, ela?

Oh, ele sim. Dentro dela. Ela sim. Feito.

Ah!

O Sr. Bloom cuidadosamente recompôs sua camisa molhada com a mão. Oh, meu Deus, aquela safadinha manca. Está começando a ficar frio e pegajoso. Elas não ligam. Lisonjeadas talvez. Vão para casas para um pãozinho com leite e fazem suas orações noturnas com os filhotes. Afinal, elas não são? Vê-la como ela é estraga tudo. Precisa ter o cenário, o batom, figurino, pose, música. E nome também. Amours essas atrizes. Nell Gwynn, Mrs. Bracegirdle, Maud Branscombe. Abre a cortina. A luz prateada do luar brilha esplendorosa. Desvela-se uma moça com seios sonhadores. Meu amorzinho querido venha me beijar. Eu ainda sinto. Que potência isso dá a um homem. Esse é o segredo da coisa. Foi uma boa o que fiz ali atrás da pedra pós ter saído da casa do Dignam. Foi a sidra. Senão não teria feito. Depois você fica com vontade de cantar.

Antônio Quinet é psiquiatra, psicanalista, dramaturgo, doutor em filosofia, professor e tradutor.

Episódio XV: Circe

Por Donaldo Schüler

( Mabbot, streeita ruela, a dos prazeres, boca da zona, solo desnudo no breu da noitícia. Lá diante, o fim de linha, sítio de carros, trilhos  skiléticos, solo desnudo,  brilhos vermelhos, verdes, mágico-bruxuleantes-bruxas, bruxarias. Perigo! Desfilam paredes peladas, portas abertas. Raros lampejos, lampiões, leques arco-íris puídos. Bate boca ronda Rabaiotti,  gôndola de gelados, parada. Varões e varoas empunham casquinhas, manchas de carvão, de cobre, de neve, sugam, sespalham a passo lento. Pirralhos. A gôndola  alviazul, pescoço empinado de cisne, rompe o pretume do breu à luz do farol. Assobios: apelo e resposta. )

APELO

Teacalma, meu bem, já stou lá.

RESPOSTA

Tequero atrás da cocheira.

( Boboca surdo, idiota sem fala, olhos despanto, baba da boca do Bobo, gingas de santo, o Vito, passa possesso, preso em corrente de mãos infantis encadeadas .)

PIRRALHOS

Desembesta, seu besta!

BOBO

( estica o braço esquerdo paralisado, gorgoleja. ) Grrraaand!

PIRRALHOS

Grande? A luz? Onde?

BOBO

( engasgado. ) Gagasta!

( Sai solto. Se joga pra frente. A prenda pigmeia sembala em corda  a balaústres atada,  cantarola. Um vulto apoiado na lata de lixo, braço e chapéu escondem a cuca, revira, grunhe, rosna, range os dentes, ronca que ronca. Num degrau um gnomo se arrasta rodeado de porcaria; curvado,  suspende às costas o saco de trecos, de ossos. A coroca, por perto, de fumarenta lanterna a óleo na mão, soca a última garrafa na boca do saco. Ele carrega o botim, torce pro lado o boné bicudo, manca mudo. A coroca, balouça a lanterna, sentoca  na  toca. Um fedelho   sentado na soleira de peteca na mão, papelado brinquedo, se arrasta aos trancos e barrancos, alcança a coroca, agarra a saia, levanta-se  em pernas arqueadas. Paupratudo borracho agarra a barra do portão com   mão mais a   outra, chumbo nas pernas. Na sombra da esquina, dois vigias, capas nos ombros, mãos no cassete, no cabo, assombram sanhudos.  Prato quebrado, gritos da dona, berros do bebê. Pragas de macho sobem, descem, somem. Sombras rondam, arredam,  espreitam  barracos. No quarto claro à luz da  vela enfiada no gargalo da garrafa, a bruaca ataca os nós na cabeleira da pirralha escrofulosa. Agudos da voz inda jovem de Cissy Caffona  sonorizam o beco .)

CISSY CAFFONA

Dei pra Molly, bela

Tá lá na mão dela

A pata do pato

A pata do pato.

(O Meganha Carr Ancudo e o Meganha Compintão, de relho socado no suvaco, passos de ganso zonzo, da boca estrondam peidos ritmados. Gargalhadas de gente do beco. Rouca réplica virago.

VIRAGO

À merda, seus pelonocu! A moleca tem mais muque que esse, que tu.

