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Olga Tokarczuk e Peter Handke vencem o Nobel de Literatura de 2018 e 2019

Edição teve dois autores consagrados pela Academia Sueca, após escândalo sexual no ano passado
A polonesa Olga Tokarczuk, a premiada de 2018, e o austríaco Peter Handke, vencedor de 2019 Foto: Fotos Reuters/AFP
A polonesa Olga Tokarczuk, a premiada de 2018, e o austríaco Peter Handke, vencedor de 2019 Foto: Fotos Reuters/AFP

RIO — A romancista e poeta polonesa Olga Tokarczuk , 57 anos, e o escritor e dramaturgo austríaco Peter Handke , 76 anos, venceram, respectivamente, o Nobel de Literatura de 2018 e 2019.

A Academia Sueca justificou o Nobel para Olga por sua "imaginação narrativa", que, com "paixão enciclopédica representa o cruzamento de fronteiras como formas de vida".

Já Handke foi agraciado pelo trabalho influente, que "com engenhosidade linguística explorou as peripécias e especificidades da experiência humana".

Membros do Comitê de Literatura do Nobel anunciam os vencedores na Academia Sueca, em Estocolmo Foto: ANDERS WIKLUND/AFP
Membros do Comitê de Literatura do Nobel anunciam os vencedores na Academia Sueca, em Estocolmo Foto: ANDERS WIKLUND/AFP

Após polêmicas e escândalos que provocaram o adiamento do prêmio no ano passado, eles vão suceder ao nipo-britânico Kazuo Ishiguro , vencedor em 2017 .

Inédito de Olga sai em novembro no Brasil

Nos sites de aposta , Olga Tokarczuk aparecia ontem como uma das favoritas, em quarto lugar na lista dos prováveis vencedores, ao lado das canadenses Margaret Atwood e Anne Carson, a guadalupense Maryse Condé e a russa Lyudmila Ulitskaya. Já Handke surgiu como uma surpresa: o seu romance de estreia, "Die hornissen", ("As vespas", em tradução livre), de  1966, e a peça '"Ofendendo o público", de 1969, foram destacadas como marcas de seu estilo.

— Estou surpresa e feliz, e é importante, para mim, receber o prêmio no momento em que a Academia inicia uma nova era — declarou a escritora à agência sueca TT.

Leia: Trecho de livro de "Sobre os ossos dos mortos", de Olga Tokarczuk, que será lançado no Brasil em novembro

Em entrevista ao jornal polonês "Gazeta Wyborcza", a autora parabenizou o colega de prêmio:

— Estou contente que Peter Handke, que eu aprecio particularmente, tenha recebido o prêmio ao mesmo tempo que eu. É formidável que a Academia sueca aprecie a literatura da Europa Central.

Polonesa teve os direitos do romance "Sobre os ossos dos mortos" comprados pela editora brasileira Todavia. O livro sairá em novembro, com tradução de Olga Bagińska-Shinzato. Em 2014, a editora Tinta Negra publicou "Os vagantes". Hoje esgotado, o romance ganhará nova edição, também pela Todavia, com novo título ("Viagens") e tradução (também de Olga Bagińska-Shinzato). Ainda não há data de lançamento. Com o nome de "Flights", o livro Vencedora do Man Booker International Prize de 2018 .

Recentemente, Olga se descreveu como uma pessoa "sem biografia": "Não tenho uma biografia muito clara, que posso relatar de maneira interessante. Estou cheia desses personagens que saíram da minha cabeça, que inventei".

Nascida em 1962, em Sulechów, a autora vive em Breslau, também na Polônia. Formada em psicologia, trabalhou com os conceitos de Carl Jung. Sua estreia como escritora de ficção se deu em 1993 com "Podróz ludzi Księgi" ("A jornada do povo do livro", em tradução livre). Antes, havia iniciado como poeta. O jornal "The Guardian" a destacou como "uma das grandes vozes humanistas da Europa”. Seus livros já foram traduzidos para 25 idiomas.

"Sobre os ossos dos mortos" é uma espécie de thriller fantástico, ecológico e metafísico, que defende a causa dos animais. Olga, por sinal, é militante na área. Além de ecologista e vegetariana, ela é identificada politicamente com a esquerda. Também é crítica ao governo nacionalista conservador de seu país, pelo qual é frequentemente atacada.

