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Após musical e doc, Elza Soares ganha biografia escrita por Zeca Camargo

Autor dispôs de 40 horas de depoimentos da cantora, nos quais ela fala do mergulho nas drogas depois da morte do filho
Elza Soares: cantora biografada por Zeca Camargo Foto: Daryan Dornelles / Divulgação
Elza Soares: cantora biografada por Zeca Camargo Foto: Daryan Dornelles / Divulgação

RIO - ‘Esta é a história de Elza que zombou da ziquizira, chamou pra zoeira, tirou da zica e da dor, prazer e luz”, escreve o jornalista e apresentador de TV Zeca Camargo no prólogo de “Elza” (LeYa), a biografia autorizada de Elza Soares, que ele e a cantora autografam nesta segunda-feira (12) na sala 1 do Estação Net do Shopping da Gávea, depois de um bate-papo que começa às 19h30m. É proposital, diz Zeca, o uso de tanta letra Z ao iniciar o relato sobre essa sobrevivente da fome, do racismo e do machismo no Brasil, que não poucas vezes foi do fundo do poço ao alto do firmamento do showbiz.

— A vida dela ziguezagueia, era impossível contar essa trajetória de forma linear. Fiz uma biografia tridimensional — conta ele, por telefone. — Logo que a Marielle ( a vereadora Marielle Franco ) foi assassinada, a Elza se pronunciou e sofreu ameaças. Ameaças que lembraram o momento em que ela saiu do Brasil ( ao assumir o romance com o craque Mané Garrincha, que era casado ) porque a sua casa foi alvejada por tiros. Elza fala com orgulho: “Com essa idade e ainda sou uma ameaça!” Ela é essa mulher que falou o que queria, que comprou várias brigas e que está aí até hoje.

Para mais este capítulo da celebração recente da cantora, que acontece também em musical de teatro e documentário para cinema (ler abaixo), Zeca Camargo conduziu uma série de entrevistas com a cantora que resultaram em mais de 40 horas de depoimentos.

— A nossa opção, minha e da editora, foi focar na própria Elza. A biografia de uma pessoa viva é uma coisa preciosa, porque ela está lá para contar a história dela — diz o jornalista, que só depois de ter acabado de escrever o livro foi ler a outra biografia de Elza Soares, “Cantando para não enlouquecer” (1997), de José Louzeiro. — O que eu usei, e bastante, foi o livro que ela própria escreveu, “Minha vida com Mané”, que é muito raro. Mas ali também é uma biografia muito pessoal, impressionista. Cerca de 90% do que usei vieram do que ela me falou.

As descrições quase cinematográficas de passagens da vida da cantora chamam a atenção em “Elza”:

— Todo mundo já leu milhares de entrevistas com ela, e alguns episódios são muito conhecidos, a ponto de terem ficado desgastados. Você sabe que ela foi no programa do Ary Barroso e que ele perguntou de que planeta ela vinha ( “do planeta fome”, respondeu Elza, classicamente ). A ideia era pegar episódios muito conhecidos e recontá-los de uma maneira mais rica. Quem estava na plateia? O que ela sentia? Com que roupa estava? Como era a voz do Ary Barroso? A Elza tem uma memória prodigiosa para quem, como a gente brinca, tem algo entre 85 e 88 anos de idade.

Na intimidade das entrevistas com Zeca Camargo, surgiram revelações.

— No meio dos anos 1980, logo depois que o filho dela com o Garrincha, o Júnior, morreu ( num acidente de carro, em 1986 ), a Elza pira, literalmente: perde o eixo e cai nas drogas. No livro, é a primeira vez em que ela fala abertamente: “Eu subi o morro, cheirei cocaína, eu estava sem saída” — relata Zeca. — No dia seguinte, a Elza pediu para retirar aquilo do livro, porque se sentia vulnerável. Eu disse que ia escrever o episódio dentro de um contexto e dar para ela ler. Ela leu e disse que estava legal. No fim, mesmo os episódios mais dramáticos e talvez mais constrangedores que ela contou entraram.

Segundo o jornalista, uma das preocupações da cantora é que “Elza” não fosse um livro “sobre o Mané”:

— Ela tinha um argumento engraçado: “Fui casada com o Garrincha 17 anos, eu tenho 87: sobram 70 anos.” Só nas últimas entrevistas é que falamos sobre ele.

Revivida pelas mãos do rock dos anos 1980 (ela gravou com Lobão e com Cazuza depois de Caetano Veloso a ter tirado do ostracismo para cantar com ela o samba-rap “Língua”), Elza Soares teve mais duas redescobertas pelos jovens com os álbuns “Do cóccix ao pescoço” (2002) e “Vivo feliz” (2004), e, de forma ainda mais inesperada, com “A mulher do fim do mundo” (2015) e “Deus é mulher” (2018):

— Elza sempre foi essa mulher moderna. O que ela lamenta, em vários momentos do livro, é que depois do grande sucesso nos anos 1970, muita gente só queria olhar para ela como uma cantora de samba. E ela sabia que, com a voz que tem, que é única, poderia cantar o que quisesse.

Elza nos cinemas e nos palcos

Nas telas desde o dia 1º, “My name is now”, documentário de Elizabete Martins Campos, investiga a trajetória pessoal e artística de Elza Soares, com seus altos e baixos, entremeando a narrativa com sequências em que a cantora interpreta clássicos da música brasileira — letras e ritmos dão o tom da história. O filme começa com a chegada de Elza a sua casa, em Copacabana, depois de mais um show, e segue num diálogo com um espelho/câmera. Frente a frente consigo mesma, a cantora reflete sobre a sua vida e sua obra. “Elza é uma personagem que se tornou um mito vivo da cultura brasileira por seu talento, criatividade, história e cotidiano”, define Elizabete.

Com direção cênica de Duda Maia, direção musical de Pedro Luís, arranjos de Letieres Leite e texto de Vinícius Calderoni, o musical “Elza” estreou em julho, com a presença da própria homenageada, no Teatro Riachuelo, no Rio (agora está em cartaz em São Paulo, no Sesc Pinheiros, até dia 18). Em cena, as atrizes e cantoras Larissa Luz, Janamo, Julia Dias, Khrystal, Veronica Bonfim, Nivea Magno e Késia Estácio interpretam as diferentes Elzas nos diferentes momentos de sua longa e conturbada vida, em um espetáculo rico em música, emoções e expressões corporais.