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'As maiores novidades': Em novo livro, Marcelo Ferroni retrata distopia do mundo corporativo

Romance gira em torno de câmera que não apenas fotografa e filma o passado, mas pode alterá-lo
O escritor Marcelo Ferroni, autor de "As maiores novidades: uma viagem no tempo" Foto: Divulgação
O escritor Marcelo Ferroni, autor de "As maiores novidades: uma viagem no tempo" Foto: Divulgação

O escritor Marcelo Ferroni tem uma obsessão que não o abandona: o mundo do trabalho. De 2010 para cá, ele lançou cinco romances. Em todos aparece algum conflito empresarial, um personagem que lembra um chefe meio autoritário ou um narrador que sabe usar os clichês do mundo corporativo para arrancar risos nervosos do leitor. Esta obsessão se explicitou nos últimos anos. Em 2017, ele publicou “Fogo na floresta”, que retrata a saga de Heloísa, uma carioca que sai em busca de “novos desafios” e tenta a sorte como empreendedora. Em “As maiores novidades: uma viagem no tempo”, que será lançado hoje na Janela Livraria, Ferroni recorre à ficção científica para retratar o mundo distópico das grandes corporações. Para o futuro, ele promete um thriller ambientado no mercado financeiro.

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“As maiores novidades” acompanha a rotina de uma big tech, a Challenger, que está prestes a lançar um celular, o Challenger Ten. O departamento de Marketing havia solicitado que o aparelho viesse com uma câmera capaz de registrar as imagens um segundo antes que elas acontecessem. No entanto, funcionários do Controle de Qualidade descobrem que a câmera não apenas fotografa e filma o passado, mas pode alterá-lo. Devido a uma “questão de emaranhamento quântico”, cada vez que alguém tira uma foto com o Challenger Ten, vê uma imagem do passado. Mas pode ser de qualquer passado, o que de fato ocorreu ou um alternativo, que poderia ter acontecido. Uma vez registrado, esse passado altera o presente.

— Não consigo escrever uma história que não tenha a ver com o mundo do trabalho. É como um livro de terror que se passa na pandemia: um personagem está sobrecarregado e outro descobre como fazer dinheiro no meio disso tudo — diz Ferroni. — O trabalho é uma das grandes questões do nosso tempo, junto com o colapso ambiental, o racismo e a desigualdade. Quis escrever sobre uma grande corporação que se apropria até do nosso passado, porque do nosso tempo elas já se apropriam. Trabalhamos sem parar, e o nosso tempo livre é dedicado às redes sociais.

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A direção da Challenger logo começa a pensar em como monetizar as alterações do passado provocadas pelo celular. O CEO sugere o desenvolvimento de um aplicativo que permita ao usuário viajar no tempo. As ideias questionáveis vindas da chefia e executadas diligentemente por subalternos são apenas um dos clichês corporativos explorados por Ferroni. Há vários outros: a competição entre departamentos, a cultura de repassar a culpa para quem está abaixo na hierarquia, as reuniões intermináveis onde não se decide quase nada. E o impagável dialeto corporativo. Os chefes da Challenger cobram “proatividade” de seus “times”: “Quero brilho nos olhos, pessoal”.

“As maiores novidades” é o quinto romance de Ferroni. Até hoje, ele não repetiu um gênero literário. “Das paredes, meu amor, os escravos nos contemplam”, seu romance de estreia, é uma trama policial que acompanha as intrigas de uma família que fez fortuna vendendo filtros de água. “Método prático da guerrilha”, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura, é uma falsa biografia de Che Guevara (retratado como um chefe autoritário) com tintas de thriller de espionagem. “Fogo na floresta” é uma sátira dos romances realistas do século XIX. E “Corpos secos”, escrito a oito mãos com Luisa Geisler, Natalia Borges Polesso e Samir Machado de Machado, é um apocalipse zumbi. “As maiores novidades” é sua primeira ficção científica.

— Gênero é uma coisa que me encanta. A literatura realista não dá conta da velocidade das transformações que vivemos hoje— fiz Ferroni, que é publisher do Grupo Companhia das Letras e cresceu lendo thrillers, ficção científica e Stephen King.

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Para ler e ouvir

Recentemente, Ferroni a se aproximou de outro gênero: o podcast. “As maiores novidades” chega às livrarias pela mapa lab, editora multiplataforma cujos livros se desdobram em conteúdos digitais, e vai ganhar uma continuação em áudio que estreia nas plataformas de streaming na quinta. Nos quatro episódios da série (que imita um podcast de notícias de economia), especialistas de diferentes áreas são entrevistados sobre a derrocada da Challenger. Ferroni participa do último episódio como um engenheiro que explica o drama das populações que ficaram desalojadas depois de tantas alterações no passado provadas pelo uso celular.

— As grandes corporações criam situações distópicas. É só ver todo o fuzuê causado pela queda do Facebook — ele diz.

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“As maiores novidades: uma viagem no tempo”

Autor: Marcelo Ferroni. Editora: mapa lab. Páginas: 128. Preço: R$ 49.