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Abdulrazak Gurnah vence o Nobel de Literatura de 2021

Autor tanzaniano foi premiado 'por sua penetração intransigente e compassiva nos efeitos do colonialismo'
O tanzaniano Abdulrazak Gurnah Foto: Reprodução
O tanzaniano Abdulrazak Gurnah Foto: Reprodução

Autor de livros como "Desertion" e "By the sea", o escritor tanzaniano de língua inglesa Abdulrazak Gurnah é o vencedor do Nobel de Literatura de 2021, “por sua penetração intransigente e compassiva nos efeitos do colonialismo. O anúncio foi feito nesta manhã de quinta-feira, 7, pela Academia Sueca.

Gurnah nasceu em 1948 e cresceu na ilha de Zanzibar, no Oceano Índico, mas chegou à Inglaterra como refugiado no final da década de 1960. Ele publicou dez romances e uma série de contos. Seu último livro lançado foi "Afterlives" (2020), mas nenhuma de suas obras foi até hoje lançada no Brasil .

Gurnah começou a escrever como refugiado, aos 21 anos, e as perturbações do exílio permeiam seus livros. A memória e a identidade são elementos em constante mutação. A própria linguagem é afetada, pois embora sua língua materna seja o suaíli, ele optou por escrever em inglês.

A Academia destacou a dedicação do autor de 73 anos "à verdade e sua aversão à simplificação". Ainda segundo os suecos, seus romances "evitam descrições estereotipadas e abrem nosso olhar para uma África Oriental culturalmente diversificada".

A premiação de Gurnah é, em parte, uma tentativa do Nobel de sair do eixo tradicional do mercado literário.

Desde que foi criado, em 1901, o Nobel de Literatura já contemplou 117 escritores dos quatro cantos do mundo, mas a falta de diversidade ainda é uma das marcas da premiação. Ttodos os laureados dos últimos nove anos foram europeus ou norte-americanos.

Até hoje, apenas 16 mulheres, sendo Toni Morrison (1931-2019) a única autora negra contemplada, há 27 anos. A desigualdade se reflete também na origem dos nomes escolhidos: 77,5% deles são europeus.

Como muitos outros premiados do Nobel, Gurnah não tem livros publicados no Brasil. Isso aconteceu com outros três ganhadores nos últimos dez anos: a bielorrussa Svetlana Alexiévitch (2015), o chinês Mo Yan (2012) e o sueco Tomas Tranströmer (2011).

No ano passado, quando saíram os vencedores de 2019 e 2018 (por conta de escândalos envolvendo a Academia Sueca , a premiação anterior havia sido adiada), os  anunciados também não eram fáceis de achar. Embora conhecido no Brasil, o austríaco Peter Handke estava fora de moda, com apenas dois livros em catálogo. E a autora anunciada junto com ele, a polonesa Olga Tokarczuk , tinha só um: “Os vagantes”, publicado por aqui em 2015 pela Tinta Negra.

O Nobel esquentou o mercado. Um mês depois, a Todavia publicou “Sobre os ossos dos mortos” , de Tokarczuk, e a Estação Liberdade lançou “Ensaio sobre a jukebox” e “Ensaio sobre os cogumelos” , de Handke. O mesmo deve acontecer com Gurnah.

Outros vencedores

2000: Gao Xingjian (França)

Nascido em Ganzhou, na China, em 1940, Gao Xingjian naturalizou-se francês depois de se exilar na Europa, em 1988, devido à perseguição do regime comunista. Considerado um dos pioneiros do teatro do absurdo chinês, o dramaturgo, novelista e tradutor chegou a ser mandado para um campo de reeducação e obrigado a queimar seus manuscritos. Uma de suas principais obras é “A montanha da alma”, publicada no Brasil pela Alfaguara e escrita ao longo de uma caminhada de dez meses pelo interior da China.

2001: V. S. Naipaul (Reino Unido)

Naipaul (1932 - 2018) nasceu em Trinidad e Tobago, no Caribe, neto de imigrantes indianos. Estudou na Inglaterra e trabalhou como jornalista na BBC, antes de se dedicar integralmente à literatura. Suas obras “Entre fiéis” (1981) e “Além da fé” (1998), escritas após uma viagem na década de 1980 a países muçulmanos, são abertamente críticas ao fundamentalismo islâmico. No Brasil, o autor foi publicado pela Companhia das Letras.

