RIO - ‘Esta é a história de Elza que zombou da ziquizira, chamou pra zoeira, tirou da zica e da dor, prazer e luz”, escreve o jornalista e apresentador de TV Zeca Camargo no prólogo de “Elza” (LeYa), a biografia autorizada de Elza Soares, que ele e a cantora autografam nesta segunda-feira (12) na sala 1 do Estação Net do Shopping da Gávea, depois de um bate-papo que começa às 19h30m. É proposital, diz Zeca, o uso de tanta letra Z ao iniciar o relato sobre essa sobrevivente da fome, do racismo e do machismo no Brasil, que não poucas vezes foi do fundo do poço ao alto do firmamento do showbiz.
— A vida dela ziguezagueia, era impossível contar essa trajetória de forma linear. Fiz uma biografia tridimensional — conta ele, por telefone. — Logo que a Marielle ( a vereadora Marielle Franco ) foi assassinada, a Elza se pronunciou e sofreu ameaças. Ameaças que lembraram o momento em que ela saiu do Brasil ( ao assumir o romance com o craque Mané Garrincha, que era casado ) porque a sua casa foi alvejada por tiros. Elza fala com orgulho: “Com essa idade e ainda sou uma ameaça!” Ela é essa mulher que falou o que queria, que comprou várias brigas e que está aí até hoje.
Para mais este capítulo da celebração recente da cantora, que acontece também em musical de teatro e documentário para cinema (ler abaixo), Zeca Camargo conduziu uma série de entrevistas com a cantora que resultaram em mais de 40 horas de depoimentos.
— A nossa opção, minha e da editora, foi focar na própria Elza. A biografia de uma pessoa viva é uma coisa preciosa, porque ela está lá para contar a história dela — diz o jornalista, que só depois de ter acabado de escrever o livro foi ler a outra biografia de Elza Soares, “Cantando para não enlouquecer” (1997), de José Louzeiro. — O que eu usei, e bastante, foi o livro que ela própria escreveu, “Minha vida com Mané”, que é muito raro. Mas ali também é uma biografia muito pessoal, impressionista. Cerca de 90% do que usei vieram do que ela me falou.
As descrições quase cinematográficas de passagens da vida da cantora chamam a atenção em “Elza”:
— Todo mundo já leu milhares de entrevistas com ela, e alguns episódios são muito conhecidos, a ponto de terem ficado desgastados. Você sabe que ela foi no programa do Ary Barroso e que ele perguntou de que planeta ela vinha ( “do planeta fome”, respondeu Elza, classicamente ). A ideia era pegar episódios muito conhecidos e recontá-los de uma maneira mais rica. Quem estava na plateia? O que ela sentia? Com que roupa estava? Como era a voz do Ary Barroso? A Elza tem uma memória prodigiosa para quem, como a gente brinca, tem algo entre 85 e 88 anos de idade.
Na intimidade das entrevistas com Zeca Camargo, surgiram revelações.
— No meio dos anos 1980, logo depois que o filho dela com o Garrincha, o Júnior, morreu ( num acidente de carro, em 1986 ), a Elza pira, literalmente: perde o eixo e cai nas drogas. No livro, é a primeira vez em que ela fala abertamente: “Eu subi o morro, cheirei cocaína, eu estava sem saída” — relata Zeca. — No dia seguinte, a Elza pediu para retirar aquilo do livro, porque se sentia vulnerável. Eu disse que ia escrever o episódio dentro de um contexto e dar para ela ler. Ela leu e disse que estava legal. No fim, mesmo os episódios mais dramáticos e talvez mais constrangedores que ela contou entraram.
Segundo o jornalista, uma das preocupações da cantora é que “Elza” não fosse um livro “sobre o Mané”:
— Ela tinha um argumento engraçado: “Fui casada com o Garrincha 17 anos, eu tenho 87: sobram 70 anos.” Só nas últimas entrevistas é que falamos sobre ele.
Revivida pelas mãos do rock dos anos 1980 (ela gravou com Lobão e com Cazuza depois de Caetano Veloso a ter tirado do ostracismo para cantar com ela o samba-rap “Língua”), Elza Soares teve mais duas redescobertas pelos jovens com os álbuns “Do cóccix ao pescoço” (2002) e “Vivo feliz” (2004), e, de forma ainda mais inesperada, com “A mulher do fim do mundo” (2015) e “Deus é mulher” (2018):
— Elza sempre foi essa mulher moderna. O que ela lamenta, em vários momentos do livro, é que depois do grande sucesso nos anos 1970, muita gente só queria olhar para ela como uma cantora de samba. E ela sabia que, com a voz que tem, que é única, poderia cantar o que quisesse.
Elza nos cinemas e nos palcos
Nas telas desde o dia 1º, “My name is now”, documentário de Elizabete Martins Campos, investiga a trajetória pessoal e artística de Elza Soares, com seus altos e baixos, entremeando a narrativa com sequências em que a cantora interpreta clássicos da música brasileira — letras e ritmos dão o tom da história. O filme começa com a chegada de Elza a sua casa, em Copacabana, depois de mais um show, e segue num diálogo com um espelho/câmera. Frente a frente consigo mesma, a cantora reflete sobre a sua vida e sua obra. “Elza é uma personagem que se tornou um mito vivo da cultura brasileira por seu talento, criatividade, história e cotidiano”, define Elizabete.
Com direção cênica de Duda Maia, direção musical de Pedro Luís, arranjos de Letieres Leite e texto de Vinícius Calderoni, o musical “Elza” estreou em julho, com a presença da própria homenageada, no Teatro Riachuelo, no Rio (agora está em cartaz em São Paulo, no Sesc Pinheiros, até dia 18). Em cena, as atrizes e cantoras Larissa Luz, Janamo, Julia Dias, Khrystal, Veronica Bonfim, Nivea Magno e Késia Estácio interpretam as diferentes Elzas nos diferentes momentos de sua longa e conturbada vida, em um espetáculo rico em música, emoções e expressões corporais.