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Após Elena Ferrante, escritoras italianas ganham reconhecimento internacional

Antes ignoradas por críticos e premiações, autoras como Helena Janeczek, Veronica Raimo e Igiaba Scego encontram aclamação fora da Itália
A escritora Veronica Raimo posa em Villa Ada, em Roma, em outubro de 2019. Autora de 'Miden' foi uma das beneficiadas com febre mundial em torno de Elena Ferrante Foto: STEPHANIE GENGOTTI / NYT
A escritora Veronica Raimo posa em Villa Ada, em Roma, em outubro de 2019. Autora de 'Miden' foi uma das beneficiadas com febre mundial em torno de Elena Ferrante Foto: STEPHANIE GENGOTTI / NYT

ROMA - Na Itália, a ficção literária há muito era considerada um esporte masculino. Editores, críticos e jurados de premiações descartavam livros de mulheres como “chick-lit” e leituras de praia. Eles esnobaram Elena Ferrante , autora de “A amiga genial” , como autora de meros vira-páginas.

Então a Tetralogia Napolitana de Ferrante virou uma sensação internacional, vendendo mais de 11 milhões de cópias, inspirando uma aclamada série da HBO e cementando sua reputação como uma das mais bem-sucedidas novelistas italianas em anos. Sua ascensão, e a redescoberta de algumas das grandes escritoras italianas do século passado, encorajou uma nova onda de mulheres e estremeceu o status quo literário do país. Escritoras mulheres da Itália estão ganhando prêmios de prestígio, sendo traduzidas e vendendo cópias.

As conquistas dessas mulheres despertou um debate mais amplo na Itália sobre o que é literatura em um país onde a virtuosidade auto-referente é geralmente mais valorizada do que contação de história, ressoância emocional e questões como sexismo e gênero.

— Antes éramos mais relutantes ao escrever sobre certos assuntos, temendo que eles seriam rotulados como “coisa de mulher” — , diz Veronica Raimo, autora do romance “Miden”, que explora casamento, gravidez e abuso sexual.

— Havia a ideia de que histórias de contadas por mulheres não poderiam ser universais. Mas isso está mudando.

Uma das autoras que viu o progresso em primeira mão foi Helena Janeczek, que publica há décadas mas apenas no ano passado foi a primeira mulher dentro de 15 anos a vencer o Premio Strega, principal prêmio literário do país.

— Foi um grande hiato, não foi? Mas eu não fiquei tão surpresa. Os tempos estão mudando.

O livro que lhe rendeu o prêmio, “La ragazza con la Leica”, é um romance histórico sobre a fotógrada de guerra Gerda Taro, morta em 1937 enquanto documentava a Guerra Civil Espanhola e seu namorado e colega mais famoso, Robert Capa.

Vencedora do Premio Strega de 2018, Helena Janeczek diz que reconhecimento custou a chegar para escritoras italianas Foto: DANIEL DORSA / NYT
Vencedora do Premio Strega de 2018, Helena Janeczek diz que reconhecimento custou a chegar para escritoras italianas Foto: DANIEL DORSA / NYT

Nos últimos dois anos, romances feitos por mulheres corresponderam a cerca de metada dos 20 principais best-selles de ficção da Itália — quase o dobro do percentual de 2017, segundo dados divulgados pela Informazioni Editoriali, a partir de números de vendas nas livrarias do país.

Em entrevistas, autores, editores, críticos e tradutores dizem que as escritoras mulheres ganharam atenção extraordinária. Alguns chamam isso de “efeito Ferrante”.

“A amiga genial” e os outros romances de Ferrante (seu último, “A vida mentirosa dos adultos” , chega ao Brasil em 2020) mostrou que “há um mercado para a ficção feita por mulheres”, afirma Daniela Brogi, professora de literatura contemporânea na Universidade para Estrangeiros de Siena, além de “dar dignidade literária para a ficção sobre mulheres”.

Antes, críticos eram rápidos em menosprezar histórias sobre o vínculo entre mulheres. Agora, três livros amplamente discutidos lidam com a relação entre mãe e filha. “L’Arminuta” de Donatella Di Pietrantonio, é uma história sobre amadurecimento ambientada no interior do sul da Itália. “La Straniera”, de Claudia Durastanti, relembra sua criação em uma família disfuncional entre o Brooklyn e Basilicata. E o romance “Addio Fantasmi”, de Nadia Terranova, conta a história de uma mulher na faixa dos trinta encarando o seu doloroso passado em uma viagem para ver sua mãe.

Raimo diz que os jovens leitores italianos se tornaram mais abertos a ler mulheres em parte por terem lido autoras em traduções.

— Eles sabem que há países onde ter alguém como Jennifer Egan ou Zadie Smith é normal — diz ela.

A escritora ítalo-somali Igiaba Scego diz que Elena Ferrante gerou buzz em torno de outras escritoras do país europeu Foto: SIMONA FILIPPINI / NYT
A escritora ítalo-somali Igiaba Scego diz que Elena Ferrante gerou buzz em torno de outras escritoras do país europeu Foto: SIMONA FILIPPINI / NYT

Mas muitas da nova onda de autoras mulheres atribuem o momento a Ferrante, que continua anônima apesar da fama de seus livros (alguns especulam que Ferrante possa ser Anita Raja, uma proeminente tradutora casada com o escritor Domenico Starnone ).

— Há um buzz global em torno de escritores italianos contemporâneos, incluindo mulheres e mesmo minorias, então nós devemos muito a ela — defende a escritora ítalo-somali Igiaba Scego , autora do romance “Oltre Babilonia”, que explora os traumas de imigrante pelos olhos de duas mulheres, e publicada no Brasil com “Caminhando contra o vento” (2016), misto de ensaio e depoimento afetivo sobre Caetano Veloso.

Ainda assim, escritoras italianas continuam enfrentando obstáculos.

— O problema não é ser publicada ou vender cópias. É conquistar reconhecimento — diz Janeczek.