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2002: Imre Kertész (Hungria)

Kertész (1929 - 2016) foi um sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, para onde foi levado quando tinha apenas 15 anos. A experiência o inspirou a escrever seu livro mais famoso, “Sem destino” (esgotado no Brasil), onde narra a vida de um adolescente nos campos de extermínio nazistas. Produzida ao longo de 13 anos, a obra foi publicada em 1975.

2003: J. M. Coetzee (África do Sul)

Nascido na Cidade do Cabo em 1940, J. M. Coetzee foi o primeiro autor a receber dois Booker Prize, um dos principais prêmios de literatura da Inglaterra, por “Vida e época de Michael K.”, em 1983, e “Desonra”, em 1999. As obras narram dilemas humanos na África do Sul durante e após a guerra civil, e foram publicadas no Brasil pela Companhia das Letras.

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2004: Elfriede Jelinek (Áustria)

Nascida em 1946, a dramaturga e romancista foi a 10ª mulher a ganhar o Nobel de Literatura. Suas obras, que tratam de temas ligados à sexualidade feminina e à opressão contra a mulher, já foram alvo de críticas no país natal da escritora devido a seu caráter supostamente pornográfico. No Brasil, Jelinek foi publicada pela Tordesilhas.

2005: Harold Pinter (Reino Unido)

Ao longo de mais de 50 anos de carreira, o dramaturgo britânico, morto em 2008, escreveu peças como “Festa de aniversário” (1957), “Volta ao lar” (1964) e “Traição” (1978), também adaptadas para o cinema. Foi um dos maiores representantes do teatro do absurdo, e teve trabalhos publicados no Brasil pela José Olympio.

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2006: Orhan Pamuk (Turquia)

Nascido em 1952, Pamuk é considerado o principal romancista turco de seu tempo e um dos maiores defensores dos direitos políticos dos curdos. Já foi traduzido para mais de 40 idiomas. “Meu nome é vermelho” (1998) e “Uma sensação estranha” (2017) são algumas de suas obras publicadas no Brasil, pela Companhia das Letras.

2007: Doris Lessing (Reino Unido)

Morta em 2013, aos 94 anos, a autora foi a pessoa mais velha a ganhar o Nobel de Literatura. Ao longo da carreira, Lessing passou por temas como justiça social, ficção científica e feminismo — embora rejeitasse o rótulo de “feminista”. Sua principal obra é o romance “O carnê dourado” (1962), publicado no Brasil pela Record.

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2008: Jean-Marie Gustave Le Clézio (França)

Nascido em 1940, o escritor já explorou temas como a loucura, a infância e a própria linguagem em suas mais de quarenta obras publicadas. Entre os livros lançados no Brasil, está “O africano” (2004, publicado pela Cosac & Naify), em que Le Clézio retoma a experiência de morar na África, quando ainda era criança.

2009: Herta Müller (Alemanha)

A autora, nascida na Romênia em 1953, é conhecida pela forte carga de oralidade de seus romances, contos e ensaios. Seu primeiro livro, “Depressões” (1982), publicado no Brasil pela Globo Livros, foi censurado pelo regime do ditador romeno Nicolae Ceausescu. A perseguição polícia a levou ao exílio na Alemanha, onde vive desde 1987.

2010: Mario Vargas Llosa (Peru)

O escritor peruano foi o último autor da América Latina a vencer o Nobel de Literatura. Nascido em 1936, alcançou fama internacional na década de 1960 com livros como “A cidade e os cachorros” (1963) e “A casa verde” (1966), publicados no Brasil pela Companhia das Letras.

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2011: Tomas Tranströmer (Suécia)

O último autor sueco a receber a láurea se destacou por sua poesia. Psicólogo de formação, ele continuou a escrever mesmo depois de sofrer um acidente vascular cerebral que o deixou incapaz de falar, em 1990. Traduzido para mais de 50 línguas, teve a antologia “Mares do leste e outros poemas” publicada no Brasil pela Ayiné em 2018, três anos após sua morte.