CISSY CAFFONA

Sortuda de mim, de vilarejo não vim. ( Ela canta .)

Eu dei pra Neli

Engoliu, eu vi

A pata do pato

A pata do pato.

(O Meganha Carr Ancudo e o Meganha Compintão viram, se reviram, túnicas brilhocruentas, lampiluzentes, coco  branquelo,  casquete negrote. Stephen Dedalus e Lynch atravessam o aglomerado,   raspão nos rubroembonecados.)

MEGANHA COMPINTÃO

( dedo em riste ) Passe, pastor!

MEGANHA CARR ANCUDO

( se vira e berra ) U-la-lá, pastor!

CISSY CAFFONA

( sonoro vozeirão )

Garrou e gostou

Onde é quenfiou

A pata do pato.

(Stephen Dedalus, floreando de esquerda o bastão-freixo, canta contente o introito do tempo pascal. Lynch, boné de jóquei descido na testa, ajuda de cara fechada, rugas no rosto.)

STEPHEN

Vidi aquam egredientem de templo a latere dextro. Alleluia

( Esfomeada bocarra de rameira torta aporta na porta .)

RAMEIRA

( cicios de voz viscosa ) Sst! Vem que tem. É como te digo. Pelos e plumas. Tão contigo.

STEPHEN

(alius aliquantulum.) Et omnes ad quos pervenit aqua ista.

RAMEIRA

( peçonha empesta os passos dos machos ) Medicuzinhos do Trinity. Trompa de falópio. Pinto sem grana? Sem grelo!

(...)

POPULACHO

Linchem ele! Façam assado dele! É bandido, tipo Palnell. Sr. Fox!

( Madre Grogue atira a bota contra Bloom. Vários lojistas dos altos e baixos da Rua Dorset atiram produtos de pouco ou nenhum valor commercial, ossos de pernil, latas de leite consensado, reponho deteriorado, pão bolorento,  rabos de ovelha, punhados de banha rançosa. )

BLOOM

( Excitado ) Isso é loucura de solaço de verão, outra brincadeira de  mau gosto. Justos céus, sou puro como neve na sobra! Foi Henry, meu irmão. É meu duplo. Residência, Dolphin`s Barm, no. 2. É uma víbora, ele me caluniou. Patrícios, sgeul i mbarr bata coisde gan capall . Peço ajuda do meu velho amigo, Dr. Malachi Mulligan, especialista em problemas sexuais, que ele apresente testemunho médico a meu respeito.

DR. MULLIGAN

( Jaqueta de piloto, motóculos verdes na testa ) O dr. Bloom é bissexualmente anormal. Escapou recentemente do asilo particular do Dr. Eustácio, destinado a senhores dementes. Nascido fora do casamento, apresenta epilepsia hereditária, consequência de luxúria incontrolada. Foram descobertos sinais de elefantíase nos seus ascendentes.  Apresenta sintomas patentes de exibicionismo crônico. Ambidestralidade latente. Calvície prematura provocada por autoabuso; consequentemente, padece de perversão idealística, é devasso recuperado com dentes de metal. Em consequência de complexo familiar, perdeu temporariamente a memória. Creio que é vítima de pecado, mais do que pecador. Fiz exame pervaginal e depois de aplicar ácido 5427 para teste anal, axilar, de pelos peitorais e  pubianos, eu o declaro virgo intacta.

( Bloom esconde seus órgãos genitais com um chapéu de alta qualidade. )

DR. DOIDÃO

Confirma-se hipsospadia. No interesse das gerações vindouras, sugiro que as partes afetadas sejam preservadas em álcoois de vinho no museu teratológico nacional.

DR. ESCROTO

Examinei a urina do paciente. É albuminoide. A salivação é insuficiente, o reflexo rotular é intermitente.

DR. PONCHE COSTELLO

O fetor judaicus é intensamente perceptível.

DR. DIXON

( Lê um atestado de saúde ) O professor Bloom é exemplar perfeito de novo macho feminino. A moral dele é simples e louvável.  Muitos o declararm homem amável, pessoa amável. Tomado como um todo é um tanto estranho, abobalhado, ainda que não seja débil mental em sentido médico. Escreveu uma carta admirável, ao tribunal missionário da Sociedade Reformada Protetora  dos Prelados, um verdadeiro poema, esclarece tudo. Ele é praticamente abstêmio, posso afirmar que dorme em colchão de palha, alimenta-se de comida espartana, ervilhas coloniais secas e ferias. Usa cilício de crina, faça frio, faça calor, e se flagela todos os sábados.  Ele foi, ao que sei, infrator de primeira categoria no reformatório da Reconciliação. Outro relatório informa ter sido filho acentuadamente póstumo. Peço clemência em nome da mais sagrada palavra que nossos órgãos vocais foram convocados a pronunciar. Ele está na eminência de ter bebê.

