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Por Tom Farias*; Especial Para O Globo


Stefano Volp Agência O Globo — Foto:
Stefano Volp Agência O Globo — Foto:

Um início de noite tranquila, em pleno coração de São Paulo, marcou o lançamento do livro do escritor Stefano Volp, que se diz, antes de tudo, “um contador de histórias”. Em pouco tempo, uma aglomeração de jovens, a maioria negra, se comprimiu nos estreitos corredores da pequena livraria onde o autor recebia seus fãs e leitores.

Vulnerabilidade

Este bem poderia ser um dos muitos enredos inseridos entre os dez contos que compõem as narrativas de “Homens pretos (não) choram”, livro que ensaia tocar em um tema altamente caro e por demais sensível, sobretudo nos dias de hoje: a vulnerabilidade de homens negros. Volp, ele próprio um homem negro, e jovem, traz no seu livro histórias inquietantes, escritas sob a visão de um autor que perscruta a sociedade, e se imiscui nela, em busca de autoconhecimento, identidade e identificação.

As histórias se desenrolam de modo a nos levar a pensar que o comportamento humano, sob a perspectiva do homem negro na sociedade brasileira, está em processo de reconstrução. Volp, com isso, também se reconstrói e sugere esse caminho como uma saída natural para o reencontro consigo mesmo e com a universalização dos sentimentos.

A carga emocional do livro é muito forte, mas as histórias parecem girar em torno da paternidade, como um fator da masculinidade e da razão. Heleno, personagem do conto “Seco”, é um homem angustiado diante da impossibilidade de chorar. “Você se lembra da última vez que chorou?”, pergunta ao filho. Esse sentimento de impotência se vê em personagens como Thiago, de “Dona Tagarela”, e no do menino Wagner, de 13 anos, de “Sabonete”, ou em Ricardinho, de “Pio”. Em suma, todos expõem diálogos desafiadores, sobretudo entre pai e filho, e escancaram outro tipo de dolorosa proposição: a solidão do homem negro.

Escrito como uma catarse que formula indagações, mais do que respostas, “Homens pretos (não) choram” acaba se transformando em um potente mosaico de delicados sentimentos que afetam homens negros jovens e adultos. Eles ecoam também em toda sociedade, que se movimenta há séculos de forma opressora sobre a premissa do machismo e do patriarcado. Os contos falam de dores, medos, remexem feridas endêmicas, que há anos não cicatrizam.

O racismo, sobretudo o estrutural, como elemento inibidor, é fator impactante dos novos tempos que vivemos. De um modo ou de outro, se mistura à semelhança de ingredientes picantes e incômodos, especialmente quando ditos ou escritos abertamente. Mas Volp, no entanto, inflado de coragem, os diz e escreve, de mente altiva e de olhos abertos. Como homem negro, fala de si e para si em histórias para outros homens como ele — aí destaca-se, como pano de fundo, a temática da masculinidade negra, com toda a sua complexidade, em camadas, o grande axioma que é a incapacidade de tratar de suas próprias emoções.

A leitura do livro atua em nossa mente como ponto de reflexões importantes, e nos ajuda a pensar, de forma provocadora, no combustível interior que move nosso amor e nosso ódio próprios, e suas indagações, que perpassam e realinham todas as histórias aqui narradas: o “homem (preto) pode chorar e existir ao mesmo tempo?”

Violência

Por tudo isso, Volp prova, ao expor e falar em conflitos e sentimentos, na luta diária entre o ser e o existir como homem negro, que o ponto de partida de toda a superação é a coragem de espantar fantasmas interiores, enfrentar seus demônios e ressignificar afetos e desejos.

Se o livro é “um acerto de contas com uma sociedade racista”, como quer Jeferson Tenório no prefácio, pode ser também uma forma de humanizar pessoas negras historicamente desumanizadas pela indústria da violência e do racismo.

Tom Farias é escritor e jornalista

“Homens pretos não choram.”. Bom.

Autor: Stefano Volp. Editora: Harper Collins. Páginas: 224. Preço: R$ 49,90.

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