2012: Mo Yan (China)

Nascido Guan Moye, em 1955, o escritor adotou o pseudônimo “Mo Yan”, que significa “não fale”, inspirado pelos conselhos que ouvia dos pais durante a infância na China comunista. Sua escolha para o Nobel foi alvo de críticas , devido à proximidade entre o autor e o regime chinês. Seu romance “As rãs”, de 2009, foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras.

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2013: Alice Munro (Canadá)

A escritora foi a primeira pessoa especializada em contos a levar o Nobel. Suas obras inspiraram o curta “Boys and girls”, vencedor do Oscar em 1983, e o longa “Julieta” (2006), de Pedro Almodóvar, entre outras produções. Sua obra inédita mais recente é “Vida querida” (2012), publicada no Brasil pela Companhia das Letras.

2014: Patrick Modiano (França)

Filho de um comerciante judeu e uma atriz belga, Modiano escreve sobre temas como a memória, o esquecimento e a identidade a partir de traumas da história francesa, como a ocupação nazista durante a 2ª Guerra Mundial. Entre suas obras lançadas no Brasil, estão “Dora Bruder” (1997), “Ronda da noite” (1969) e “Uma rua de roma” (1978), publicadas pela Rocco.

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2015: Svetlana Alexiévitch (Bielorrússia)

Um dos raros nomes de não-ficção a vencer o Nobel, a escritora lançou seu primeiro livro, “A guerra não tem rosto de mulher”, em 1985. Na obra, Alexiévitch narra as vidas de mulheres que lutaram durante a 2ª Guerra Mundial. A autora também se destacou por “Vozes de Tchernóbil: crônica do futuro” (1997), onde traz testemunhos de sobreviventes do maior desastre nuclear da história. Ambos os livros foram publicados pela Companhia das Letras.

2016: Bob Dylan (Estados Unidos)

Numa das maiores polêmicas do prêmio Nobel nos últimos anos, o compositor norte-americano foi laureado "por criar novas expressões poéticas dentro da grande tradição da música americana", como justifica o site do evento. Além de canções como “Blowin’ in the wind” e “Like a rolling stone”, Dylan também já lançou um livro de ficção: “Tarântula”, de 1971, publicado no Brasil pela Planeta.

2017: Kazuo Ishiguro (Reino Unido)

Nascido em Nagazaki, no Japão, em 1954, Ishiguro se mudou para a Inglaterra aos cinco anos de idade. Seus romances vão da ficção científica à história para tratar de temas ligados à memória e ao absurdo — nem sempre percebido — da condição humana. Seu livro “Não me abandone jamais”, de 2005, foi adaptado para o cinema. No Brasil, o autor foi publicado pela Companhia das Letras.

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2018: Olga Tokarczuk (Polônia)

A romancista de esquerda, ecologista e vegetariana é uma forte crítica do governo conservador da Polônia. Sua produção vai da obra policial “Sobre os ossos dos mortos” (2009), lançada no Brasil pela Todavia, ao romance histórico “Escrituras de Jacó” (2014), ainda não publicado no país. O livro lhe rendeu ameaças de morte por parte de grupos extremistas poloneses.

2019: Peter Handke (Áustria)

O escritor austríaco é um dos nomes mais controversos a ganhar o Nobel nos últimos anos, devido a seu apoio ao regime genocida do sérvio Slobodan Milosevic na década de 1990. Além dos livros “Ensaio sobre a jukebox”, de 1990, e "Ensaio sobre o louco por cogumelos”, de 2013, lançados no Brasil pela Estação Liberdade, o autor também assina o roteiro do filme “Asas do desejo” (1987), de Wim Wenders.

2020: Louise Glück (Estados Unidos)

A poeta norte-americana, vencedora do Nobel deste ano, estreou na literatura em 1968. De lá para cá, já escreveu 12 coletâneas de poemas e alguns volumes de ensaios sobre o fazer poético, mas ainda não foi publicada no Brasil.