( Comoção geral e compaixão. Mulheres desmaiam. Uma americana rica faz uma coleta de rua para Bloom. Moedas de prata e de ouro, cheques em branco, notas bancárias,  joias, títulos do tesouro, letras de câmbio vencidas, I.O.U. alianças,  correntes de relógio, medalhões, colares e braceletes são rapidamente coletados. )

BLOOM

Oh, eu tanto quero ser mãe.

Donaldo Schüler é professor emérito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e tradutor da "Odisseia" de Homero e de "Finnicius Revém" ("Finnegans Wake"), de James Joyce

Episódio XVIII: Penélope

Por Luci Collin

SIM porque ele nunca fez coisassim antes isso de pedir cafénacama com 2 ovos desdo hotel City Arms quando ele gostava de fingir que tava de cama com voz de doente se pagando de sualteza pra parecer adorável praquela velha desgraçada Dona Riordan quele achava que tinha no bico e ela não deixou pra nós nem um troco tudo pra missa pra ela mesma e pralma dela grandíssima pãodura sempre tinha era medo até de gastar 4p no álcool desnaturado dela me contando da doençarada dela todo aquele falatório caduco sobre política e terremotos e o fimdomundo deixa a gente terum pouco de diversão primeiro Deusque proteja o mundo se tudoqué mulher fosse quenem ela contra maiô e decote claro que ninguém ia querer que ela usasse isso eu acho que ela era uma carola porque homem nenhum ia olhar pra ela 2 vezes espero nunca ficar quenem ela me admira quenão quisesse queagente cobrisse a cara mas ela de certo era mulher bemcriada e aquela tagarelice dela sobre o Seu Riordan pracá e o Seu Riordan pralá acho quele ficou foi é faceiro de se livrar dela e do cachorro dela que ficava me cheirando toda e sempre se metendo porbaixo da minha anágua principalmente quando eu tava mas mesmo assim eu gosto disso nele gentil com idosas comoaquela e garçons e pedintes também ele nãoé orgulhento assim do nada mas nem sempre se alguma vez ele tivesse alguma coisa bem séria mesmo com ele é muito melhor pra eles irem prum hospital ondetudo é limpo mas acho quia levar bem 1 mês pra meter isso na cachola dele SIM e então a gente ia teruma enfermeira de repente dava briga com a direção deixarele porlá atéque botassem ele pra fora ou uma freira quenem aquela da foto indecente quele tem aquelalá é tão freira quanto eu SIM porque eles sãotão fracote e choraminga quando ficam doentes eles precisam duma mulher praficar bem se sai sangue do nariz dele você chega a pensar que era Ótragédia e aquela cara de tômorrendo quando desceu do circular sul quando ele torceu o pé na festa do coro no Monte do pãodaçúcar no dia queu usei aquele vestido a senhorita Stack trazendo pra ele as flores mais estragadinhas que pode achar no fundo da cesta fazendo qualquercoisa mesmo pra se meter num quarto dum homem com aquela voz dela de solteirona tentando imaginar quele tava morrendo por ela por nunca mais ver vossa face de novo apesardele parecer mais homem mesmo com a barba meia crescida na cama meu pai era a mesmacoisa e além disso detesto ficar fazendo curativo e dando remedinho quando ele deu uma navalhada no dedãodopé removendo os calos se apavorou daquilo arruinar mas se fosse eu a doente então a gente ia ver qualera a atenção só que claro a mulher esconde isso pra não dar toda trabalheira que eles dão SIM ele gozou nalgum lugar tô certa disso pelo seu apetite detodomodo amor quenãoé senão ele ia tá inapetente só pensando nela então ou foi uma dessas mulheresdavida se é quefoi lá quele foi mesmo e a história do hotel quele inventou uma porção de mentira pra esconder tramando tudo o Hynes que me deteve quem queu encontrei mesmo Ah SIM eu encontrei você se lembra o Menton e quem mais deixaver aquele cum carãodenenê eu vi ele e ele casado de recém flertando cuma mocinha no Miriorama Pooles e virei as costas pra ele quando ele se escapou com cara dequem sabia do estrago mas teve o descaramento de se engraçar comigo umavez bem feito pra ele um matraca e os olhos cozidos dele de todos os paspalhões que já conheci e que são chamados só de juristas pois eu detesto longas discussões na cama ou então se não foi isso foi alguma cadelinha poraí quele arranjou sabe-se lá onde ou cortejou escondido se elas pelomenos conhecessem ele tãobem quanto eu SIM

(...)

