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Artigo: Amós Oz merecia o Nobel de Literatura. E também o da Paz

Com visão racional sobre um dos mais complexos conflitos históricos do mundo, escritor foi um defensor da paz com os palestinos sem nunca deixar de lado seu amor por Israel
Sem medo de tomar posições ao longo da vida, Oz morreu sem ter visto Israel e Palestina vivendo lado a lado em paz e segurança Foto: GERGELY BOTAR / AFP PHOTO
Sem medo de tomar posições ao longo da vida, Oz morreu sem ter visto Israel e Palestina vivendo lado a lado em paz e segurança Foto: GERGELY BOTAR / AFP PHOTO

NOVA YORK — Amós Oz não foi apenas o maior escritor israelense. Foi também um defensor da paz com os palestinos sem nunca deixar de lado seu amor por Israel. Era racional nas suas posições. Quando precisava defender seu país de uma agressão externa, não tinha medo de ir lutar como o fez na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e na Guerra do Yom Kippur, seis anos mais tarde. Tampouco temia condenar algumas políticas de sua nação, como a ocupação dos territórios palestinos.

Um dos fundadores do movimento Paz Agora, Oz era a favor da solução de dois Estados, com a retirada da maior parte dos assentamentos israelenses da Cisjordânia, que, na sua opinião, deveria integrar o território da Palestina com a Faixa de Gaza. Em algumas áreas, poderia haver ajustes territoriais em relação às fronteiras pré 1967, envolvendo trocas de territórios. Na sua visão, Jerusalém deveria ser a capital de Israel e também da Palestina. Sempre entendeu que o lado ocidental é judaico enquanto o oriental tem maioria árabe cristã e muçulmana que se identifica como palestina.

Quando Donald Trump anunciou que transferiria a embaixada americana em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, Oz disse: Todos os países do mundo deveriam seguir o presidente Trump e transferir a sua embaixada em Israel para Jerusalém. Ao mesmo tempo, cada um destes países deveria abrir sua embaixada em Jerusalém Oriental como a capital da Palestina”.

Nesta frase, o escritor buscou mostrar que tinha orgulho que a capital de seu país, Israel, era Jerusalém. Mas conseguia enxergar as demandas dos palestinos, que consideram Jerusalém Oriental a capital de um futuro Estado da Palestina.

Esta sua defesa de dois Estados era muito forte em Israel durante os anos 1990, após os Acordos de Oslo. Com estes ideais, Yitzhac Rabin, premiê de Israel, governou o país e tentou avançar na paz com os palestinos. Acabou assassinado por um extremista de direita israelense contrário à paz.

Nos anos seguintes, fracassaram as negociações com a Autoridade Palestina. Mas este revés não foi o suficiente para eliminar o sonho de Oz de um dia ver a paz neste conflito que já dura décadas.

O escritor, nascido em Jerusalém em 1939, nove anos antes da independência de seu país, morreu sem ter visto Israel e a Palestina vivendo lado a lado em paz e segurança. Na verdade, os dois lados estão distantes de um acordo e o processo de paz é quase inexistente. Israel perdeu o que talvez tenha sido o seu maior escritor, digno de um Nobel de Literatura. E israelenses e palestinos perderam um entusiasta de um acordo de coexistência, digno de um Nobel da Paz.

Ele merecia ambos.