Handke: autor elogiado, personagem controverso

Peter Handke , por sua vez, tem alguns títulos importantes lançados por aqui, como "A perda da imagem ou através da Sierra de Gredos" e "Don Juan: Narrado por ele mesmo" (ambos pela Estação Liberdade) e "A repetição" (Rocco). Um de seus livros mais famosos é "O medo do goleiro diante do pênalti", publicado pela Brasiliense nos anos 1980.

 

O autor nasceu em 1942, em Griffen, uma vila na região de Kärnten, no sul da Áustria. De origem eslovena, a população mais pobre do país, ele perdeu os dois irmãos durante a Segunda Guerra Mundial.  Mas logo se tornou um dos mais influentes autores de língua alemã do pós-guerra, tendo escrito cerca de 80 obras. Admirador do chamado Nouveau Roman, e influenciado por escritores como Claude Simon e Alain Robbe-Grillet, Handke já disse certa vez que não busca o pensamento em seus livros, e sim "as sensações".

Leia: Trecho de "Ensaio sobre o maníaco dos cogumelos", de Peter Handke, que sai no Brasil em novembro

Ferrenho defensor dos sérvios na Guerra da Bósnia, sua trajetória é marcada por posições políticas polêmicas . No outono de 1995, meses após a massacre de Srebrenica, na Sérvia, que matou mais de 8 mil bósnios muçulmanos a Guerra da Bósnia, Handke viajou à região e escreveu um controvérso livro de viagens, em que conta suas impressões. Ele não apenas aceitou ser condecorado pelo ex-presidente da Sérvia Slobodan Milosevic (acusado de crimes contra a humanidade, como genocídio), como ainda discursou em seu enterro.

Em 1999, recusou o prestigioso Prêmio Büchner, um dos principais da Alemanha, e protestou por conta dos bombardeios da OTAN contra Belgrado — medida que ele chamou de "novo Auschwitz".

'Não é prêmio político', diz membro do júri

Handke já foi atacado por colegas por suas posições pró-Sérvia e Milosevic, inclusive por nomes como Salman Hushdie e  Susan Sontag. O Prêmio Ibsen atribuído em 2014 ao escritor foi recebido com protestos por muitos intelectuais.

Membro da Academia, Anders Olsson disse ter falado com Handke, que aceitou o prêmio.

— Ele estava muito, muito emocionado. No início, não pronunciou nenhuma palavra — contou Olsson, minimizando a controvérsia em torno do nome do austríaco: — Não é um prêmio político, é um prêmio literário.

Além da literatura e teatro, o austríaco também atuou no cinema. Diretor bissexto, assinou longas como "A mulher canhota" (1978) e "A ausência" (1992). Como roteirista, manteve uma colaboração consistente com Wim Wenders, em longas como "O medo do goleiro diante do pênalti" (1972),  "Movimento em falso" (1975) e o clássico "Asas do desejo" (1987).

Maior honraria que um escritor pode receber em vida, o Prêmio Nobel de Literatura de 2019 teve uma curiosidade este ano, dois autores saíram consagrados pela Academia Sueca. Em 2018 a premiação não foi realizada, por conta de uma crise histórica da instituição.

O motivo foi um escândalo sexual envolvendo um de seus integrantes que levou à renúncia de seis membros da academia. Sem quórum e com sua imagem em crise, a instituição decidiu adiar a premiação relativa a 2018 para este ano. Sendo assim, foram anunciados dois vencedores, um relativo a 2018 e outro, a 2019. A última vez em que o adiamento do Nobel de Literatura havia ocorrido fora em 1949.

Veja os últimos vencedores do Nobel de Literatura

2010 — Mario Vargas Llosa (Peru)

2011 — Tomas Tanströmer (Suécia)

2012 — Mo Yan (China)

2013 — Alice Munro (Canadá)

2014 — Patrick Modiano (França)

2015 — Svetlana Alexijevich (Bielorússia)

2016 — Bob Dylan (EUA)

2017 — Kazuo Ishiguro (Reino Unido)

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