SIM eu acho quele deixou eles um pouco mais firmes chupando eles daquele jeito tantotempo ele me fez ficar com sede tetinhas ele chama eles eu tive que rir SIM este aqui então fica durinho o bico por qualquer coisinha eu vou dar um jeito de ele continuar fazendo isso e vou tomar aqueles ovos batidos com marsala encorpar eles pra ele queque são todas aquelas veias e coisas curioso o jeito queé feito 2 iguais no caso de gêmeos eles devem representar a beleza colocados lá em cima comoaquelas estátuas no museu uma delas fingindo esconder aquilo com a mão será que sãotão bonitos é claro comparando com como um homem se parece com suas 2 bolsas cheias e sua outra coisa dependurada pra fora dele ou te espetando pra cima feito um cabideiro nãoé de admirar que eles escondam aquilo cumafolha de repolho a mulher é a beleza é claro isso é sabido quando ele disse queu podia posar prum retrato nua prum certo sujeito rico da rua Holles quando ele perdeu o emprego no Helys e eu tava vendendo as roupas e arranhando um instrumento no palácio do café será queu ia ficar bem comoaquele banho da ninfa com meus cabelos soltos SIM só que ela é mais jovem ou eu sou pareço um pouco aquela vadia suja daquela foto espanhola quele tem as ninfas elas costumavam sair poraí assim eu perguntei pra ele aquele montês asqueroso do regimento de Cameron atrás do mercado de carne ou aquele outro desgraçado de cabeçavermelha atrás da árvore onde antes ficava a estátua do peixe quando eu tava passando ele fingindo que tava mijando exibindo o coiso pra queu visse com o saiote de neném erguido de lado os da infantaria da Rainha eram um belo grupo foi bom que os Surreys substituíram eles eles estão sempre tentando te mostrar o coiso quase que toda vez queu passava perto do mictório masculino perto da estação da rua Harcourt só pra pôr à prova algum sujeito ou outro tentando mefazerolhar ou se fosse 1 das 7 maravilhas do mundo Ah e o fedor desses lugares podres na noite queu voltava pra casa com o Poldy depois da festa dos Comerfords laranjas e limonada pra fazer a gente se sentir bem e cheiadágua fui em 1 deles tava um frio tão cortante queu não conseguia segurar quando éque foi isso 93 o canal tava congelado SIM foi uns poucos meses depois uma pena que uns deles dos Camerons não estivessem lá pra me ver decócoras no mictório dos homens meadero eu tentei fazer um desenho daquilo antes de rasgar quenem uma salsicha ou algo assim fico só pensando se eles não têm medo andando poraí de levar um chute ou uma pancada ou algo assim e aquela palavra metem seiláeuoquê sicose nela e ele me veio cuns travalínguas sobre encarnação ele nunca consegue explicar uma coisa simplesmente do jeito que um mortal possa entender então ele vai e me queima o fundo dacaçarola tudo pro Rim dele este nãoé tanto taí a marca dos dentes dele ainda onde ele tentou morder o biquinho eu tive que gritar nãoé que eles são medonhos tentando te machucar eu tive uma peitaria de leite com a Milly tanto que dava pra duas qualque foi a razão disso ele disse queu podia ganhar uma libra por semana como ama de leite tudo inchado na manhã que aquele estudante de aparência delicada que vivia no n◦. 28 com os Citrons o Penrose quase que me pegou me lavando pela janela só queu agarrei rápido a toalha pra cobrir o rosto isso é que era a estudação dele me doíam eles costumavam desmamar ela até quele trouxe o doutor Brady pra me dar a receita de Beladona eu tive de fazer ele chupar eles eles tavam tão duros ele disse que era mais doce e mais grosso que odevaca então ele queria me ordenhar no chá bem ele vai além de qualquer limite eu juro que alguém devia pôr ele na linha se eu pudesse me lembrar de pelomenos metade das coisas e escrever um livro detudoisso as obras de Mestre Poldy SIM

Luci Collin é escritora, tradutora e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR)