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'A amiga genial': Jornalista afirma ter 'desmascarado' Elena Ferrante

‘Esse tipo de jornalismo é nojento’, acusou editor da autora
Capa do livro 'A amiga genial', de Elena Ferrante Foto: Divulgação
Capa do livro 'A amiga genial', de Elena Ferrante Foto: Divulgação

LONDRES — O mundo literário reagiu furiosamente após um jornalista italiano ter “descoberto” o verdadeiro nome e detalhes biográficos da romancista Elena Ferrante, que mantinha sua identidade secreta por trás do pseudônimo desde o início de sua bem-sucedida carreira. Links Elena Ferrante

Claudio Gatti revelou suas descobertas no site do jornal “New York Review of Books”, mas a decisão causou polêmica após muitos artistas do meio questionarem se revelar a identidade de Elena seria necessário ou até mesmo justo — em respeito à opção da autora pelo anonimato, o GLOBO preferiu não revelar o nome e nem divulgar o link da matéria publicada por Gatti.

“Nós achamos que esse tipo de jornalismo é nojento. Pesquisar na carteira de uma escritoria que decidiu apenas não ser uma pessoa ‘pública’”, atacou Sandro Ferri, editor de Elena e um dos poucos a saberem quem a autora realmente é, em entrevista ao “ Guardian ”.

Elena é mais conhecida por sua tetralogia napolitana, e foi considerada uma das 100 pessoas mais influentes do planeta pela revista “Time”, neste ano. As investigações de Gatti se basearam em recibos de pagamentos feitos pelo editor a Elena.

No Twitter, muitos usuários alegaram que a italiana mantém sua identidade anônima por uma boa razão, mas Gatti insistiu que “os leitores têm o direito legítimo de saber a verdade, uma vez que eles fizeram dela uma superstar”.

“De fato, ela e seu editor parecem não apenas ter alimentado o interesse do público em descobrir sua verdadeira identidade mas também desafiaram críticos e jornalistas a irem atrás da mentiras”, disse o jornalista, também ao “Guardian”. “Ela nos disse que considera as mentiras ‘saudáveis’. Como jornalista, eu não considero o mesmo. Na verdade, é o meu trabalho expor a verdade”.

ENTREVISTA AO GLOBO

Em rara entrevista, por e-mail, Elena Ferrante conversou com o GLOBO em maio do ano passado. Na época, a versão em português de "A amiga genial" era lançada no Brasil. No papo, a autora italiana falou um pouco sobre o anonimato e pseudônimo adotado em sua carreira.

— Por uns quinze anos minha invisibilidade contou pouco ou nada. Depois, meus livros ganharam mais atenção, e a imprensa começou a considerar intolerável a minha ausência — disse.

Leia alguns trechos (e a íntegra, aqui ):

Ultimamente, você concordou em dar algumas entrevistas. Por que você se recusa a participar publicamente da vida literária? Em 20 anos, as razões para seu anonimato ainda são as mesmas. Em que ocasiões você concorda em conceder entrevistas?

No que posso, participo da vida pública, mas tenho uma opinião negativa do protagonismo e de todas as amplificações e distorções da mídia. Prefiro me expressar com a escrita, um meio de amplo controle. Quanto às entrevistas, faria tudo o que me pedem se não tivesse medo de resultar chata, repetitiva, e sobretudo se pudesse, como neste caso, escrever eu mesma as respostas. Não confio em minha oralidade, das palavras improvisadas e, perdoe-me, de como os entrevistadores frequentemente abusam delas, quando as colocam por escrito.

A figura do autor tem uma importância central no mercado de livros. Desde o romantismo, a expressão da sua individualidade tem papel crucial. Seu anonimato é uma oposição a essa visão? Faz mais sentido ver o autor como um elo em uma longa tradição?

Não luto contra o autor, luto contra sua preponderância, contra o fato de que sempre quem escreve vale mais do que a leitura da própria obra. Queria que os livros adquirissem uma centralidade absoluta e que o que realmente é devido aos autores (falo também dos clássicos), nos educássemos a encontrá-lo nas páginas. Quanto à individualidade, claro que conta. Mas não fica esquecido que o singular, todos nós, na nossa unidade/singularidade, somos o ponto de confluência dos outros, os nossos antepassados, os nossos contemporâneos. Somos inteligência acumulada nos grandes depósitos da tradição, e a nossa individualidade se alimenta continuamente, permitindo e discordando, conformando-se e inovando.

Alguns críticos falam que seus livros têm uma "brutal honestidade". O anonimato garante mais liberdade criativa?

Uma boa narrativa é uma mentira que diz verdades que de outra foram são impronunciáveis.

Qual o efeito de sua ausência da vida literária na leitura da sua obra? Como os leitores se relacionam com uma obra de cujo autor não se conhece nada?

Por uns quinze anos minha invisibilidade contou pouco ou nada. Depois, meus livros ganharam mais atenção, e a imprensa começou a considerar intolerável a minha ausência. Mas é um problema que parece grave só nas redações de jornais. Para as TVs, por exemplo, não interessa: falta a matéria prima, uma autora que exiba sua pessoa. Quanto aos meus leitores, não mostram nenhuma curiosidade, eles aumentaram pelo puro e simples amor pela leitura.

Qual a origem do seu pseudônimo? Por que escolheu Elena Ferrante?

Porque é o meu nome quando eu escrevo, fora desse nome não conseguiria mais.